O racismo obstétrico acompanha a mulher negra desde o início da gravidez. Doulas e parteiras negras, que atuam em coletivos, têm um trabalho fundamental na disseminação de informação e no cuidado das mães desde o período de pré-natal até os cuidados necessários para enfrentar o puerpério. “A gente não oferece parto, a gente oferece informação”, explica a parteira Nabila Fernanda, 30 anos, formada em Obstetrícia pela USP (Universidade de São Paulo).
Segundo dados do Ministério da Saúde, 55% dos partos no Brasil são também procedimentos cirúrgicos, ou seja, não são partos normais, o que coloca o país no segundo lugar entre as nações que mais fazem cesáreas no mundo. A recomendação dada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) é que apenas 15% dos nascimentos sejam feitos como cesarianas. Neste contexto, a violência obstétrica e falta de acesso à informação fomentam o número de óbitos e traumas no momento do parto de mulheres negras.
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Na contramão dos dados crescentes de violência e experiências traumáticas de violência obstétrica, os partos feitos em casa impactam toda a estrutura familiar. “A preparação se inicia desde a primeira consulta. A família vem em busca de ter uma assistência com parteira preta e isso é muito legal”, explica Nabila, que também integra o coletivo Parteiras Pretas e gerencia a conta Obspreta, no Instagram.
É nesse mesmo sentido que os partos humanizados atuam, relata a doula Chenia Silva, do coletivo Doulas Pretas. “É um parto que é alicerçado no protagonismo feminino, na autonomia dessa mulher e nas práticas dos profissionais da saúde”, conta.
O acompanhamento humanizado, seja com doula ou parteira, acontece em todos os períodos da gravidez. Ao longo do processo é que se concretiza o enfrentamento ao racismo obstétrico, sobretudo durante o pré-natal e nos partos humanizados feitos em hospitais. “Formar doulas pretas é um propósito de transmutar esse cenário do parto no Brasil. A gente debate racismo e formas de combatê-lo. É preciso saber como instrumentalizar essas doulas para que elas atuem nesses espaços”, detalha Chenia.
“Se você olhar as estatísticas, o número de mulheres pretas que mais morreram no último ano é muito maior”, destaca a doula sobre o período pandêmico vivido no Brasil e os impactos nas gestantes. A doula salienta que houve aumento na busca por partos domiciliares, mas que isso se limita à famílias com maior poder aquisitivo.
Formação e diálogo sobre o tema
As duas profissionais, Nabila e Chenia, compreendem a importância da assistência prestada às mães negras e reforçam que a violência obstétrica também ocorre em momentos que antecedem e precedem o parto. “A gente vive muitas práticas que são deletérias e consideradas normais”, ressalta Chenia. Entre elas está a falta de estímulo para a amamentação e falta de suporte no período de pré-natal, com a realização de exames de rotina, por exemplo.
“A gente tem um imaginário de que parto é dor e sofrimento e não é isso. A partir dessa nova história do parto, outras mulheres conseguem abrir seus horizontes sobre boas práticas”, relata Chenia | Foto: Reprodução/Instagram/@coletivodoulaspretas
Ainda segundo a doula, as discussões sobre as formas como o racismo interfere na maternidade ainda se limitam ao ambiente acadêmico e o trabalho de doulas e parteiras nas comunidades é uma forma de levar essas discussões para outros espaços. “O diálogo acontece, mas muitas vezes não é dentro das comunidades e isso dificulta muito o acesso das mulheres pretas, pobres e periféricas”.