Sem partido e em busca de alguma base política de sustentação para tentar a reeleição em 2022, o presidente Jair Bolsonaro deu dois exemplos de preconceito e intolerância ao fazer piadas sobre o corte de cabelo afro conhecido como black power (Poder Negro).
Na terça-feira (4), enquanto ria, o presidente perguntou a um apoiador: “O que você cria nessa cabeleira aí?”. Na manhã desta quinta-feira (6) o chefe do Executivo foi ainda mais grosseiro ao se encontrar com apoiadores e dizer para um homem com cabelo black power: “Estou vendo uma barata aqui”.
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Com esses comentários pejorativos, o presidente incentivou que outras pessoas brancas também rissem da situação. Como presidente, Bolsonaro não costuma fazer comentários racistas em público e guarda sua discriminação para ser usada em canetadas e políticas prejudiciais, sobretudo, para a população negra, como a má condução da pandemia.
Porém, não é a primeira vez que Jair faz comentários explicitamente racistas em público. Ele já foi processado por racismo ao definir, durante uma palestra em 2017, o peso dos quilombolas em “arrobas”. Na ocasião, o então deputado federal também afirmou que esse grupo populacional não servia nem para “procriar”.
O caso de discriminação racial explícita foi julgado em primeira instância, na Justiça Federal, e Bolsonaro condenado a pagar uma indenização de R$ 50 mil. Após recorrer à 8ª Turma do TRF-2 (Tribunal Regional Federal da 2ª região), o ex-capitão da Reserva foi inocentado sob argumento de que as declarações ocorreram no contexto de atividade parlamentar, por isso, protegidas pela imunidade de deputado.
Ao se referir aos quilombolas com termos referentes à criação de animais, como “arrobas” ou “procriação”, ou falar de corte de cabelo que servem de criadouro de insetos, o presidente incentiva a desumanização das pessoas negras, atingindo a autoestima e corroborando mais uma vez com uma estrutura racista, da qual ele faz parte.
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Profissionais da beleza comentam fala racista
“A atitude do Bolsonaro é mais um exemplo da falta de empatia. Nem vou citar a falta de conhecimento ou o desprezo que ele tem pelo o que o cabelo Black Power representa para os negros. Será que ele diria que viu uma barata no cabelo de alguém ‘parecido com ele’?”, comenta o cabeleireiro Marcos Vinicius, de 31 anos. O profissional atua no salão Pretto Sim, especializado em cortes afro, na Zona Leste de São Paulo.
O corte Black Power representa a beleza, a autoestima e a luta das pessoas negras. Não tem nada de sujo ou mal cuidado. É um símbolo de poder e beleza que a galera gosta e tem todo o direito de usar”, pondera Jô Black Power, 62 anos, proprietária de um salão que carrega o nome dela, existente desde 1979, no bairro de Santo Amaro, Zona Sul da capital paulista.
O cabelo dos afrodescendentes é uma característica que não deve ser vista nem como exótica e muito menos como anormal. “Eu, como trancista, convivo todos os dias com pessoas que, com muito custo, tentam se livrar dos padrões eurocêntricos e abandonam os alisamentos para finalmente assumirem seus cabelos crespos. Falas como as do presidente ferem a nós, pois critica algo que é natural em pessoas pretas, define quem somos”, conclui Letícia D’Alma, 27 anos, proprietária do salão D’Alma Nagô, em Guarulhos.