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Cinco anos sem Luana Barbosa: PMs que a espancaram estão livres e crime pode ser arquivado

Advogados da família da vítima e coletivo criado em memória esperam o caso ir à júri popular; cidade onde o crime ocorreu é apontada por ativista como “racista e conservadora”

Texto: Caroline Nunes | Edição e imagem: Nataly Simões

Cinco anos sem Luana Barbosa: PMs que a espancaram estão livres e crime pode ser arquivado

13 de abril de 2021

O assassinato de Luana Barbosa completa cinco anos neste dia 13 de abril de 2021. Mulher negra, lésbica, periférica e mãe, ela foi espancada por policiais militares de Ribeirão Preto (SP) e morreu aos 34 anos de idade após exigir que a revista em uma abordagem fosse realizada por uma PM do sexo feminino, procedimento previsto na lei brasileira. A violência custou a vida de Luana e o caso ainda não foi concluído judicialmente. Mesmo com mais de dez testemunhas, o processo está parado no Tribunal de Justiça e os PMs envolvidos no crime estão em liberdade.

Os policiais André Donizete Camilo, Douglas Luiz de Paula e Fábio Donizeti Pultz foram acusados de espancar Luana e recorreram à decisão judicial. Eles devem ir à júri popular, mas ainda não há data prevista para audiência. O atraso no processo decorre da rejeição da defesa por uma audiência virtual, comumente usada na pandemia da Covid-19.

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Segundo o advogado Daniel Rondi, a tese de defesa dos policiais é de que não houve homicídio qualificado, torpe ou cruel com impossibilidade de defesa pela vítima. Os PMs negam totalmente a participação devido à ausência de provas para a comprovação da autoria. Rondi explica que apesar dessas alegações, o caso deve ser levado ao júri, pois nesta fase do processo qualquer dúvida funciona em favor da sociedade e não dos militares.

No momento, a maior preocupação é causada pelo histórico da 4ª Vara de Direito Criminal, que segundo o advogado é conhecida por “proteger muito o policial”. Em 2016 o Ministério Público Militar havia arquivado a denúncia contra os policiais militares e a decisão foi anulada pelo desembargador responsável na época, que entendeu e determinou que o processo fosse reaberto.

De acordo com o laudo do Instituto Médico Legal (IML), Luana morreu em decorrência de isquemia cerebral e traumatismo crânio-encefálico, resultado da agressão. A partir disso, Rondi avalia que a defesa dos policiais poderá alegar na próxima audiência que não houve homicídio qualificado e sim lesão corporal seguida de morte. Caso isso aconteça, é possível o caso prescrever, ou seja, perder a possibilidade de resultado favorável para a família da vítima em razão do tempo.

“Os policiais podem alegar o seguinte: ‘nós tivemos culpa, mas não queríamos matar. Queríamos machucar e aconteceu a morte’. Uma brecha que daria para entrar com a prescrição”, explica Rondi.

Leia também: Luana Barbosa: testemunha relata ter sido ameaçada por um dos policiais militares

Racismo em Ribeirão Preto

O caso de Luana Barbosa desencadeou uma série de questionamentos acerca da postura da Polícia Militar de São Paulo. A Organização das Nações Unidas (ONU) demonstrou interesse no processo, o que causou visibilidade negativa para o município de Ribeirão Preto, no interior paulista. É o que explica Marcelo Rodrigues, ativista do Coletivo “Nenhuma Luana a Menos”.

De acordo com Rodrigues, a PM está estritamente relacionada à violência contra a população negra na cidade, que também possui um histórico racista. “Existe um apartheid social entre a Zona Norte, Leste e Oeste e a Zona Sul, em que se concentra o pessoal de classe alta. É uma população que não se importa em se manifestar racista”, diz o integrante do coletivo criado em memória e por justiça para Luana.

Marcelo acrescenta que o racismo é uma opressão muito presente no cotidiano da cidade do interior paulista, onde os comerciantes, por exemplo, impedem a entrada de pessoas negras aos estabelecimentos para “evitar desordem”. “É uma cidade lamentavelmente racista e conservadora, parada no escravagismo, assim como prega o presidente do país”, relata. Em Ribeirão Preto, mais de 70% dos eleitores votaram em Bolsonaro em 2018.

O coletivo apoia e pressiona a justiça para que o caso seja levado a júri popular e presta auxílio à família da vítima, principalmente ao filho de Luana, que testemunhou o espancamento da mãe.

Em junho de 2020, a campanha “Vidas Negras Importam” levou centenas de pessoas às ruas de São Paulo em comoção às vítimas de violência policial, a partir do caso George Floyd, nos Estados Unidos. Em novembro, a Gama Revista se uniu à agência Alma Preta, ao Corinthians e ao Atlético Mineiro para dar nomes e rostos às estatísticas que apontam o genocídio dos negros brasileiros. Luana Barbosa foi uma das homenageadas.

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Manifestantes em frente ao Fórum de Ribeirão Preto, no interior de São Paulo, em 2019. Foto: Nataly Simões

Espera por justiça

“Se não fosse a violência desses policiais contra a minha mãe, ela estaria aqui hoje, firme e forte, assistindo a um jogo de futebol comigo ou me vendo lutar para entrar na faculdade”, relata Luan, filho da vítima.

Para o jovem, que presenciou o crime que tirou a vida da mãe, o dia 13 de abril é marcado pela ânsia por justiça. Na avaliação dele, a resolução do caso pode diminuir a incidência de violência policial contra a mulher lésbica e negra na sociedade brasileira.

“Eu queria poder falar várias coisas boas hoje, mas não posso. Queria que hoje fosse qualquer dia como o aniversário dela, pois ela gostava de festa, de churrasco, de ir nas amigas, de conversar com as irmãs, mas os meses passam e eu não vejo a justiça sendo feita. Eu sei que existem diversas pessoas lutando para ela não cair no esquecimento, mas até hoje eu não tive uma notícia feliz, que poderia ser a prisão dos homens que fizeram isso com ela”, desabafa o filho de Luana.

Leia também: “O caso de Luana Barbosa é tão importante quanto o de Marielle”, afirma advogada

Segundo o filho, Luana era uma mulher de sorriso fácil e personalidade extrovertida, engajada em ajudar as pessoas seja panfletando em ônibus para arrecadar doações para crianças com câncer, trabalhando como garçonete em um abrigo para órfãos ou até mesmo aconselhando o filho a se aplicar nos estudos para ter um futuro bem sucedido.

A história que Luana nunca conseguiu contar ficou para a irmã Roseli dos Reis retratar, como forma de manter sua memória viva. Segundo Roseli, Luana mantinha diários, gostava de escrever e planejava um dia publicar um livro. “Ficou para mim a tarefa de concluir”, conclui a irmã.

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