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Afro-americanos deixam de tomar vacina contra Covid-19 por desconfiança do governo

Testes feitos na comunidade negra dos Estados Unidos são agravantes para o medo do imunizante; indicador mostra que a aprovação emergencial da vacina da Pfizer também é um dos motivos

Texto: Caroline Nunes | Edição: Nadine Nascimento | Imagem: Reprodução/Twitter/Andrew Cuomo

Sandra Lindsay, enfermeira afro-americana, 1ª norte-americana a receber a vacina contra a covid-19

9 de setembro de 2021

“Muito do que é discutido aqui [EUA] sobre a disparidade racial do número de vacinados é a hesitação em tomar a vacina. Nem todo mundo que não tomou o imunizante é anti-vacina, mas existe uma desconfiança em relação à vacina em si e às práticas governamentais”, é o que diz o pós-doutor em Biologia Gustavo Silva, professor-chefe do laboratório de pesquisa na Universidade de Duke, nos Estados Unidos, ouvido pela Alma Preta Jornalismo.

Há alguns dias, um vídeo na plataforma Tik Tok levantou o fato de parte da população negra não estar se vacinando contra a Covid-19 nos EUA. De acordo com a influencer Mara Gomes, que mora no país, isso acontece porque as pessoas acreditam que a vacina foi produzida em tempo recorde, o que gera desconfiança. Outro motivo, segundo o vídeo, é de que a imunização não é um hábito no país, como no Brasil.

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“Aqui a população sempre teve que pagar pela vacina. A vacina contra a Covid-19 é uma das primeiras a ser oferecida de graça em grande quantidade para as pessoas”, explica. “As pessoas acreditam que vão ter efeitos colaterais se tomarem a vacina”, completa.

Pela falta de confiança na vacina, o vídeo aponta que os afro-americanos não se protegem e lotam hospitais. Para o professor Gustavo, a falta de informações e o fato de os postos de vacinação não estarem bem localizados, em regiões com maior número de negros, também colaboram para a dificuldade de acesso ao imunizante.

Informações do El País mostram que o número de internações nos EUA pelo novo coronavírus atingiu um nível nunca antes visto, principalmente na população negra. Segundo a reportagem, a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) do principal hospital de Baton Rouge, capital da Louisiana, está sem leitos. O número de mortes pelo novo coronavírus triplicou em 14 dias; o de contágios, duplicou, segundo a matéria. Ainda assim, metade da população do estado permanece sem a imunização.

Histórico de desconfiança

O professor da Universidade de Duke avalia que existem motivos legítimos que geram desconfiança na população afro-americana quanto às vacinas. O primeiro é o experimento de Tuskegee, que ocorreu na década de 1930, no Alabama. A análise, que durou cerca de 40 anos, tinha como objetivo levantar dados sobre sífilis no país. A população negra local (cerca de 400 pessoas) não sabia do que se tratava o teste.

“A intenção do governo norte-americano era estudar o que acontecia com a sífilis quando não tratada, então, essas pessoas serviram de cobaia por muito tempo. Pessoas que tinham sífilis e não foram tratadas mesmo depois que a penicilina já havia sido descoberta”, pondera o pós-doutor. Gustavo ainda pontua que quando a população afro-americana descobriu o que acontecia, o experimento foi encerrado. Segundo ele, muitas pessoas morreram.

Já o vídeo do Tik Tok levanta outra razão da desconfiança da população negra quanto às ações governamentais de saúde, que é um programa de esterilização realizado no estado da Carolina do Norte. O exprimento foi explicitamente projetado para evitar a reprodução de cidadãos negros. Cerca de 7,6 mil pessoas negras e indígenas foram esterilizadas no período, segundo informações publicadas no American Review of Political Economy.

Negacionismo não é o mesmo que desconfiança

De acordo com informações da Kaiser Family Foundation, a aprovação da vacina contra a Covid-19 para uso emergencial também foi um dos agravantes para que a comunidade afro-americana tivesse reservas quanto ao imunizante. “Essa condição é exigida com maior frequência por negros e hispânicos — dois grupos que ainda têm taxas de imunização menores no país”, diz.

A Fundação, portanto, atualizou uma pesquisa feita em junho e compartilhou com a Bloomberg News. O estudo identificou que, entre os não vacinados, 46% dos hispânicos e 41% dos negros afirmam que a aprovação do imunizante da Pfizer — mais utilizado nos EUA — os deixariam mais inclinados a tomar a vacina, comparado a 25% dos brancos entrevistados. Para a população geral, o estudo mostrou que 31% das pessoas não vacinadas afirmam que ficariam mais propensas a se vacinar após a aprovação total dos órgãos responsáveis. O indicador mostra que até o dia 8 de setembro, 65% da população afro-americana já tomou ao menos a primeira dose.

Mesmo com as restrições quanto à vacina, o professor Gustavo reforça que a comunidade afro-americana não deve ser categorizada como anti-vacina ou negacionista, tendo em vista que esse grupo já sofreu com as ações governamentais de saúde. Além disso, o docente da Universidade de Duke avalia que, por mais que o governo federal se posicione a favor da imunização, a força dos estados norte-americanos é grande, portanto, a população também depende do que dizem os governadores.

“A Flórida é um grande exemplo de negacionismo, o que aumenta a disparidade racial de vacinados. As políticas públicas em cada estado acabam definindo o que acontece com as vacinações e com a informação que chega às pessoas. É importante pensar que a desconfiança é um fator importante, mas o acesso a essa vacina também é”, finaliza.

Leia também: ‘Apenas um país do continente africano está com a imunização acima da média mundial’

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