“Esta COP, que está sendo realizada na África, é uma boa oportunidade para os africanos falarem a uma só voz, além de se posicionarem com uma visão comum para produzir e descolonizar os debates sobre as mudanças climáticas no continente”. É o que afirma Mamadou Oury Barry, representante da República da Guiné presente na 27° Conferência das Nações Unidas sobre as Mudança Climáticas, que ocorre em Sharm El-Sheikh, no Egito.
Segundo o representante guineense, a conferência ocorrer em um país milenar como o Egito é uma oportunidade para os africanos expressarem suas preocupações, além de falarem de suas necessidades diante das mudanças climáticas e sobre as soluções a serem tomadas nesse contexto.
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“Antes de tudo, há que se entender que a África é onde tudo começou. Isto é algo que não podemos negligenciar. A África ainda tem algo a propor”, afirma Mamadou Oury Barry.
Conforme noticiado anteriormente na Alma Preta Jornalismo, países africanos são os mais atingidos pelos impactos da crise do clima. De acordo com o Índice de Vulnerabilidade à Mudança Climática de 2018, publicado pela consultoria de riscos globais Verisk Maplecroft, 67% das cidades africanas correm risco extremo com os impactos do aquecimento global. Moçambique, por exemplo, já é um país que sofre as consequências de eventos extremos como ciclones e secas consecutivas, o que causa mortes, destrói casas e impacta a agricultura.
Mesmo o continente africano não produzindo mais do que 3,8% das emissões globais de gases de efeito estufa – segundo informações do Banco de Desenvolvimento Africano-, as alterações do clima prejudicam, sobretudo, a saúde e a vida das pessoas que já estão vivendo com a falta de acesso a alimentos e boas condições de moradia e acesso a serviços de saúde.
Nesse contexto, há a intensificação dos deslocamentos de grupos étnicos que são obrigados a se refugiarem em outros locais, o que pode aumentar o número de conflitos entre os diferentes grupos, com impactos, principalmente, sobre mulheres, pessoas negras, crianças e idosos. “Precisamos refletir sobre nossas responsabilidades, sobre nosso passado e presente e projetar nosso futuro para que possamos salvar este planeta”, diz Mamadou Oury Barry, da Guiné.
Omar Abdelhak, integrante da delegação egípcia na COP, relata que seu país está preocupado com os impactos locais do aquecimento global e, por isso, procura acelerar a ação climática por meio da redução de emissões, esforços de adaptação e aumento dos fluxos de financiamento às ações climáticas.
“Todos os países africanos, sem exceção, estão sofrendo e lutando contra as mudanças climáticas que tem custado à África muitos desastres e misérias. O aumento das temperaturas, um surto de desastres naturais, invasões de gafanhotos, enchentes e secas. O povo egípcio vê este evento como uma oportunidade de tomar sérias ações de todos os líderes do mundo para salvar toda a humanidade”, conta Omar Abdelhak.
Financiamento climático no centro da mesa
Esta não é a primeira vez que a conferência acontece em continente africano. Antes de ocorrer no balneário egípcio de Sharm EL-Sheikh, o evento climático já aconteceu em outros países africanos: Marrocos (2001), Quênia (2006 e 2016) e África do Sul (2011).
A escolha do país que vai sediar a COP segue uma rotatividade fixa entre os continentes. “Cada ano, os países que são parte do grupo específico de um determinado continente podem pedir para sediar a COP. Agora é a vez do continente africano. Há três anos, o Egito pediu para sediar e houve uma negociação entre os países do bloco. Quando não tem outros candidatos para sediar o evento, o continente apoia o país que se ofereceu”, explica Cintya Feitosa, assessora de relações internacionais do Instituto Clima e Sociedade.
Na conferência climática deste ano, mecanismos para adaptação climática e para compensar as perdas e danos – que já acontecem por conta da mudança do clima – são alguns dos principais temas em que se espera avançar nas negociações entre os países signatários das metas climáticas do Acordo de Paris, adotado em 2015.
“Pensando que os danos que estamos vivendo devido às mudanças climáticas não são devido a atividades dos países africanos, é sempre bom ter a oportunidade de, na COP, discutir os financiamentos e as doações de outros países para trabalhar nos nossos problemas de adaptação ou mitigação diante das alterações do clima”, pontua Ousmane Ndiaye, membro da delegação senegalesa na COP27.
A questão do financiamento climático é uma das pautas centrais e assunto de cobrança entre os participantes da conferência. Em 2009, na COP15 na Dinamarca, países desenvolvidos prometeram transferir US$100 bilhões anuais para países vulneráveis conseguirem lidar com os impactos das alterações climáticas. A meta, que deveria ter sido cumprida até 2020, não saiu da promessa.
No ano de 2020, países desenvolvidos forneceram US$ 83,3 bilhões aos países em desenvolvimento, sendo que o continente africano recebeu 26% do total, segundo análise da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
Arona Soumare, diretor principal de mudanças climáticas e crescimento verde do Grupo Banco Africano de Desenvolvimento (AfDB), também ressalta que o financiamento climático é um dos pedidos mais necessários e um dos mais exigentes que o AfDB tem.
“A COP está acontecendo em um continente que é o mais impactado pela crise da mudança climática. O Banco Africano de Desenvolvimento tem apoiado essas metas, os negociadores africanos na COP e buscado uma certa liderança, a começar pelo Programa de Aceleração da África”, explica.
O Programa de Aceleração da Adaptação de África (AAAP) é uma iniciativa conjunta do Banco Africano de Desenvolvimento e do Centro Global sobre Adaptação (GCA). O objetivo do programa é mobilizar 25 bilhões de dólares, ao longo de cinco anos, para acelerar e escalar a ação de adaptação climática em todo o continente.O AAAP foi aprovado no Diálogo de Líderes sobre a Emergência Covid e Clima em África, em abril de 2021.
Na COP26, em Glasgow, líderes mundiais, como do Reino Unido, comprometeram-se a apoiar a adaptação em África por meio do AAAP. “A COP é uma oportunidade maravilhosa para avançarmos nesta agenda”, explica Arona Soumare.
De acordo com informações do Observatório do Clima, a primeira semana de negociações da COP27 no Egito terminou sem avanço real nas questões-chave de perdas e danos, Programa de Trabalho sobre Mitigação e sobre a criação de um mecanismo financeiro para perdas e danos montado sob o guarda-chuva da UNFCCC, a Convenção do Clima da ONU. Com o fim da COP, previsto para hoje (18), a expectativa é de haja avanços para a implementação desses mecanismos.
“Meu país está otimista quanto a essa COP27 e de que a África e o resto do mundo devem se beneficiar desta convenção e de que ações realmente positivas devem ser tomadas e implementadas. Mas, ao mesmo tempo, temos nossa desconfiança de que esta COP acabe sendo como a COP anterior: de promessas e promessas sem ação sobre o que temos falado aqui durante toda a conferência”, finaliza Mamadou Oury Barry, da delegação da Guiné.
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