O Museu Horniman, localizado em Londres, informou nesta semana que devolverá à Nigéria 72 artefatos que foram saqueados por soldados britânicos no Reino de Benin, no século 19. Entre os itens a serem devolvidos, estão 12 esculturas de marfim, bronze e latão conhecidas como Bronzes do Benin, um galo de latão e uma chave do palácio do rei, de acordo com informações da BBC News.
Ainda de acordo com a publicação, a decisão de devolução segue uma solicitação da Comissão Nacional de Museus e Monumentos da Nigéria (NCMM, sigla em inglês). O museu localizado no sudeste de Londres afirma que consultou membros da comunidade, visitantes, crianças em idade escolar, além de acadêmicos, profissionais do patrimônio e artistas nigerianos e do Reino Unido para considerar o futuro dos artefatos.
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
“A evidência é muito clara de que esses objetos foram adquiridos à força e a consulta externa apoiou nossa opinião de que é moral e apropriado devolver sua propriedade à Nigéria. O Horniman está satisfeito por poder dar este passo e estamos ansiosos para trabalhar com o NCMM para garantir cuidados de longo prazo para esses artefatos preciosos”, complementou Eve Salomon, presidente do museu, segundo a BBC.
Os Bronzes do Benin, em específico, são milhares de esculturas e foram criados pelo menos desde o século 16 no antigo Reino de Benin, que se localizava no sudoeste da Nigéria. Eles estão entre os artefatos culturalmente mais significativos da África e fornecem um registro histórico do Reino, com muitas peças construídas para altares ancestrais de antigos reis e rainhas-mãe. Os artefatos foram saqueados junto a outros milhares de itens pelos britânicos e colocados em museus europeus e dos Estados Unidos.
Babatunde Adebiyi, consultor jurídico da NCMM, disse à BBC que espera que alguns dos 72 itens sejam exibidos na Nigéria ainda este ano. Além disso, o consultor disse que também foram alcançados acordos com museus americanos e o conselho da cidade de Glasgow para que os artefatos saqueados sejam devolvidos à Nigéria também este ano.
Reparação histórica
De acordo com o professor Paris Yeros, da Universidade Federal do ABC e especializado no estudo sobre países africanos, a reivindicação de devolução dos artefatos do Reino Unido e de outras potências coloniais está ganhando força tanto na África como em outros continentes.
“Isso reflete o avanço das lutas pela descolonização no âmbito da cultura, da história, da arqueologia e da memória. Ao mesmo tempo, afirma o reconhecimento da importância das civilizações africanas e outras não europeias para o patrimônio cultural de toda a humanidade”, afirma o professor.
Como noticiado em matéria anterior da Alma Preta Jornalismo, em 20 de junho, o Governo da Bélgica devolveu os únicos restos mortais conhecidos do líder Patrice Lumumba, primeiro-ministro quando a República Democrática do Congo (RDC) chegou à independência: uma coroa dentária de ouro. O marco ocorreu após seis décadas do assassinato do líder belga por separatistas e mercenários belgas em 1961.
Em 2018, um relatório encomendado pelo presidente francês Emmanuel Macron recomendou a alteração das leis francesas, permitindo que artefatos africanos roubados durante o período colonial fossem devolvidos a seus países de origem. Em novembro de 2021, o país devolveu ao Benim 26 artefatos, parte do “tesouro real de Abomey”, saqueado no século 19.
Em julho, o Jesus College em Cambridge e a Universidade de Aberdeen devolveram uma escultura de galo e a cabeça de um oba (rei). Além disso, mais de 1.100 artefatos foram devolvidos à Nigéria por autoridades alemãs.
O congolês Bas’Ilele Malomalo, professor de Relações Internacionais da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (Unilab), afirma que realmente há um movimento afrikano e panafricanista, junto a outros movimentos negros, em torno de pressionar os países a devolverem os patrimônios ancestrais africanos que foram saqueados na época da colonização.
“Esse movimento depende dos países. O debate está sendo realmente de poder estabelecer uma certa legislação para o retorno desse patrimônio ancestral para o continente”, comenta o professor.
Malomalo também complementa que não há separação entre o roubo dos artefatos que fazem parte desse patrimônio cultural espiritual africano com a questão do sequestro, tortura e genocídio contra os corpos negros.
“Esses processos de dominação e imperialismo, tanto árabe como europeu, sequestram nossos corpos e nosso patrimônio espiritual. Então hoje posso afirmar que nós temos um movimento forte panafricano para [reaver esses artefatos]”, acrescenta o congolês.
Não são objetos ou obras de arte, mas artefatos ancestrais
Bas’Ilele Malomalo também destaca que os itens devolvidos a seus países de origem não são somente objetos ou obras de arte: “se tratam realmente de artefatos que constituem um patrimônio espiritual africano”.
“Esses artefatos não foram fabricados para estar no museu. Faziam parte do dia a dia da gente. Muitos são entidades, são pessoas, são inquices. Alguns deles são representação dos Orixás, representação de monarquia, então são realmente entidades que têm vida, que têm nome e desempenhavam papéis dentro da sociedade”, ressalta.
Segundo o professor da Unilab, o retorno dos artefatos é para corrigir uma agressão histórica e, a partir dali, fazer um movimento de sankofa: “olhar pelo passado para construir o presente e consolidar o futuro”.
“Estamos falando de um movimento de resgate da nossa dignidade. Ele tem a ver com a questão de reparações, da revisitação da memória e de contar a história de outro ângulo”, finaliza.
Leia também: Bélgica devolve à família restos mortais de Patrice Lumumba, fundador do Congo