Pouco se sabe sobre como será a política do novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em relação ao continente africano. Veja algumas possibilidades de como o polêmico presidente lidará com os países da África.
Texto / Solon Neto
Imagem / Alma Preta
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Ainda é incerto o que pensa o quadragésimo quinto presidente dos Estados Unidos em relação ao continente originário da humanidade. Ao longo de 2016, a campanha de Donald John Trump raramente tocou no assunto das relações americanas com os países da África. Porém, em 2013 usou seu twitter para criticar a África do Sul, e novamente no mesmo ano para insinuar que a África é um continente corrupto e não merece doações.
Segundo reportagem publicada pelo jornal The New York Times, a política estabelecida por Trump em relação à África “segue um mistério”. O jornal teve acesso a um relatório de quatro páginas da comissão de transição da equipe de Trump para a Secretaria do Departamento de Estado, importante órgão do governo dos Estados Unidos. Este relatório dá indícios do que pode vir a ser essa política. Segundo o texto, ela se concentra em alguns pontos, como imigração, ceticismo em relação às doações internacionais, preocupação com a presença da China no continente, e questionamentos sobre a presença militar americana na África para o combate ao terrorismo.
Do lado africano as dúvidas ainda pairam também. A organização multilateral mais poderosa do continente, a União Africana (UA), mantém-se atenta aos passos do novo presidente. As primeiras movimentações de seu governo já preocupam os líderes africanos.
Isso ficou nítido no 28º encontro da UA, realizado em Addis Ababa, capital da Etiópia, entre os dias 22 e 31 de Janeiro de 2017. No encontro, Nkosazana Dlamini-Zuma, uma das mulheres mais influentes da política africana continental criticou Trump.
Com um destacado papel à frente da última gestão da UA como presidenta do comissariado do bloco continental, a sul-africana fez críticas a Donald Trump em referência ao banimento da imigração de sete países de maioria islâmica, incluindo três nações africanas, Sudão, Líbia e Somália. Nkosazana afirmou em seu discurso de despedida no último dia 31 de Janeiro: “Você nos tomou como escravos, mas não nos aceita como refugiados?”.
Ministra da saúde do governo de Nelson Mandela, na África do Sul, entre 1994 e 1999, Nkosazana permaneceu desde então à frente de ministérios importantes da administração nacional sul-africana. Além da saúde, já foi ministra da Casa Civil e também de Relações Exteriores nos governos subsequentes ao de Madiba.
Além das críticas, seu discurso teve como tom principal o chamado para a unidade africana, marca do regimento oficial do bloco continental e de sua Agenda 2063. Uma forma de enfrentar as tensões geradas pelas atitudes do presidente norte americano e o aumento do conservadorismo no mundo, segundo a líder. Ela chamou atenção para a continuidade do projeto africano e mostrou preocupação com a possibilidade de uma corrida armamentista, algo que é insuflado pelo presidente americano em uma complicada relação com a China e a Rússia.
O mundo inteiro está atento aos primeiros passos do novo presidente dos Estados Unidos. Suas primeiras atitudes indicam uma tendência em direção ao protecionismo, erguendo barreiras físicas e econômicas, além de apontamentos bélicos, como investimentos já anunciados na reforma de todo o setor militar americano.
Para os países africanos, algumas coisas podem mudar com o nacionalismo de Trump, seja na influência sobre a imigração, seja nas taxas que poderiam mitigar as relações comerciais, ou mesmo as mudanças que poderão ocorrer em órgãos diretamente influenciados pelos americanos, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial. Esses fundos econômicos, incluindo o USAID, garantem um fluxo monetário para alguns países do continente.
É o caso de Moçambique, cujo governo acumula escândalos de empréstimos bilionários feitos às escondidas no FMI, ou o caso da Etiópia, um dos países que mais recebe ajuda internacional no mundo, segundo dados do Banco Mundial.
O que Nkosazana Dlamini-Zuma (foto abaixo) apontou como solução para o continente em seu discurso, é o foco no “espírito do pan-africanismo, a unidade e a solidariedade” como forma de passar pelas águas turvas que se tornaram a política internacional. Ela cita a saída britânica da União Europeia, o Brexit, o aumento do conservadorismo na política internacional, além das negociações em blocos econômicos, como problemas no percurso africano para o desenvolvimento que necessitam.
“Corremos o perigo de voltar para um mundo unipolar quando os Estados Unidos e sua nova administração ameaçam os consensos sobre as mudanças climáticas, direitos das mulheres e mais, em direção ao protecionismo”.
Com severas críticas ao neoliberalismo e seu “jogo de vencedores e perdedores”, a sul-africana aposta na integração regional e fortalecimento da unidade africana. Ela lembrou que o mundo assiste 1% de indivíduos mais ricos que os outros 99%, e defendeu a taxação dessas riquezas. “A única proteção da África nessas águas difíceis é honrar seu compromisso de começar uma zona de livre comércio africana em 2017”.
O compromisso pelo livre comércio africano da Agenda 2063 da União Africana mostra uma oportunidade importante enquanto o ocidente, liderado por Trump, sugere o protecionismo. Para continuar progredindo nesse cenário, a líder aposta na igualdade de gênero, no empoderamento de mulheres e meninas, e no apoio à juventude africana.
“Esses tempos, cheios de desafios, também apresentam oportunidades para a África reivindicar seu espaço no mundo, mais especificamente com seus avanços tecnológicos em ICT, Bio-tecnologia, energia renovável, transporte e outras áreas que podem servir para facilitar nosso caminho em direção ao desenvolvimento e prosperidade compartilhada”.
China pode se aproximar ainda mais da África
A presença chinesa no continente africano cresceu muito nos últimos anos. Apesar da China ter foco econômico em países da Ásia e Leste Europeu para a realização do “One Belt, One Road”, a nova rota da seda, a África tem sido parte importante das relações internacionais de Beijing. Um exemplo está na presença ostensiva de empresas estatais chinesas no continente negro, além da parceria com órgãos multilaterais africanos. Não à toa, a África do Sul, ainda uma liderança política do continente, mantém relações próximas com os chineses através do BRICS, além de ser a maior parceira comercial entre China e África. A sede da União Africana em Addis Ababa, na Etiópia, foi construída com dinheiro do governo chinês, por exemplo. À época, o maior prédio do país, ao custo de 200 milhões de dólares.
A intenção protecionista e nacionalista anunciada por Donald Trump pode gerar mais oportunidades de negócio para a China no continente, além do estreitamento de laços sino-africanos. No governo de Barack Obama, as cifras foram muito diferentes da retórica. Enquanto os Estados Unidos faziam política falando de investimento na África, a China ultrapassava os americanos nas relações econômicas.
Ambos os países, vale lembrar, disputam presença na África desde os idos da Guerra Fria, quando dividiam influência com a União Soviética financiando diferentes facções políticas em guerras de independência e subsequentes conflitos políticos no segundo maior continente do mundo. Agora, o posicionamento chinês segue em tom politicamente amistoso, porém com fortes interesses econômicos.
Para efeitos de comparação, o Alma Preta realizou um levantamento que aponta que as relações comerciais de mercadorias entre África e China mantém uma relação mais próspera do que com os EUA. O que aponta que o continente tem certa independência econômica em relação aos americanos, graças à insaciabilidade da China, principalmente em relação a minérios e petróleo. No caso do petróleo, em 2013, a África tornou-se a maior exportadora do produto para os chineses, representando 23% das importações de petróleo do país.
Entre 2008 e 2016, as importações de mercadorias entre Estados Unidos e África caíram cerca de 76%, segundo os dados do United States Census Bureau. A queda nas relações comerciais é menor quando se considera o volume do total, diminuindo para 65%. A diminuição pode ser explicada pela destruição industrial causada pela crise de 2008 e pela queda no preço do petróleo, principal produto importado do continente pelos Estados Unidos.
Desde 2009, a China ultrapassou os Estados Unidos como maior parceiro comercial da África e desde então a distância só aumenta. Em 2013, os Estados Unidos somaram cerca de 85 bilhões de dólares em comércio com os africanos, enquanto os Chineses mais que dobraram essa cifra, com 210 bilhões de dólares.
No entanto, o principal motivo para essa parceria pujante entre os orientais e os africanos, é a força da indústria chinesa. Trump, por sua vez, promete uma reindustrialização de seu país, o que demandará recursos que poderão vir da África, reativando os laços econômicos entre os dois. A China pode sair na frente devido aos anos de amizade e ao belicismo americano, que aparentemente não interessa aos africanos, e interferiu em diversos países do continente nos últimos anos, como a Etiópia, a Somália, a Líbia, o Egito e a Nigéria.
Em 2014, os chineses anunciaram um plano de atingir a marca de 400 bilhões de dólares nas relações comerciais sino-africanas até 2020. Uma ideia que pretende levar em troca acordos para implementação de infraestrutura no continente, como rodovias, ferrovias, telecomunicações e energia elétrica, que beneficiaria as empresas chinesas. O governo comunista também pretende transferir algumas de suas linhas de produção para a África em breve, como o têxtil. Além do interesse de matéria-prima, força de trabalho e petróleo, as importações da África mostram um variado espectro de produtos manufaturados vindos da China, que se apresenta diante do enorme potencial do mercado africano. Além de oferecer infra-estrutura, a China enxerga na África um grande mercado consumidor.
O relatório reportado pelo New York Times cita uma preocupação do governo norte-americano com presença da China na África, e aponta certo ceticismo em relação a investimentos realizados no continente que estejam ligados com atividades econômicas, como a ajuda humanitária e gastos militares.
Por outro lado, o histórico dos últimos presidentes não mostra variação na atitude em relação aos pontos relativizados. George W. Bush, além de começar a Guerra ao Terror, teve um governo entusiasta em relação aos investimentos humanitários na África. Além de criar acordos de incentivo comercial como o African Growth and Opportunity Act (AGOA), que segundo fonte do New York Times gerou 120.000 empregos nos Estados Unidos, Bush investiu bilhões no programa de combate à AIDS no continente, o Programa de Emergência para o Alívio da Aids” (PepFar).
Barack Obama manteve os acordos e investimentos, mas com o desastre na economia em 2008, perdeu volume comercial no continente. Com a competição da China, mesmo a continuidade de ações de Obama, como acordos comerciais novos nos moldes do Trade Africa, a renovação do AGOA e a meta de aumentar em 40% as relações comerciais com países da região leste da África (http://thehill.com/blogs/pundits-blog/international/214270-american-and-chinese-trade-with-africa-rhetoric-vs-reality), como a Nigéria, não parecem facilitar a possibilidade dos Estados Unidos superarem a China nas relações comerciais com os países africanos.
Problemas com imigrantes
O número de imigrantes africanos em direção aos Estados Unidos não é uma preocupação para o país, porém a posição dos americanos em relação a políticas de imigração é influenciadora das relações criadas na Europa. Apenas entre 2014 e 2015, a imigração ilegal em direção à Europa aumentou 155%. (http://brasil.elpais.com/brasil/2015/04/18/internacional/1429312153_199778.html). Dos 57.300 imigrantes ilegais computados em 2015, cerca de 11.000 vieram são africanos.
Trump já anunciou, cumprindo com sua campanha, que cortará o número de refugiados recebidos em seu país pela metade. Além disso, um muro poderá dividir o país do México e as cidades que hoje protegem imigrantes ilegais, como Nova York, podem passar por turbulências políticas na relação com o governo federal.
Essas medidas podem passar uma mensagem de endurecimento das políticas europeias. Algo que os próprios europeus já vinham praticando pode se tornar mais aceitável, afinal, a eleição de um presidente abertamente nacionalista nos Estados Unidos fortaleceu o discurso europeu na mesma direção. Com a saída dos britânicos da União Europeia, a ascensão continuada da Frente Nacional na França e de grupos similares em outros países da zona do euro, criou-se uma zona de instabilidade que pode gerar preocupações aos africanos.
Nos últimos anos, apesar do crescimento da imigração, havia uma ligeira tendência política para a diminuição dessas barreiras, algo que apesar das polêmicas, era sustentado pela liderança regional da Alemanha em relação aos refugiados. Com o reerguimento do nacionalismo dentro dos países europeus, a xenofobia e o racismo podem erguer-se contra os africanos que procuram asilo nos países europeus, e refletir uma forma de fazer política no protecionismo, visto que a Europa é uma importante parceira comercial dos países africanos.
Presença militar dos Estados Unidos e combate ao terrorismo
Uma das bases dos discursos de campanha de Donald Trump é o combate ao terrorismo com força total. Para isso e também para fazer frente a outras potências militares, Trump assinou um acordo para melhorar e ampliar a capacidade militar de seu país.
A presença militar dos Estados Unidos na África é garantida pela ameaça que os americanos lá enxergam devido à presença de grupos terroristas. A postura desde a presidência de Obama, que além de negro tinha parentes quenianos, tem sido de ampliar ataques e vigilância no continente africano com bases militares e constantes vôos de seus já conhecidos Drones.
Em 2014, o jornal americano Washington Post publicou um mapa mostrando que há presença militar dos Estados Unidos em pelo menos 13 países africanos: Mali, Burkina Faso, Níger, Nigeria, República Central Africana, Congo, Sudão do Sul, Uganda, Quênia, Etiópia, Dijibouti e Somália. Segundo o jornal, a presença está apontada para o combate ao terrorismo de grupos como a Al-Qaeda e o Boko Haram, mas também para espionagem da CIA. As informações dão conta de que os países com maior presença são o Djibouti e a Etiópia, com bases de lançamento de Drones e também milhares de tropas posicionadas. As bases são parte do Comando dos Estados Unidos na África, o AFRICOM (http://www.africom.mil/) e dificilmente serão removidas durante o governo de Trump.
A rede Al Jazzeera, aponta que há pelo menos seis bases de lançamento de Drones no continente, apesar de apenas uma base militar permanente, a do Dijibouti, com 4.000 militares. Essas bases mantém constante vigilância e protagonizam operações militares no Norte africano.
O provável aumento da capacidade militar africana em face de tensões com Rússia e China, e a continuação da sangrenta Guerra ao Terror, deve manter a África sob operações militares americanas durante a presença de Trump na Casa Branca.
Ainda segundo o Washington Post, a base americana no Dijibouti, o Camp Lemonnier, é a única do tipo que serve a interesses exclusivamente anti-terroristas. A base está posicionada em um local estratégico no “Chifre da África”, e serve para que os americanos continuem sua guerra contra o Yemen e outros alvos do Oriente Médio, além da presença no Oeste e Norte africanos.