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Por que você não ficou sabendo sobre a Copa Africana de Nações?

10 de fevereiro de 2017

Texto: Pedro Borges / Edição de Imagem: Vinicius Martins

Torneio é preterido pelas emissoras de TV em relação às competições europeias e até a Copa São Paulo de Futebol Jr., afirma jornalista

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No dia 5 de fevereiro, duas das seleções mais tradicionais do continente africano, o Egito, com sete conquistas da Copa Africana de Nações, e Camarões, com cinco canecos, fizeram uma excitante final de campeonato.

Os egípcios, mais experientes e favoritos, até saíram na frente no primeiro tempo com gol de Elneny. A partida mudou na segunda etapa, os camaroneses marcaram duas vezes (N’Koulou e Aboubakar) e saírem de campo como os campeões do torneio.

Apesar da decisão envolvente e da participação de craques internacionais como Pierre-Emerick Aubameyang, gabonês e atacante do Borussia Dortmund, e o egípcio Mohamed Salah, jogador da Roma, fica a pergunta: por que a Copa Africana de Nações não foi noticiada ou transmitida pelos veículos de comunicação?

A disputa conteve todos os ingredientes de qualquer grande competição. Teve um craque do torneio, o camaronês Christian Bassogog. Teve uma zebra, a seleção de Burkina Faso e a conquista da 3° colocação, depois de vencer a tradicional equipe de Gana. E também tiveram as decepções, como a queda da Argélia, sensação da última Copa do Mundo, e a eliminação precoce do Gabão, país sede que contava com a estrela Aubameyang. 

Mais do que isso, o torneio teve uma infraestrutura de qualidade. O Gabão sediou a Copa Africana de Nações em 2012 e os investimentos do passado, frutos de uma investida chinesa no continente, não foram perdidos.

O Alma Preta decidiu investigar qual o motivo de pouco se noticiar um torneio com tantas características de excelência. Nossa reportagem entrou em contato com o Thiago Correia, do Lance! e responsável pela cobertura internacional do site, André Zorzi, jornalista do portal Por Dentro da África, e Felizardo Costa, escritor angolano e doutor em psicologia social pela Unesp de Assis.

O primeiro motivo: o esporte

Um dos fatores para a não divulgação de notícias sobre a CAN é a posição da África na divisão do futebol internacional. Para André Zorzi, a posição de destaque dessa geografia está na Europa. É lá onde estão os maiores investimentos esportivos, onde é feita a maior cobertura midiática e onde atuam principais jogadores do planeta, inclusive os africanos. “Quando vemos a convocação das equipes para uma CAN ou Copa América, por exemplo, a grande maioria dos bons jogadores atua em clubes europeus”.

André recorda como alguns jogadores deixam de jogar a CAN, por preferirem defender suas equipes na Europa. Além dos elevados salários, fora dos padrões mundiais, outros interesses motivam os atletas a tomar essa decisão. “Há inúmeros casos de jogadores que recusaram a convocação para a CAN porque ainda têm o sonho de defender uma seleção europeia a qual tenham nacionalidade, como Portugal ou França”. 

A não abundância de grandes jogadores é então agravada pela quantidade significativa de promessas do continente africano que se naturalizam europeus. A final da última Eurocopa, entre Portugal e França, foi um exemplo disso, de acordo com Thiago Correia. “Naquela decisão, estavam em campo cinco jogadores nascidos na África (fora os que não saíram do banco de reservas), inclusive o herói do título, o atacante Éder, nascido na Guiné-Bissau”.

Diferente do que está posto para a maior parte dos cidadãos africanos, naturalizar-se pelo esporte parece muito mais seguro do que ir à Europa pelo Mar Mediterrâneo em barcos cheios e com péssima infraestrutura. Somente no primeiro trimestre de 2015, cerca de 57.300 pessoas entraram de maneira ilegal na Europa e aproximadamente 3.200 pessoas morreram durante a viagem. Os dados são da Agência Europeia de Controle de Fronteiras Externas (Frontex).

Nunca foi só o esporte

Mesmo que o nível técnico do torneio não seja o mesmo da Eurocopa ou da Copa América, outros empecilhos são fundamentais para a não transmissão da Copa Africana de Nações.

Com os direitos de transmissão em mãos, o canal Sportv da Rede Globo e outras emissoras do sistema fechado decidiram não exibir os jogos e utilizar a compra como possibilidade de evitar que a concorrência veiculasse as partidas. É bom lembrar que em outros momentos, a CAN foi assistida em TV aberta, como em 1992, quando o canal Cultura transmitiu a final.

A escolha por não veicular o campeonato está relacionada ao fuso-horário do Gabão, país sede. Os jogos desta edição da CAN coincidem com as partidas dos campeonatos europeus ou mesmo da Copa São Paulo de Futebol Júnior, que mais agradam ao público brasileiro. “Na Copa Asiática, que possui jogos disputados ao longo da madrugada, como 3h e 5h da manhã, é mais fácil uma emissora conseguir ‘encaixar’ a competição, independente da baixa audiência”, recorda André Zorzi.

Time do Egito

Equipe do Egito

Thiago Correia recorda outro fator, pulsante nas redações, para explicar a não cobertura da CAN: a equipe reduzida de jornalistas. “Aqui no LANCE!, como certamente em outras mídias, simplesmente a falta de pessoal também contribuiu para que a CAN não tivesse a cobertura que merece, e como já conseguimos fazer no passado”.

Durante o torneio, não houve um acompanhamento da CAN por parte da mídia. As poucas notícias divulgadas sobre o torneio ainda reforçavam a condição subalterna da competição. Quando noticiada, costuma-se destacar o evento por conta do “desfalque dos clubes europeus”, ou por fatos curiosos, como “goleiro de 45 anos que ainda atua”, ou ainda a eliminação precoce de uma seleção tradicional.

Fontes facilitam ou dificultam

André Zorzi acredita que a falta de notícias sobre a copa não é exclusividade da imprensa brasileira. Para ele, a mídia no mundo tem dificuldade de cobrir os campeonatos africanos. “Horas após um jogo da Eurocopa, você já encontra em diversos lugares na internet os melhores momentos da partida em HD ou em boa qualidade. No caso da CAN, os vídeos acabam sendo de uma qualidade menor, e há uma dificuldade maior em encontrar o que está sendo dito, muitas vezes somente em francês ou árabe, línguas de acesso mais difícil”.

Outro aspecto que não pode ser desconsiderado é própria dificuldade do jornalismo local de acompanhar o torneio. “O jornalismo africano, no geral, ainda é incipiente em alguns pontos. Muitas vezes, acaba compensando ver a cobertura de um grande portal europeu, como a BBC, do que de veículos locais africanos”, explica André.

O jornalismo africano é posto pela Repórteres Sem Fronteiras entre as nações com menor liberdade de imprensa, o que dificulta o desenvolvimento da mídia regional. Entre as 180 nações avaliadas, o Sudão ocupa a 174° e o Gabão, país sede, a 100°. O Brasil, porém, nada pode se orgulhar com relação a isso. Segundo a ONG Press Emblem Campaign (PEC), o Brasil é o 4° país mais violento do mundo para a profissão de jornalista.

Dentro do continente, a cobertura também varia. Os países ao norte e da região árabe, como o próprio Egito, e os da seção oeste, como Gana e Camarões, oferecem aos interessados uma grande cobertura, diferente do que acontece com os países com menor tradição no esporte. Esse termômetro também oscila de acordo com o desempenho das nações. A sensação da Copa, Burkina Faso, ganhou maior atenção do que antes.

BurkinaFaso

Sensação do torneio, a equipe de Burkina Faso

A cultura e a forma

A maior ou menor cobertura de eventos esportivos depende da tradição e o do envolvimento da população local com a copa. Nesse quesito, Felizardo Costa salienta que há uma diferença cultural entre a América Latina, em especial o Brasil, e o continente africano: a popularidade do futebol. “O futebol é uma forma importante de entretenimento entre vários países africanos, mas ainda não ganhou o estatuto cultural que tem, por exemplo, no Brasil”.

Mesmo sem o mesmo envolvimento de países como Brasil e Argentina, André Zorzi enfatiza o formato da Copa Africana de Nações, responsável por alimentar o desejo pela competição. “Os times passam dois anos brigando por uma vaga no torneio, enquanto times como Brasil e Bolívia já têm vaga cativa no continental”.

A vontade de acompanhar e paixão pelo torneio são sentidas por André durante a cobertura feita pelo Por Dentro da África, quando os leitores sempre questionam e pedem uma maior cobertura da CAN. Não à toa, os textos divulgados sobre o assunto geram um alto número de acessos quando o tema é a competição.

É mais do que esporte, é política!

A pouca atenção do mundo para a Copa Africana de Nações segue o olhar dado ao continente em todos os aspectos, para além do esportivo. “Quando houve um atentado a um hotel na Costa do Marfim em março de 2016, e diversos meios de comunicação relataram: “Pelo menos 16 morreram, sendo que uma das vítimas era francesa”. E as outras? Não interessa da onde eram?”, recorda André.

No Brasil, o jornalismo também pode ser um termômetro das relações entre o país e o continente. Mesmo que durante o governo Lula e Dilma, Felizardo Costa aponte um estreitamento das relações, a regra ainda é uma cobertura e uma política que pouco ou nada extrapole a divulgação de epidemias, guerras, entre outros desastres.

Para ele a mídia cumpre com a função de evitar qualquer proximidade entre o Brasil e o continente. “O desejo de aproximação parece ser dificultado pelo acesso, ou falta de acesso à informação, uma espécie de sonegação de informação sobre os países africanos aos brasileiros e neste sentido, pode-se responsabilizar, pelo menos em parte (mas não somente) a mídia”.

Aubameyang

Principal nome do torneio, o craque gabonês Aubameyang

Seria responsabilidade dela não exaltar as posições muito mais estáveis no âmbito social da comunidade negra no continente. “Vale a pena destacar a situação dos negros que vivem em países africanos, a forte presença de mulheres e homens negros em programas de televisão, a produção de novelas com atrizes e atores negros ocupando papéis diversificados sem estarem apenas circunscritos a personagens subalternos, a liberdade de circulação e outros aspectos que contribuiriam para mostrar à população negra no Brasil que existem lugares onde os pretos não são relegados apenas a lugares subalternos”.

Mais do que pouco cobrir, a comunicação como um todo, ao fortalecer a associação entre os países africanos e a desestabilidade política, e não exaltar eventos esportivos e conquistas da comunidade africana, esquece que esses entraves não são exclusivos de África. “Os problemas políticos acontecem também na Europa, na Ásia e mesmo na América Latina. Não vamos esquecer que o Brasil vive uma crise política neste preciso momento”, afirma Felizardo.

Ele explica como essa desinformação fortalece a instabilidade do continente e as pressões políticas e econômicas históricas, maneiras do Ocidente se aproveitar de África. “A ironia é que essas multinacionais sempre dependeram e ainda dependem dos recursos naturais para garantir a continuidade e lucratividade de seus negócios. Deste modo, situações como guerras, epidemias, falta de transparência dos governos, corrupção de membros de alto escalão, entre outras, acabam servindo aos interesses dessas elites capitalistas, criando um clima em que mesmo que a população local sofra (ou talvez por isso mesmo) essas empresas continuam ganhando lucros fabulosos”.

Que a próxima Copa Africana de Nações, marcada para 2019 em Camarões, tenha maior cobertura da mídia brasileira e mundial. Que a mídia, em especial a independente e negra, colabore por uma África forte nos âmbitos econômico, político, cultural, esportivo e social.

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