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Entregadores de aplicativo convocam paralisação e vão às ruas nesta quarta-feira

30 de junho de 2020

Protestos por melhorias nos direitos trabalhistas devem ocorrer em pelo menos dez estados; ao Alma Preta, trabalhadores falam sobre a precariedade do emprego e as reivindicações da categoria

Texto: Edda Ribeiro | Edição: Nataly Simões | Imagem: Guimel Salgado

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Entregadores de aplicativo de todo o país convocam, de forma autônoma, uma paralisação nas atividades para esta quarta-feira (1) por melhores condições de trabalho. Manifestações estão marcadas para ocorrer nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Espírito Santo, Distrito Federal, Rio Grande do Sul, Bahia, Piauí, Pernambuco e Paraná.

Segundo a Pesquisa do Perfil dos Entregadores Ciclistas de Aplicativo, elaborada pela Aliança Bike, a média salarial da categoria é de R$ 963 por mês e pelo menos 14h de trabalho por dia. Do total, 71% dos trabalhadores são negros.

Entre as principais reivindicações dos trabalhadores está o direito à alimentação. Em apoio, trabalhadores da Argentina e de outros países da América Latina também devem parar as entregas no primeiro dia de julho. “As empresas de aplicativos cada vez mais precarizam a mão de obra. Isso chegou em um ponto que não aguentamos mais. É um sofrimento em comum”, afirma Alessandro Sorriso, presidente da Associação dos Motoboys Autônomos e Entregadores do DF, um dos puxadores da greve nacional.

Na lista de reivindicações, está o fim dos bloqueios feitos pelos aplicativos e que inviabilizam pedidos para os entregadores. “Diariamente sofremos bloqueios das plataformas. Entramos com ação coletiva e felizmente conseguimos voltar a trabalhar”, explica Sorriso. O aumento de taxas de pagamento e auxílio doença e acidente de trabalho, além de Equipamento de Proteção Individual (EPI) durante a pandemia da Covid-19, também estão entre as demandas.

Na capital do país, Brasília, os articuladores do ato aguardam pelo menos 1 mil entregadores. O protesto será em frente ao Tribunal de Justiça. Além do Distrito Federal, nos outros nove estados lideranças do Movimento dos Entregadores Antifascistas pretendem fortalecer a paralisação.

“Os entregadores são políticos de rua, acreditamos que a classe trabalhadora inteira precisa de apoderar”, diz Paulo Lima, conhecido como Galo, uma das lideranças. Rodando por São Paulo com outros entregadores desde 2009, a maioria de bairros da periferia, Galo considera hipócrita quem se posiciona contra a greve e o ato dos trabalhadores. “Já estamos nas ruas todos os dias. Podemos sair todos os dias aglomerados para entregar a comida deles, mas não podemos sair para lutar por nossos direitos?”, questiona.

Galo foi um dos entregadores que recebeu bloqueios dos aplicativos após participar de manifestações na capital paulista. “Deixam a gente bloqueado por uma semana, um mês. Eles sabem onde estamos, veem a gente no mapa”, conta.

“Com a pandemia, os aplicativos passaram a ganhar mais dinheiro, enquanto os entregadores ganham de menos. Nosso trabalho tem uma tecnologia do século 21I, mas com direitos do século 18”, ressaltou, durante uma live no YouTube, a entregadora Pammela Silva, de Pernambuco.

Precarização na pandemia

Em razão da precarização das condições de trabalho dos entregadores aprofundada pela pandemia da Covid-19, Galo lançou um abaixo assinado por melhorias para a categoria. A ação, que conta com mais de 360 mil assinaturas até o momento, exige que os aplicativos de entrega distribuam alimentação, álcool em gel, máscaras de proteção e luvas para os entregadores.

“Somos um movimento descolado da greve. A greve luta pelo aumento da taxa mínima e o fim dos bloqueios injustos. Nós vamos além, temos um posicionamento político, somos de esquerda. Temos um sofrimento comum, e é isso que nos une”, ressalta Galo e completa: “No fascismo, só um faz política. Se manipula as pessoas em favor de um pequeno grupo. Ser antifascista é estar atrelado a luta racial, contra homofobia, machismo e outras lutas de quaisquer natureza”.

Ao lado de Paulo Lima, Tiago Bonini, é um dos milhões de entregadores de aplicativo do país. Ele dá rosto a uma realidade trabalhista exaustiva dos que carregam comida nas costas e fazem entregas sete dias por semana. Desde 2019, o morador do Jardim Apurá, na Pedreira (SP), pedala cerca de 25 km entre sua casa e o local de trabalho: a Avenida Paulista. “Me programava para começar no almoço e ficar até o final da janta. Ficava das 10h às 22h, mas quando aperta o dinheiro e a data de pagar o aluguel se aproxima, já cheguei estender até 1h da manhã”, relata.

Antes da pandemia, Bonini garantia uma média de R$ 200 a R$ 300 por semana, quando fazia muitas entregas pelas empresas UberEats, Ifood e Rappi.

As movimentações do Movimento de Entregadores Antifascistas, do qual Bonini faz parte, começaram durante o ato “Vidas Negras Importam”, em São Paulo, no dia 7 de junho. Galo, Bonini e outros entregadores se somaram às reivindicações. “Começamos na Paulista, participando das manifestações anti fascistas e pró democráticas. Somos apartidários, sem sindicato ou partidos. Na hora de conversar com os outros colegas entregadores, temos um problema de confusão sobre o termo ‘antifascista’ com a questão política. Dizem que não temos que misturar política. Mas tudo é político”, salienta Bonini.

Os entregadores se reúnem virtualmente por meio de um grupo no WhatsApp, com cerca de 30 lideranças de vários estados. Segundo Bonini, cada um com autonomia para opinar. “A comunicação acontece na rua, nas redes sociais, a gente conversa com vários. E daí quando querem entrar na luta, a gente pega o contato”, explica.

Presente em outros atos nas ruas e convocando colegas, Bonini vem sofrendo represálias das empresas. “Estou bloqueado permanente pela UberEats, e o Rappi e o Ifood não mandam pedidos. Estou tentando arrumar outros rendas, vendendo máscaras, trufas, porque não estou recebendo pedido. Vou para rua e não recebo nada. Isso é uma forma de reprimir”, compartilha Bonini. Segundo o trabalhador, nenhum dos aplicativos entraram em contato com o movimento desde o início da organização.

O que as empresas dizem?

O Alma Preta questionou a UberEats, Ifood e Rappi sobre os bloqueios dos entregadores nos aplicativos e sobre o posicionamento das empresas diante das reivindicações da categoria.

A Uber, responsável pelo aplicativo UberEats, informou em nota que todos os ganhos da empresa “estão disponibilizados de forma transparente para os entregadores parceiros, no próprio aplicativo, ficando clara cada taxa e valor correspondente. Os valores pagos pelo consumidor para cada entrega são determinados por uma série de fatores, como a hora do pedido e distância a ser percorrida”.

A empresa também afirmou que “o sistema de avaliações dos parceiros, feitos pelos usuários, é a maneira mais prática e eficaz de mensurar a qualidade do serviço que está sendo prestado. Parceiros com sucessivas avaliações negativas podem, inclusive, ter as contas desativadas da plataforma. Parceiros que descumprem os Termos de Uso da plataforma (por exemplo, com seguidos cancelamentos injustificados, denúncias de extravio de pedidos ou tentativas de fraude) também estão sujeitos à desativação”.

Ainda segundo a Uber, no site da empresa é possível “conferir as ações da empresa frente à Covid-19, como assistência financeira para motoristas e entregadores e o reembolso de álcool em gel e produtos de limpeza”.

A Ifood, por sua vez, informou que “apoia a liberdade de expressão em todos as suas formas. Em nenhuma hipótese entregadores são desativados por participar de movimentos. Essa medida é tomada somente quando há um descumprimento dos Termos & Condições para utilização da plataforma e é válida tanto para entregadores, como para consumidores e restaurantes. É importante frisar que desativar indevidamente um entregador é ruim para o iFood. Os principais casos de desativação acontecem quando a empresa recebe denúncias e tem evidências do descumprimento dos termos e condições que pode incluir, por exemplo, extravio de pedidos, fraudes de pagamento ou, ainda, cessão da conta para terceiros. Em casos identificados, o entregador recebe uma mensagem via aplicativo e é direcionado para um chat específico para entender o motivo da desativação e pedir análise do caso. A empresa também não adota nenhuma medida que possa prejudicar aqueles que rejeitam pedidos. Ao rejeitar muitos pedidos, o sistema entende que o entregador não está disponível naquele momento e pausa o aplicativo, voltando a enviar pedidos, em média, 15  minutos depois.”

 O comunicado enviado pela empresa acrescenta o seguinte: iFood também não possui um sistema de ranking e nem de pontuação. O algoritmo de alocação de pedidos leva em consideração fatores como por exemplo, a disponibilidade e localização do entregador e distância entre restaurante e consumidor. A empresa esclarece que o valor médio das rotas  é de R$ 8,46. Esse valor é calculado usando fatores como a distância percorrida entre o restaurante e o cliente, uma taxa pela coleta do pedido no restaurante e uma taxa pela entrega ao cliente, além de variações referentes a cidade, dia da semana e veículo utilizado para a entrega. Todos os entregadores ficam sabendo do valor da rota antes de aceitar ou declinar a entrega. Todas as rotas tem um valor mínimo de R$5,00 por pedido, mesmo que seja para curta distância.
 
Em maio, o valor médio por hora dos entregadores foi de R$ 21,80. Para fins de comparação apenas, esse valor é 4,6 vezes maior do que o valor por hora tendo como base o salário mínimo vigente no país. Esses entregadores foram responsáveis por 74% dos pedidos. Pelos dados do iFood, os ganhos médios mensais do grupo que têm a atividade de entregas como fonte principal de renda (37% do total) aumentaram 70% em maio quando comparados a fevereiro.
 
Quanto a seguros, desde o fim de 2019, o iFood oferece a todos os entregadores cadastrados em sua plataforma o Seguro de Acidente Pessoal. A iniciativa é operacionalizada pela MetLife e pela MDS. Com ela, estão cobertas despesas médicas e odontológicas, bem como indenização em caso de invalidez temporária ou permanente ou óbito decorrente do acidente. O seguro não representa nenhum tipo de custo para os parceiros. O benefício é válido durante o período no qual eles estão logados na plataforma da empresa e também no “retorno para casa” – válido por uma hora e até 30 km do local da última entrega realizada de moto, ou por duas horas e até 30 Km do local da última entrega para quem realiza entregas com bicicletas, patinetes ou a pé. O iFood possui ainda parceria com a Prefeitura Municipal de São Paulo para promover boas práticas de conduta no trânsito.
 
Sobre medidas de enfrentamento do Covid-19, desde o início da pandemia, em março, foram implementadas medidas protetivas que incluem fundos de auxílio financeiro para quem apresentar sintomas e para aqueles que fazem parte dos grupos de risco. Também foi disponibilizado gratuitamente até o final do ano um plano de benefícios em serviço de saúde. Até o momento, foram destinados mais de R$ 25 milhões a essas iniciativas. Em abril, a empresa iniciou a distribuição de EPIs (álcool em gel e máscaras reutilizáveis) em kits com duração de pelo menos um mês. O iFood desenvolveu uma logística específica para retirada desses materiais, para evitar aglomerações. O entregador recebe um convite no aplicativo, como se fosse um pedido, e o deslocamento é pago até o ponto de retirada.
 
A empresa já comunicou todos os entregadores ativos sobre a retirada e está focada grande parte dos seus esforços para atingir toda a base de entregadores nas cidades em que operamos. Também continuamos avaliando alternativas para atingir mais pessoas de forma segura e controlada, considerando a distribuição mensal para que todos tenham materiais sempre. De acordo com pesquisa do Instituto Locomotiva realizada em abril, as medidas adotadas pelo iFood tiveram nota média de 8,9, melhor avaliação entre as ações realizadas por empresas do setor que operam no Brasil. Oito em cada dez entregadores avaliam muito positivamente as iniciativas. A pesquisa mostra ainda que, mesmo após o fim da crise, 92% dos entregadores pretendem continuar na atividade de entregas por aplicativo”.

Por fim, a Rappi informou que  “reconhece o direito à livre manifestação pacífica e busca continuamente o diálogo com os entregadores parceiros de forma a melhorar a experiência oferecida a eles. Antes da pandemia, eram realizados focus groups presenciais – cancelados naturalmente por ora – e, em virtude do momento, aumentamos nosso time de atendimento, com priorização do contato com o entregador, oferecendo suporte 24×7 por meio do aplicativo. Além disso, a empresa já oferece, desde o ano passado, seguro para acidente pessoal, invalidez permanente e morte acidental. Com ele, queremos garantir, dentro das coberturas e limites fixados, o pagamento de indenização a todos os entregadores parceiros, em caso de acidente durante a prestação de serviço por meio da plataforma. Para despesas médicas hospitalares e odontológicas, o seguro reembolsa até R$30 mil. Em caso de invalidez permanente total ou parcial por acidente, bem como em morte acidental, a cobertura é de R$100 mil. O seguro vale para todos os entregadores parceiros e qualquer tipo de veículo, incluindo motos e bicicletas.”

A nota enviada pela Rappi acrescenta o seguinte: “A empresa oferece ainda parcerias que possibilitam desconto na troca de óleo, na compra de rastreador de veículos e em estacionamentos de bicicletas próximo a estações de metrô; e inaugurou Rappi Points (bases físicas para descanso, que estão fechadas devido à pandemia). Novos benefícios devem ser adicionados e comunicados em breve. Fruto dessa comunicação constante, a Rappi também criou um mapa de demanda para ajudar os entregadores parceiros a identificar as regiões com maior número de pedidos de forma a orientá-los sobre os locais com melhores oportunidades. O frete varia de acordo com o clima, dia da semana, horário, zona da entrega, distância percorrida e complexidade do pedido. Dados da empresa mostram que cerca de 75% deles ganha mais de R$ 18 por hora, quando ativos em entregas, e quase metade dos entregadores parceiros passam menos de 1 hora por dia conectados no app. Ainda, a Rappi possibilita que os clientes deem gorjeta aos entregadores por meio do aplicativo de forma segura. Entre fevereiro e junho, a empresa identificou um aumento de 238% no valor médio das gorjetas e de 50% no percentual de pedidos com gorjeta. Todo valor pago no aplicativo a título de gorjeta é integralmente repassado ao entregador.

Ainda, estamos sempre procurando maneiras para melhorar os nossos serviços, enquanto reconhecemos os entregadores parceiros com melhor nível de serviço. Pensando nisso, criamos o programa de pontos para que os entregadores parceiros com um maior número de pontos possam ter preferência para receber pedidos, criando mais oportunidades para eles e uma melhor experiência para nossos clientes. O objetivo é operar com transparência e equilibrar o ecossistema, considerando demanda e entregadores logados, e possibilitando geração de renda diante de um cenário de aceleração do desemprego. Além disso, – tendo em vista o momento que estamos atravessando – desenvolvemos e colocamos em prática diversos protocolos visando a segurança dos entregadores parceiros. Entre eles estão:

– Desenvolvemos e colocamos em prática a entrega sem contato – em que os entregadores deixam o pedido na porta do cliente e se afastam, para evitar a proximidade -, e estamos incentivando o pagamento via app, para evitar o contato com cédulas de dinheiro (já não operávamos com máquinas de cartão);

– Compramos álcool em gel e máscaras para entregadores parceiros, e estamos intensivamente distribuindo, assim como os orientando quanto aos procedimentos de uso – via pushes no aplicativo, blog e canal no YouTube voltados exclusivamente à eles. Semanalmente, disponibilizamos máscaras e álcool em gel e seguimos repondo esses itens;

– Reforçamos as medidas de segurança em nossas Dark Kitchens, onde desenhamos faixas de distanciamento – para que os entregadores parceiros aguardem em segurança os pedidos – e estamos fazendo a desinfecção e sanitização de carros, motos, bikes e bags, com produtos recomendados pela ANVISA;

– Disponibilizamos no aplicativo do entregador parceiro um botão específico para que ele notifique a Rappi caso apresente sintomas compatíveis com Covid-19 ou confirme o diagnóstico, para que deixe de prestar serviços no aplicativo e seja imediatamente orientado;

– Criamos um fundo que apoiará financeiramente os entregadores parceiros com sintomas ou confirmação da COVID-19 pelo período de 15 dias em que eles precisarão cumprir a quarentena. No Brasil, o fundo está sendo gerido pela Cruz Vermelha Brasileira;

– Estamos realizando uma forte campanha de educação, autocuidado e prevenção, comunicando massivamente e diariamente todo o ecossistema – entregadores parceiros, usuários e estabelecimentos – para que sigam as orientações de segurança das autoridades antes, durante e depois da entrega;

Reiteramos, ainda, que os entregadores parceiros têm total liberdade para se conectar ao nosso aplicativo sem restrições de tempo e sem exclusividade, e que não são bloqueados em decorrência de participação em manifestações no exercício de seus direitos. Os bloqueios na plataforma são restritos ao não cumprimento dos Termos e Condições e podem ser revistos por meio do aplicativo do entregador – abrindo um ticket dentro do seu app na seção Centro de Ajuda / Suporte / Minha Conta / Estou Desativado. A Rappi segue sempre atenta a melhorias operacionais para todo o ecossistema e às recomendações das autoridades competentes para melhor apoiar a todos.”

* Texto atualizado às 15h09 de 30 de junho de 2020 para inclusão da resposta da empresa UberEats.

* Texto atualizado às 19h50 de 30 de junho de 2020 para inclusão da resposta das empresas Ifood e Rappi.

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