Realizado no Parque da Água Branca, em São Paulo, debate composto com grandes nomes do movimento negro pautou genocídio e intervenção militar
Texto / Anna Laura Moura
Imagem / Anna Laura Moura
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A vereadora Marielle Franco (PSOL) foi brutalmente assassinada com nove tiros, sendo quatro na cabeça, há exatamente 54 dias, no Rio de Janeiro. Estava junto com ela o motorista Anderson Gomes, que também morreu no ocorrido. Apesar do tempo, os agentes responsáveis pela investigação da tragédia não descobriram até então quem foram os executores e mandantes da execução de Marielle.
A fim de protestar contra o descaso das autoridades, o genocídio do povo negro e a intervenção militar, grupos, coletivos de esquerda e do movimento negro criaram uma campanha com a hashtag #30DiasPorMarielle, que tem como objetivo realizar atividades unificadas relacionadas ao tema.
Foi baseado nessa ideia que a “III Feira Nacional da Reforma Agrária”, evento de culinária e cultura organizado pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) no Parque da Água Branca (SP), foi palco do “Seminário Justiça Por Marielle e Anderson – Contra a Intervenção Militar e o Genocídio Negro”.
Organizado pelos coletivos que constroem a campanha, o evento contou com participações de grandes nomes do movimento, sendo dividido em duas partes. A primeira mesa começou por volta das 11h, e a segunda, às 14h.
Imagem: Anna Laura Moura
Análise do cenário brasileiro
O primeiro debate contou com a presença de João Paulo Rodrigues (Movimento dos Trabalhadores Sem Terra – MST), Cida Bento (Centro de Estudos das Relações de Trabalho e Desigualdades – CEERT) e Katiara Oliveira (Grupo Kilombagem). O tema girou em torno de análises do cenário político, econômico, social e as relações raciais.
Katiara focou na questão das vidas e dos corpos negros. “Não há revolução se o povo negro não estiver vivo”, afirmou. A militante fez uma relação entre época escravagista com a atualidade. “Deve haver um porquê do nosso povo morrer tanto. Morre de tristeza, morre por não conhecer sua história e de todas as [outras] formas”, explica.
“A lógica de perseguir os negros não é só uma forma de evitar uma revolução, mas também algo lucrativo”. Para ela, o genocídio gera lucro, pois enquanto vagas de concurso para Polícia Militar aumentam, não há investimento nas escolas.
“Para falar de negritude eu preciso ter uma concepção de Estado em queas políticas públicas sejam eficazes”, disse Cida Bento, representante do CEERT. Cida tocou no ponto estudantil, inclusive sobre as grades escolares não focarem na criança negra. “Precisamos discutir sobre qual o motivo do colégio não ensinar história da África”, afirma.
A ativista também fez uma indagação: por que o negro é sempre tratado como objeto de medo e/ou violência? “Não é só política pública. Temos que acessar a educação, a saúde… São direitos que deveriam ser garantidos a todo cidadão. Por que o negro não tem?”
Imagem: Anna Laura Moura
Intervenção militar e genocídio negro
Compuseram a segunda mesa Rafaela Albergaria (Instituto de Estudos da Religião – ISER), Bia Sankofa (Coletivo de Esquerda Força Ativa), Luciana Araújo (Marcha das Mulheres Negras/SP) e Railda Alves (Associação AMPARAR). Além disso, estava presente Renata Souza, chefe de gabinete de Marielle Franco. O ponto a ser tocado era sobre as novas e velhas facetas da violência presente no Estado.
Railda, ao tratar do encarceramento, afirmou que os presídios se encontram em estado deplorável. “Tem comida estragada e racionada. Rato, barata… Eles vivem em situações tristes. Aí, quando acontecem as rebeliões, ninguém pensa nessas coisas que desumanizam, nem nas condições que levaram aqueles sujeitos encarcerados a reagir”, explica.
Além disso, para a palestrante, a indiferença da sociedade tem grande peso na problemática. “Esse descaso do sistema é jogado de forma cruel em cima daqueles homens e mulheres”. Railda afirma que a justiça brasileira é impiedosa para o negro, pobre e periférico. “Os presídios e a polícia não são treinados para corrigir e proteger a lei. São estruturados para moer gente negra, pobre e periférica”.
Durante sua fala, Renata Souza comoveu a todos. “Um ataque cardíaco, um infarto fulminante, e a depressão são [fatores que resultam em] a dor da alma de quem perdeu uma pessoa querida para a violência”.
Houve também discussão sobre a problematização da guerra às drogas. “Não vamos reproduzir esse discurso. A guerra não é contra as drogas, é contra os pobres. É disso que Marielle sempre falou. Essa guerra, que dizem existir no Rio de Janeiro, como se fosse um embate estilo Síria.” A militante afirmou que as grandes mídias estão usando a ideia da vereadora para deturpar o discurso e fomentar a ideologia da intervenção militar. “Quando falam isso, querem dizer que as pessoas mortas todos os dias são as baixas de guerra, então tudo bem morrer assim. Não está tudo bem. Não vamos repassar esse discurso elitista”, denuncia.
O discurso de Renata apontou para a trajetória de Marielle Franco, afirmando que após ter falecido, a vereadora foi também criminalizada, pois antes de ser uma política engajada, ela ainda era uma mulher negra da Maré. “Não consigo falar da Marielle do passado. Eu falo dela do presente”.
No fim do debate, dona Marinete Silva, mãe de Marielle, fez uma fala potente. “Precisamos cobrar isso, não só aqui, mas fora. Não tem explicação para isso, falo como mãe. Essa luta não deve ficar por aqui e não ficará”.