A amamentação é essencial para a saúde da mãe e do bebê, além de representar um momento íntimo e significativo. A jovem Rafaella Costa, de 23 anos, que mora no bairro Ponta Grossa, localizado na parte baixa de Maceió (AL), acabou de ter Pedro, de quase um mês de vida. Ela relata que o momento do aleitamento é o que a deixa ainda mais conectada com o seu bebê.
“A forma rápida como ele se acalma em apenas deitar no meu peito, e me agarra como se estivesse se sentindo em segurança. São momentos que, com certeza, vão ficar marcados na minha memória”, conta.
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
A mãe de primeira viagem conta que já não vai ao mercado da mesma maneira. Passou a escolher os alimentos a dedo, com cuidado, porque acredita que o que come pode ter influência direta no leite que chega ao pequeno. “É quando vejo que sou a única fonte de alimentação dele, e isso reforça em mim meu senso de responsabilidade, principalmente com meus hábitos alimentares”.
Para ela, a principal dificuldade em relação ao aleitamento são as poucas horas de sono durante o dia, já que o filho não fica acordado sem mamar. Rafaela diz que conta com o apoio de sua mãe e de sua madrinha, o que, segundo ela, fez com que Pedro pegasse o peito de primeira.
“Ainda vai completar um mês que o Pedro nasceu e nesse tempo eu praticamente não saí de casa, estou no início da licença-maternidade. Então, a minha rotina está totalmente apenas entre eu, ele, meu marido e minha família. Ainda não sei como vou ser recebida e acolhida pelo mundo externo como mãe que amamenta. Em casa, estou tendo total apoio”, diz.
Ela ressalta que a sua realidade não é a de todas. “Já soube de mulheres que não tiveram a licença maternidade ou tiveram esse direito de maneira desrespeitada. Mulheres que voltaram a trabalhar bem antes do prazo final da licença”.
Rafaella defende que nem todos os empregadores possuem sensibilidade de ajustar as demandas com a realidade daquela mulher que precisa amamentar o seu filho.
Benefício do aleitamento para mães e bebês
A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda o aleitamento materno exclusivo nos primeiros seis meses de vida como a melhor forma de nutrir os bebês. Após esse período, sugere introduzir alimentos complementares, mantendo o aleitamento até, pelo menos, os dois anos de idade.
O artigo “Por que investir e o que será necessário para melhorar as práticas de amamentação?”, do The Lancet, publicado em 2021 e disponível na seção biblioteca do site da Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, reforça a declaração de Rafaella. A publicação aponta que o trabalho materno é um dos motivos principais para não amamentar ou para o desmame precoce.
“Seu efeito é multidimensional e inclui fadiga, praticidade e intensidade. O número crescente de mulheres no mercado de trabalho chama a atenção para a importância dos intervalos durante o trabalho e em salas próprias no local de trabalho para amamentação e a provisão da licença maternidade”, destaca.
Ainda segundo o artigo, a melhora nas práticas de amamentação poderia ajudar a prevenir as mortes de 823 mil crianças menores de cinco anos, a cada ano, e também previne o câncer de mama em até 20 mil mulheres. Entre os benefícios também está a redução da morbidade, melhora no potencial escolar das crianças e na renda quando chegam à vida adulta.
“A amamentação melhora a sobrevivência, a saúde e o desenvolvimento de todas as crianças. Esta prática salva vidas de mulheres e contribui para o desenvolvimento do capital humano. Os benefícios atingem populações que vivem em países de alta, média e baixa renda”, diz a publicação.
Impacto do racismo no aleitamento materno
A doutora em Educação, doula e consultora em amamentação Carol Bentes ajuda a explicar como o racismo e as desigualdades sociais podem ter influência na experiência de amamentação de mães negras.
“Se a gente pensar na ideia da ama de leite, por exemplo, é uma figura que era uma mulher negra, geralmente escrava, que tinha os seus filhos arrancados de si para que ela pudesse realimentar os filhos da casa grande”, exemplifica.
A especialista argumenta que essas mulheres não têm como pagar alguém para ficar com os seus filhos e, por conta disso, precisam abandonar seus filhos para cuidar dos filhos das mulheres brancas. Segundo ela, o racismo impacta na forma como essa mãe irá poder ou não amamentar o filho.
Políticas públicas como garantia da amamentação
Para Carol Bentes, também é preciso que as mulheres negras tenham mais acesso a bancos de leite. “O banco de leite humano é uma política pública muito importante, como a Rede Cegonha também, para essas mulheres, porque amamentar não é uma coisa fácil. Amamentar não é uma coisa simples”, defende.
Ela também defende o direito à licença-maternidade estendida. No país, o período de descanso e cuidado ao recém-nascido, segundo a legislação brasileira, é de 120 dias.
Além disso, pontua para a necessidade de pensar em políticas públicas que amparem a população negra, a qual é a mais fragilizada, geralmente de classe média baixa, que depende do salário mínimo para sobreviver.
Carol Bentes aponta a importância de uma política de renda mínima para que a mulher negra também amamente o filho até seis meses de idade. “Para a mulher negra, é muito importante o empoderamento econômico, porque isso dá maior capacidade de liberdade de escolha”.
Combate a estereótipos
A amamentação é uma prática vista como natural e saudável, mas pode ser acompanhada por estereótipos e preconceitos, que podem variar dependendo de fatores culturais e sociais. No caso de mulheres negras, há estereótipos negativos que podem surgir, a exemplo da ideia de que elas têm menos capacidade de amamentar por enfrentar dificuldades oriundas de suas condições socioeconômicas.
Além disso, essas mulheres podem enfrentar outras barreiras, que vão desde imagem da ama de leite, retratadas em fotografias das elites nacionais na segunda metade do século XIX, que se perpetua até hoje, até a falta de representatividade em campanhas de incentivo a amamentação veiculadas na grande imprensa ou a romantização da prática em peças publicitárias.
Sobre o assunto, Bentes destaca ainda que a percepção de que a amamentação é uma experiência exclusivamente bela e fácil, representada por mulheres brancas, impede que muitas mães negras se identifiquem com as mensagens e busquem apoio para amamentar seus filhos.
A consultora defende a importância de promover a educação sobre a amamentação no pré-natal e de incluir mulheres negras em campanhas publicitárias. “É preciso mostrar a realidade da amamentação, com suas dificuldades e desafios e não apenas uma imagem idealizada”, analisa.
A profissional também chama a atenção para a necessidade de um olhar mais crítico por parte dos profissionais da saúde. “O racismo institucional ainda é uma barreira para muitas mulheres negras que buscam apoio para amamentar. É preciso que os médicos e enfermeiros estejam preparados para lidar com as especificidades de cada mulher e oferecer um atendimento humanizado e acolhedor.”
Este conteúdo faz parte de uma parceria com a Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal para a produção de reportagens sobre a primeira infância.