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58% da perda de vegetação nativa de quilombos ocorre nos 4 estados do Matopiba

Quilombos no Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia perderam 15.561 hectares de vegetação nativa entre 2018 e 2022, apontam dados do Mapbiomas
Imagem mostra mulheres negras posando para foto na estufa de hortaliças da Associação de Mulheres Quilombolas de Biritinga (BA).

Foto: Sergio Amaral

29 de dezembro de 2023

Os estados do Matopiba, região de expansão agrícola formada pelo Tocantins e partes do Maranhão, do Piauí e da Bahia, perderam 15.561 hectares de vegetação nativa em quilombos entre 2018 e 2022. Esse volume representou 58% dos 26.553 hectares perdidos em quilombos de todo o Brasil, aponta levantamento da Alma Preta Jornalismo com dados do Mapbiomas.

A análise abrange os 494 territórios com limites geográficos oficialmente reconhecidos. Os cálculos consideram tanto o efeito negativo dos desmatamentos quanto o positivo das recuperações naturais de vegetação. (Metodologia ao final do texto).

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Em termos comparativos, os quatro estados concentraram 23% da perda de vegetação nativa de todo o país neste período de cinco anos, quando houve recordes históricos de desmatamento.

Até 2022, esses quilombos perderam o equivalente a 0,8% da vegetação nativa disponível em 2018.

Já o Brasil como um todo perdeu 10.679.735,70 hectares de vegetação nativa entre 2018 e 2022, o que representou uma redução de 1,87% em relação à vegetação disponível em 2018. Ou seja, os quilombos conservam mais os biomas que outros territórios, mas a diferença já foi menor. 

Segundo estudo do Mapbiomas publicado em dezembro, os territórios quilombolas perderam aproximadamente 4,7% de sua vegetação nativa entre 1985 e 2022. Já as áreas privadas perderam 17% nos mesmos 37 anos. 

Nos quilombos de nove estados Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal, Espírito Santo, Paraíba, Sergipe, Pernambuco, Paraná e São Paulo observamos uma maior regeneração de vegetação nativa em relação ao desmatamento ao longo dos cinco anos analisados.

Atualmente, os quilombos representam 0,6% da vegetação nativa do Brasil.

Biomas

A dinâmica atual de desmatamento nos diferentes biomas se repete nesses territórios tradicionais. Por exemplo: a vegetação nativa nos quilombos está concentrada na Amazônia (73%), seguida do Cerrado (12%) e da Caatinga (10%). Mas a maior parte das perdas está no Cerrado e na Amazônia (que têm quilombos maiores e mais numerosos).

Isso ajuda a explicar a perda de 5.584 hectares de vegetação nativa o Kalunga, o maior quilombo do país, localizado na fronteira entre Goiás e Tocantins, em território do Cerrado. 

Apesar de apresentar a maior área desmatada em quilombos entre 2018 e 2022, ele foi o primeiro território reconhecido pela Organização das Nações Unidas (ONU) como “área conservada graças a povos tradicionais no Brasil” por preservar 80% do Cerrado após 300 anos de existência.

Na Amazônia, o destaque é o Amapá, que perdeu 4.664 hectares, a maioria deles em territórios no Macapá. Essa área equivale a 3,17% da vegetação nativa de seus quilombos em 2018.

Em Goiás, na Bahia, no Amapá e no Tocantins observa-se que a perda relativa de vegetação nativa foi maior nos quilombos do que em outras áreas dos estados.

Veja o que está acontecendo em cada um desses estados:

Maranhão

O Maranhão tem a segunda maior área de perda de vegetação nativa nos quilombos, atrás apenas do quilombo Kalunga, em Goiás. Além disso, também é a unidade federativa com o maior número de conflitos agrários que afetam quilombolas, segundo levantamento recente da Comissão Pastoral da Terra.

Foram registrados 626 casos de violência no estado por disputa de território entre 2013 e o primeiro semestre de 2023. A quantidade é três vezes maior do que na Bahia, com 206 casos, em segundo lugar na lista. Entre os tipos de violência praticados durante as disputas por terra estão assassinatos, agressões físicas e ameaças de morte. 

Célia Cristina da Silva Pinto, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq) do Maranhão, afirmou que os quilombos que mais sofrem com a devastação do território estão nas regiões do Vale do Parnaíba, Mata dos Cocais e do Médio Mearim, ou seja, na área do Matopiba. 

A perda de área natural, no entanto, foi pior fora dos quilombos. Observou-se 5,15% a menos de vegetação em relação à 2018 em todo o estado (mais de 1,1 milhão de hectares), enquanto nos territórios remanescentes a redução foi de 2,82%, o equivalente a 5.353,65 hectares.

Tocantins

O Tocantins é o principal estado do Matopiba e um dos que mais têm sofrido desmatamento nos últimos anos. E, nos quilombos do estado, a situação foi proporcionalmente pior entre 2018 e 2022. Enquanto o estado como um todo perdeu 3% de sua vegetação nativa, os quilombos tocantinenses perderam 4,68%.

Por isso, dois dos três territórios com maior perda absoluta no Brasil estão lá. Um deles é o Barra do Aroeira, a 80 quilômetros de Palmas. O território tem 62 mil hectares delimitados entre os municípios de Lagoa do Tocantins, Novo Acordo e Santa Tereza do Tocantins, também na região do Matopiba.

Entre 2018 e 2022, o quilombo perdeu 2,5 mil hectares de floresta transformada em área para a agropecuária, o que representou 5,4% da vegetação nativa. O quilombo, que está parcialmente titulado ainda, foi o mais desmatado do ano em 2019.

Isso porque seu processo de regularização é contestado por grandes fazendeiros locais, alguns deles políticos do estado, conforme levantamento do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

Entre eles está Leto Moura Leitão (PR), ex-vice-prefeito de Novo Acordo; e Antônio Jorge Godinho, que é do PRTB e foi deputado por dois mandatos entre os anos 1990 e início dos 2000. Ambos têm pelo menos 1,9 mil hectares em terras quilombolas cada um.

A segunda maior perda de vegetação em quilombo no Tocantins foi no Kalunga do Mimoso, localizado nos municípios de Arraias e Paranã – também no Matopiba. O território de 58 mil hectares perdeu 4,18% da vegetação nativa para agropecuária em cinco anos.

Até 1988, o Kalunga do Mimoso era parte de um quilombo maior, o quilombo Kalunga, em Goiás. O território, na área da Chapada dos Veadeiros, foi criado quando se funda o estado do Tocantins.

Piauí

Os quilombos do Piauí têm proporções de perda de vegetação muito menores do que os índices do restante do estado – ao contrário dos outros estados do Matopiba. Foram 2,10% de vegetação nativa perdida em todo o estado e 0,38% nas áreas de quilombos.

A maior ameaça ambiental é a Mineradora SRN Holding pretende extrair, ao ano, 300 mil toneladas de alumínio de ferro do solo do Quilombo Lagoas, o maior do Nordeste. São 62 mil hectares, distribuídos entre os municípios de São Raimundo Nonato, São Lourenço do Piauí, Dirceu Arcoverde, Fartura do Piauí, Bonfim do Piauí e Várzea Branca.

Entre 2018 e 2022, o território perdeu 541 hectares de formação natural, segundo os dados do Mapbiomas.

Bahia

Ferrovias e fontes de energia limpa têm ameaçado territórios quilombolas na Bahia, estado que tem a maior população quilombola do Brasil. São 397.059 pessoas, o equivalente a 29,9% do total.

Ao observar os dados do Mapbiomas, nota-se uma maior perda de vegetação nativa nos quilombos da região de Bom Jesus da Lapa, no oeste do Estado. O destaque vai para as comunidades Araçá, Cairacá, Patos, Pedras, Coxo, Retiro (Território Quilombola da Volta), que perderam quase 14% da vegetação nativa em cinco anos. Cerca de 1.400 hectares de floresta se transformaram em área para agropecuária.

Na mesma região, também é notável a perda nas comunidades de Parateca e Pau D’Arco, que foi de 1.507 hectares de 2018 a 2022. É um território de 41 mil hectares, onde vivem 1.809 pessoas e cerca de 420 famílias.

Outro exemplo, sem malha cartográfica, é o quilombo Barrinha, também em Bom Jesus da Lapa. Ele está sendo ameaçado pelo Complexo Fotovoltaico Bom Jesus da Lapa, um empreendimento de energia solar que seria instalado sem consulta à comunidade. 

Manoel Aílton Carvalho, membro do Conselho Estadual das Comunidades e Associações Quilombolas (CEAQ), afirmou à Alma Preta que empreendimentos de energia eólica estão invadindo quilombos no norte do estado, nos arredores do Parque Nacional do Boqueirão da Onça. O local fica às margens do rio São Francisco.  

“São várias comunidades quilombolas. Eu mesmo moro na diagonal do parque e aí a gente vê aquelas ‘paletas gigantes’ onde você só via mato e céu”, lamenta Manoel, que revelou ter sido ameaçado. 

“Eles dizem que vai ter compensação ambiental e não tem. Inclusive, eu fui ameaçado porque via eles mentindo dizendo que ia ter compensação. Qual compensação? Eles botam uma ou duas mudinhas, mas tiraram milhões de plantas. A forma como essas [usinas] eólicas estão sendo feitas é errada”, avalia.

A invisibilidade da maior parte dos quilombos

O Brasil tem cerca de 6 mil comunidades quilombolas, mas só 494 têm seus territórios delimitados, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Isso significa que somente estes têm malhas cartográficas públicas que permitem análises como as dessa reportagem.

Com isso, é mais difícil monitorar áreas de desmatamento e grilagem. O resultado é a invisibilização dessa população nas discussões de políticas públicas. Além disso, a falta de informações geográficas dificulta a intervenção política das entidades quilombolas. 

Outro problema é a falta de titulação. Na avaliação das lideranças da Conaq entrevistadas, os territórios titulados têm melhores condições de enfrentarem a grilagem e as invasões de terras. Mas, segundo dados mais atualizados da Comissão Pró-Índio de São Paulo, somente 171 territórios quilombolas estão totalmente titulados.

Um estudo da Terra de Direitos publicado em maio estimou que, no ritmo atual, o Brasil levará 2.188 anos para titular todos os quilombos com processos no Incra.

Metodologia

Esta reportagem utilizou dados disponibilizados pelo Mapbiomas a pedido da Alma Preta e entrevistas de líderes regionais da Conaq aos repórteres.

O coordenador técnico do Mapbiomas, Marcos Rosa, cruzou a base de quilombos do Censo 2022 com a base territorial do Mapbiomas. Assim foi possível obter informações dos 494 territórios quilombolas que têm limites oficialmente reconhecidos. No site, estavam disponíveis os dados de apenas 394 territórios.

O cálculo para a análise dos estados e das áreas quilombolas foi o seguinte:

. A área natural de 2022 foi subtraída da área natural de 2018 para encontrar os valores de perda de vegetação nativa. 

. Nessa conta, os valores de vegetação secundária (regeneração) compensam os valores de desmatamento. Por exemplo: se uma área de desmatamento foi de 100 hectares e de regeneração de vegetação nativa foi de 50 hectares no mesmo período, a perda será de 50 hectares.

. A partir desse valor de perdas ou ganhos entre 2018 e 2022, buscamos a relação percentual com a área Natural disponível em 2018.

* Participaram da análise dessa reportagem: Camila Rodrigues da Silva, Caroline Nunes, Dindara Ribeiro, Fernando Assunção, Nataly Simões e Pedro Borges (Alma Preta); Beatriz de Oliveira (Nós, Mulheres da Periferia) e Elisabeth Botelho (Periferia em Movimento).

Essa reportagem é resultado do Laboratório de Dados Climáticos, realizado pela Escola de Dados, programa educacional da Open Knowledge Brasil, com o apoio do The Centre for Investigative Journalism (CIJ).

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