Em 2022, a cada dez mulheres assassinadas por arma de fogo no Brasil, quase sete eram negras, segundo revela a pesquisa “O papel da arma de fogo na violência contra a mulher”, do Instituto Sou da Paz.
Só no ano passado, 1.878 mulheres foram assassinadas por arma de fogo, sendo que desse total 1.282 das vítimas eram mulheres negras (soma de pretas e pardas), o que equivale a 68,3% dos casos. Já entre as mulheres não negras, o percentual foi de 30,3%. Conforme critério estabelecido pelo levantamento, a categoria “mulheres não negras” agrega as variáveis branca, amarela e indígena.
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O resultado da pesquisa, divulgada nesta sexta-feira (8), Dia Internacional das Mulheres, apresenta dados da violência letal e não letal provocada pela arma de fogo com recorte de gênero. O levantamento foi feita com base nos dados do Sistema de Informação sobre Mortalidade (SIM) e do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), ambas do Ministério da Saúde. A publicação do relatório será realizada na próxima quarta-feira (13).
Um dos dados que chama atenção se refere à ausência da raça/cor em 1,4% dos casos em que as mulheres foram vítimas fatais da violência por arma de fogo. Ao analisar os dados de óbito, a coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, Cristina Neme, ressalta que não há informações sobre orientação sexual e identidade de gênero.
Dados da Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra) mostram que, em 2022, 131 pessoas trans foram assassinadas no Brasil, sendo que 130 eram mulheres trans e travestis, 76% eram negras e 41% foram mortas com arma de fogo.
“Esse perfil sinaliza para uma violência baseada em gênero (identidade de gênero feminina) e com viés racial, que ocorre sobretudo no espaço público e com emprego relevante de armas de fogo”, cita um trecho da pesquisa.
Em entrevista à Alma Preta Jornalismo, Cristina Neme pontua que o levantamento revela a importância de fortalecer o debate de gênero e raça nas políticas voltadas para o controle de armas no país.
“É fundamental colocar essa questão no sistema de saúde para que se retomem os processos de qualificação desses dados e diminuam a informação ignorada, seja em relação à classificação e à raça/cor, para que a gente tenha os indicadores que orientem as políticas públicas”, comenta.
Mulheres negras são mais vitimadas na rua
No ano passado, 27% das agressões com arma de fogo que resultaram em morte ocorreram dentro de casa, sendo que na maioria dos casos (43%) o crime foi cometido por pessoas que têm proximidade com a vítima, sejam parceiros, amigos, conhecidos ou familiares. A morte por pessoas desconhecidas representa o segundo maior percentual, com 40%.
Além disso, 41% dos assassinatos de mulheres por arma de fogo dentro da residência ocorreram com emprego de arma de fogo.
Ao analisar o local do crime, as mulheres negras são duas vezes mais vitimadas na rua e em outros locais do que dentro de casa, enquanto para as vítimas não negras as taxas de agressão armada dentro e fora de casa se aproximam.
De acordo com a coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz, um dos caminhos para ampliar a discussão é a retomada de uma política responsável de controle de armas e o fortalecimento e acompanhamento de medidas já vigentes, como a Lei 13.880/19, que prevê a apreensão de arma de fogo sob posse de agressor em casos de violência doméstica.
“A gente defende que seja feito um sistema que comece a produzir informações para impulsionar a aplicação desta lei”, completa.
Norte e Nordeste lideram taxas de homicídios
Nos últimos dez anos, de 2012 a 2022, 2,4 mil mulheres foram mortas a cada ano no Brasil por arma de fogo, ou seja, uma em cada duas mulheres assassinadas no país é vítima de arma de fogo.
No recorte por região do país, o Norte e Nordeste lideram as taxas de homicídios por grupo de 100 mil mulheres, superior à taxa nacional de 1,8 por 100 mil mulheres. Em contrapartida, a região Sudeste possui a menor taxa regional.
A pesquisa também aponta que o Nordeste apresenta a maior desigualdade racial na vitimização de mulheres por agressão com arma de fogo. Ao todo, a taxa de vítimas negras é 2,6 vezes maior do que a de não negras, seguida pela região Norte.
Apenas na região Sul se observa taxa de mortalidade por agressão armada maior no grupo de mulheres não negras.