Texto: João Victor Belline / Edição de Imagem: Pedro Borges
“O homem, quando vem ao mundo, não sabe para o que vem ou para onde vai. Graças ao esporte, eu fui longe. Escapei das drogas e da violência”. Muito mais do que escapar de um caminho, ele também deixou um rastro para que o Brasil tivesse outros nomes notáveis no salto triplo. Se Nelson Prudência foi prata e bronze, se João Carlos Oliveira, o João do Pulo, foi duas vezes bronze, se Jadel Gregório detém o recorde brasileiro de 17,9 metros, muito se deve ao homem que achou a palavra atleta bonita e resolveu que seria um: Adhemar Ferreira da Silva.
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No dia 29 de setembro de 1927, a cozinheira Augusta Nóbrega da Silva e o ferroviário Antônio Ferreira da Silva trouxeram ao mundo o seu primeiro e único filho. No bairro da Casa Verde, em São Paulo, Adhemar cresceu e se transformou um menino magro e de pernas longas. Como podia, ajudava a família nas contas da casa, já que o dinheiro nunca foi muito. Seus primeiros contatos com a prática esportiva foram com o futebol. No Grêmio Esportivo Centenário, ele atuava como meio-campista no futebol de várzea em seu bairro. Mesmo estudando e trabalhando, Adhemar também via o esporte como algo essencial para a sua vida.
Em 1947, logo na primeira vez em que pisou numa pista de atletismo, Adhemar se entusiasmou com o salto triplo e começou a se dedicar à modalidade. Vestindo a camisa do São Paulo Futebol Clube, ele conseguia treinar apenas no horário de almoço e duas ou três vezes por semana. A prioridade, afinal, eram os estudos e o serviço. Logo em sua primeira competição, o Troféu Brasil daquele mesmo ano, o atleta saltou 13,05 metros e conquistou o primeiro lugar. A evolução em tempo tão curto fez com que o técnico Dietrich Gerner já falasse em carreira internacional.
No ano seguinte, 1948, aconteceriam os Jogos Olímpicos em Londres, Inglaterra. Apesar do pouco tempo de prática esportiva, Adhemar já era campeão paulista e detinha o recorde brasileiro no salto triplo. Ele chegou naquela edição do Troféu Brasil precisando saltar 14,8 metros para se classificar às Olimpíadas. Fê-lo com tranquilidade, saltando 23 centímetros a mais do que o necessário, e garantindo passagem a Londres. Sua primeira experiência olímpica terminou com um modesto 14º lugar, sendo que a modalidade contou com 29 competidores. O treino reduzido apenas a alguns períodos de almoço e a pouca idade pesaram naquela competição.
Apesar do resultado adverso, os anos seguintes foram de consolidação para Adhemar Ferreira da Silva. Vitórias e recordes se tornaram quase rotina na carreira do atleta. Em 1949, ele saltou 15,51 metros e estabeleceu um novo recorde sul-americano. A marca anterior datava de 25 anos antes, feitos pelo argentino Angel Bruneto nas Olimpíadas de Paris. Em 1950, Adhemar cravou 16 metros e igualou o recorde mundial do japonês Naoto Tajima, que perdurava desde 1936. No ano seguinte, aumentaria a sua marca em um centímetro e se tornaria o recordista mundial isolado. O ano de 1951 também marcou a primeira conquista Pan-americana de Ferreira da Silva, nos jogos realizados em Buenos Aires. A caminhada do paulistano não poderia ser para outro destino que não as Olimpíadas de 1952, em Helsinque, na Finlândia.
O atleta brasileiro não só competiu mas deixou o mundo estarrecido naquele dia 23 de julho. Nas seis tentativas previstas na competição, Adhemar melhorou a sua marca quatro vezes. Ele saltou, naquele intervalo de tempo, 16,05m; 16,09m; 16,12m; e 16,22 m, vencendo a sua primeira medalha de ouro olímpica para assim estipular o novo recorde mundial no salto triplo. O Estádio Olímpico de Helsinque, em coro uníssono de 70 mil pessoas, entoava o nome do Brasil. “DA SILVA! DA SILVA!”. Com a medalha dourada no peito, Adhemar deu uma volta completa na pista e iniciou uma prática hoje corriqueira em equipes campeãs: a volta olímpica.
Nas Olimpíadas de 1952, Adhemar garantiu não só a medalha dourada mas também a atenção do mundo e, consequentemente, dos adversários. Apesar do desempenho formidável nos Jogos, o soviético Leonid Sherbakov e o venezuelano Arnoldo Devonish foram competidores complicados. Nos anos seguintes, outro soviético, Oleg Ryakhovsky, o islandês Vilhjalmur Einarsson e o russo Vitold Kreyer, também dariam muito trabalho ao atleta brasileiro. Tanto é que Sherbakov conseguiu saltar 16,23 metros e tirar o recorde mundial do brasileiro. Nos Jogos Pan-Americanos de 1955, na Cidade do México, Adhemar saltou 16,56 metros e retomou o seu posto de melhor do mundo. A competição continental também garantiu o bicampeonato ao brasileiro, medalha de ouro mais uma vez. Essa marca, inclusive, só seria batida no final de 1957, por Ryakhovsky, que saltaria três centímetros a mais.
Naturalmente, Melbourne aparecia como o palco para o grande ato da carreira de Adhemar Ferreira da Silva. As Olimpíadas de 1956 poderiam selar a primeira vez em que um brasileiro seria bicampeão olímpico. Tudo aparecia favorável até aparecer um adversário inusitado: uma dor de dente. Uma obturação mal feita causava inchaço e uma dor terrível no atleta paulistano, que desde o ano anterior vestia as cores do Vasco Gama e realizara seu sonho de morar no Rio de Janeiro. Uma pulsão a poucos dias dos jogos ajudou a aliviar as dores e colocou Adhemar em condições de disputar o salto triplo. Naquele dia 27 de novembro, Adhemar venceu a dor de dente, os duros rivais Kreyer e Einarsson, e garantiu o inédito bicampeonato olímpico saltando 16,35 metros, novo recorde olímpico. Só tivemos novos bicampeões olímpicos brasileiros em 2004, nos Jogos em Atenas, quando os iatistas Torben Grael, Robert Scheidt, Marcelo Ferreira e os jogadores de vôlei Maurício e Giovanni conseguiram suas medalhas douradas pela segunda vez.
O último grande ato esportivo de Adhemar Ferreira da Silva aconteceu em 1959, nos Jogos Pan-americanos em Chicago, Estados Unidos, quando ele conquistou seu terceiro ouro consecutivo no salto triplo e se tornou o primeiro brasileiro tricampeão na modalidade. Além dos títulos já citados, Da Silva foi também 5 vezes campeão sul-americano e 10 vezes campeão brasileiro. A brilhante carreira é homenageada até hoje pelo São Paulo Futebol Clube. Acima do escudo da agremiação, há duas estrelas douradas que representam os recordes mundiais e as conquistas olímpicas de Adhemar em 1952 e 1956. Ele encerra a sua carreira de forma discreta em 1960, nas Olímpiadas em Roma, na Itália, não se classificando à final.
Após as conquistas esportivas, Adhemar Ferreira da Silva adicionou outros títulos à sua coleção. Além do curso de escultor, formado em 1948 pela Escola Técnica Federal de São Paulo, ele graduou-se em Educação Física, na Escola do Exército, Direito, na Universidade do Brasil, e Relações Pública, na Cásper Líbero. Principalmente por ser poliglota, entre 1964 e 1967, foi adido cultural na Embaixada Brasileira em Lagos, na Nigéria. Adhemar também foi ator, locutor e jornalista. Ele faleceu no dia 12 de janeiro de 2001 em São Paulo.