“Ambulante é ter atitude de botar a sua cara na rua para poder fazer o sustento da família. O que eu vejo em toda essa situação é que os órgãos públicos não facilitam o nosso lado porque somos a minoria para eles, não sabendo eles que somos uma maioria e nós estamos mostrando a força disso”, desabafa Alessandra Andrade, ambulante há 15 anos na região do Centro Histórico de Salvador.
Na última semana, Alessandra e um grupo de ambulantes acamparam em frente à sede da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Semop), no bairro de Jardim Santo Inácio, para garantir uma licença para trabalhar no Carnaval de Salvador, que terá início oficial na quinta-feira (16). O cadastramento é feito exclusivamente pela internet desde 2017 e gerou revolta entre os trabalhadores que apontaram dificuldade em acessar o sistema, falta de vagas e até venda de licenças pela internet.
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Após ficar duas semanas na fila, a ambulante Alessandra Andrade resolveu voltar para casa por causa do filho de nove anos, que teve que ficar sozinho em casa para que ela pudesse garantir uma licença, sem sucesso. A trabalhadora relata que é histórico o tratamento que os ambulantes recebem para pegar uma guia e atuar no Carnaval.
“A gente passa por humilhação, dorme no chão, toma sol, toma sereno, é obrigada a ser roubada porque é um lugar escuro, sem proteção, sem segurança. A gente vive uma situação dessa e praticamente não consegue a licença”, comenta a trabalhadora.
Dificuldades
O cadastramento para os ambulantes, encerrado na última quinta-feira (9), foi aberto no dia 8 de fevereiro, mas teve o serviço interrompido por causa de falhas no sistema. No mesmo dia, os trabalhadores que estavam acampados em frente à Semop realizaram uma manifestação e foram repreendidos por agentes da Guarda Civil Municipal (GCM), com bombas de gás e spray de pimenta.
De acordo com a Semop, um grupo de pessoas tentou invadir o órgão, atirou pedras e colocou fogo em colchões no portão da pasta. Eles ainda afirmam que a Polícia Militar e a Guarda Civil foram chamadas para garantir que o trânsito fosse liberado e que a segurança pudesse ser mantida no local.
Segundo Alessandra, tem sido comum que os ambulantes fiquem mais de um mês acampados em frente à sede da Semop por causa dos problemas com o cadastramento on-line. Para ela, uma sugestão seria a adoção de um carnê anual para facilitar o cadastramento dos trabalhadores.
“Tem pessoas que não sabem nem mexer com o celular e só sabem o que é o celular para ligar e desligar. É uma humilhação completa porque nem todo mundo tem um celular, um computador e nem todo mundo tem condições de sair do seu lugar para ir em uma lan house que a prefeitura cede para a gente. Até a gente chegar em um posto de autorização da prefeitura, as licenças já acabaram”, relata.
Segundo a prefeitura, por meio do Programa Conecta Salvador, são disponibilizados pontos de internet gratuitos para população em locais de grande circulação e em equipamentos da gestão municipal. O objetivo é que esses locais auxiliem os ambulantes no cadastramento.
Conforme o diretor de serviços públicos da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Semop), Alysson Carvalho, o licenciamento on-line segue recomendação feita pelo Ministério Público do Trabalho da 5ª Região. O valor da licença varia de R$ 48,89 a R$ 139,70, conforme os locais do circuito do Carnaval.
Vereador de Salvador e militante do Movimento Negro Unificado (MNU), Silvio Humberto (PSB-BA), analisa que o problema histórico no cadastramento dos trabalhadores informais se trata de uma falta de vontade política, que tem como raiz o racismo estrutural.
“Se quer fazer dignidade seletiva, se quer tratar bem o turista, e quando você olha para quem são as pessoas que vivenciam o dia a dia da população soteropolitana você vai admitir que tem gente que é cidadão e outros que vivem a quase cidadania. É por isso que o dia 14 de maio ainda não chegou ao seu final”, comenta o vereador, fundador e presidente de Honra do Instituto Cultural Steve Biko.
Em entrevista ao Metro 1, nesta segunda-feira (13), o prefeito de Salvador, Bruno Reis, informou que irá adotar novos critérios para o credenciamento do Carnaval de 2024 e que o objetivo é que novos critérios sejam analisados pelo Ministério Público.
Segundo a Alessandra Andrade, que também trabalha como trancista e manicure para complementar a renda, os ambulantes são linha de frente de um dos maiores eventos do calendário de festas do país e precisam ser tratados com mais respeito.
“A minha sugestão é reunir para a gente chegar em um consenso de como fazer a licença para todos, fazer um carnê anual. Mas só que eles não param para conversar com dsazewqaa gente porque eles acham que, além da gente ser preto e pobre, somos ignorantes, e ambulante não é ignorante. Ambulante sabe o que deve fazer para si próprio”, completa a trabalhadora.
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