Professor de Antropologia da Unesp acredita que a cidade de São Paulo deveria homenagear figuras que lutaram pelo fim da escravidão e por uma sociedade mais justa
Texto / Pedro Borges I Foto / José Cordeiro/SPTuris
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Palácio dos Bandeirantes, rodovias Fernão Dias, Anhanguera, Raposo Tavares, dos Bandeirantes; Monumento às Bandeiras, estátua de Borba Gato. A cidade de São Paulo é repleta de homenagens aos bandeirantes.
No dia do aniversário da cidade de São Paulo, capital do estado, o Alma Preta entrevistou o
assessor da Comissão Nacional da Verdade sobre a Escravidão Negra no Brasil e professor do Departamento de Antropologia, Política e Filosofia da UNESP-Araraquara, Dagoberto Fonseca, sobre a construção do orgulho e da identidade paulista fundamentada na imagem do bandeirante.
“A figura do bandeirante entre os paulistas é de fato emblemática. Mas esse é o discurso dos órgãos oficiais de Estado, dos grupos dominantes da sociedade brasileira, em especial, de São Paulo. A figura do bandeirante, no entanto, está vinculada essencialmente com o rapto, o sequestro e o escravismo no Brasil”, diz.
Os bandeirantes eram na sua maioria pessoas filhas de relações entre os portugueses e a população nativa, no caso os indígenas. Diferente das pinturas que os destacam com botas e chapéus, os bandeirantes eram pobres, andavam descalços e com roupas simples.
Eles eram os responsáveis pelas “bandeiras”, movimentos organizados de maneira não oficial, entre os séculos XVI e XVIII com o objetivo de aprisionar indígenas, destruir quilombos, buscar pedras preciosas, entre outras razões.
“Os bandeirantes exerceram funções extremamente ruins para a construção de um estado, que é o estado brasileiro e o de São Paulo. O desbravamento de fronteiras se deu com a morte de nações indígenas, com a morte dos povos mais diversos, e serviu fundamentalmente para o projeto de conquista e manutenção do escravismo”, diz Fonseca.
A história do estado de São Paulo é complexa, rica e com inúmeros personagens participantes da formação da região. Entre os barões de café, os operários, industriais, indígenas, quilombolas, abolicionistas, chama atenção a escolha por parte dos órgãos oficiais e dos grupos dominantes pela imagem do bandeirante como a principal a ser cultuada.
O fortalecimento da economia local no século XIX, em especial por conta da produção cafeeira, motivou parte da elite paulista na construção do ideal de São Paulo como a terra do trabalho. As raízes desse progresso e desenvolvimento estariam fincadas já na ação dos bandeirantes. Eles seriam, segundo essa lógica, os responsáveis por desbravar o estado e possibilitar o seu desenvolvimento.
Região ainda pobre no período anterior ao do café e sem recursos para a compra do africano na condição de escravo, o bandeirante também teve papel central para capturar e escravizar indígenas para servir de mão de obra forçada e sustentar o modelo econômico da época.
“Nesse sentido, quando a gente pensa no bandeirante, como Anhanguera, Fernão Dias, ou seja, as grandes rodovias no Estado de São Paulo, se associa à ideia do desbravamento, da abertura de fronteiras, de levar fundamentalmente desenvolvimento e progresso onde não havia desenvolvimento e progresso”, explica.
A luta contra Palmares e a necessidade de outras referências
Domingos Jorge Velho é um dos mais destacados bandeirantes da segunda metade do século XVII. Nascido em 1641, na cidade de Vila de Parnaíba, interior de São Paulo, ele ficou conhecido como exterminador de indígenas.
A fama o levou a ser contratado pelo governador de Pernambuco, João da Cunha Souto Maior, em 1687, para derrotar o Quilombo dos Palmares. Ao longo da história foram dezenas de ações militares oficiais organizadas para derrotar os palmarinos. A ofensiva final tem início em 1691, sob a liderança de Domingos Jorge Velho, e termina em 20 de Novembro de 1695 com o assassinato de Zumbi.
O principal líder quilombola do país é recordado em São Paulo e em outras cidades do estado no feriado da Consciência Negra, em 20 de Novembro, data em que se recorda a resistência e o assassinato de Zumbi. Ele também recebeu em 2016 uma estátua no centro da cidade, na Praça Antonio Prado, local onde era feito o sepultamento de escravos e onde ficava a sede da Igreja do Rosário dos Homens Pretos.
Dagoberto Fonseca acredita ser fundamental exaltar figuras históricas que tenham lutado por uma sociedade mais justa, igual e democrática. Ele lista nomes como Zumbi, Dandara, Aqualtune, Luiz Gama, Teodoro Sampaio, Castro Alves, os irmãos Antônio e André Rebouças, entre tantos outros.
“A manutenção do escravismo, racismo, é uma lógica da manutenção de um projeto de passado, ainda no presente. A luta pela liberdade, igualdade, equidade, não pode ser representada por bandeirantes. Pode sim ser representada por homens e mulheres que lutaram por uma sociedade diferente da que temos hoje e tivemos ontem”, afirma.