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Após 15 dias internada, morre mulher trans queimada viva no Recife

Roberta da Silva faleceu veio a óbito na manhã desta sexta-feira (9) por falência respiratória e renal; o caso escancara estatísticas alarmantes de casos de transfeminicídio

Texto: Victor Lacerda I Edição: Lenne Ferreira I Imagem: Ses-PE/Divulgação

Morre mulher trans queimada viva no Recife

9 de julho de 2021

Mais um caso de crime de ódio e violência contra pessoas trans e travestis no Recife que resulta em morte. Desta vez, após duas semanas internada no Hospital da Restauração, na zona central da capital, Roberta da Silva, de 33 anos, faleceu na manhã desta sexta-feira (9) por falência respiratória e renal. Roberta foi socorrida na madrugada do último dia 24 de junho após ter tido 40% do seu corpo queimado por um adolescente na região do Cais de Santa Rita.

Dois dias após o crime, internada na ala de queimados da unidade, a transexual negra teve que amputar o braço esquerdo devido a uma necrose. O quadro progrediu e Roberta também teve que amputar o braço direito. Na última segunda-feira (5), teve uma piora no quadro geral de saúde e foi encaminhada para a Unidade de Tratamento Intensivo do HR, onde foi entubada novamente e seguiu até o último momento de vida.

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Com família em Jaboatão dos Guararapes, cidade vizinha à capital, Roberta morava na rua quando foi surpreendida pelo ataque. Segundo informações prestadas pela Polícia Militar à imprensa, agentes realizavam um patrulhamento próximo ao Terminal de Ônibus do Cais de Santa Rita, pouco depois da meia-noite do dia 24 de julho, quando foram acionados por populares, que informaram uma tentativa de homicídio nas proximidades.

Os policiais presentes afirmam que visualizaram uma pessoa em chamas e pediram reforço do Serviço de Atendimento Médico de Urgência (SAMU) para encaminhar a vítima ao hospital. Os agentes também identificaram o principal suspeito da autoria do crime, um adolescente, que tentou fugir, mas foi apreendido e encaminhado para a Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente (GPCA), no bairro da Boa Vista, região central do Recife.

Roberta estava sendo acompanhada pela primeira advogada travesti preta do Norte-Nordeste e Codeputada Estadual em Pernambuco pela mandata coletiva das Juntas, Robeyoncé Lima. Trazendo atualizações diárias sobre o estado de saúde da vítima para imprensa em suas redes sociais, a parlamentar associou a exposição da vítima como resultado de um sistema de transfobia no país. “Essas vulnerabilidades tem a ver também com toda uma sociedade que nos empurra para fora dos empregos, fora de casa, fora da vida”, denunciou.

Leia também: Vereadora do Recife afirma não reconhecer mulheres trans e travestis como “normais”

A notícia do falecimento gerou comoção entre líderes trans e travestis. Para a articuladora política da Articulação e Movimento para Travestis e Transexuais de Pernambuco (Amotrans-PE), Janaína Castro, a morte de Roberta simboliza um momento de mais força para a comunidade que luta pela garantia de direitos. “Perder uma companheira, da forma forma que foi nunca será fácil, mas vejo que, mesmo diante das dificuldades que se enfrenta ao movimentar políticas, Roberta nos deixa ainda mais com a ‘faca nos dentes’ para cobrar ao Estado maior empenho na assistência pelo que nos é de direito. Nossa luta não irá se acomodar para que Roberta não vire só um número e, sim, seja respeitada, mesmo que após a sua partida. Roberta presente!”, exclama a ativista.

A deputada estadual de São Paulo e educadora pernambucana, Erica Malunguinho, por meio de suas redes sociais, denuncia que a partida de Roberta é reflexo de um país que segue liderando o ranking de assassinatos de pessoas trans e travestis. “Roberta foi vítima de transfeminicídio. Pensar políticas públicas para conter essas violências é uma demanda histórica do movimento de travestis e transexuais no Brasil. A política institucional precisa ouvir o que os movimentos estão dizendo”, aponta.

Para a assessora parlamentar e pedagoga, Ana Flor Rodrigues, a morte de Roberta não é um caso isolado. “Faz parte de um projeto biopolítico que visa controlar e ceifar vidas travestis. É o que tem acontecido em Recife, é o que acontece no Brasil”, aponta via rede social.

A ativista pernambucana complementa com sugestões de ações que poderiam ser tomadas pelos órgãos de gestão nos âmbitos municipais e estaduais para conter crimes de ódio e violência contra pessoas trans em caráter de urgência. “Não é simplesmente prendendo um adolescente que vamos resolver esse caso. É investindo em políticas públicas efetivas e de qualidade. O governo municipal e estadual precisam fortalecer os equipamentos públicos LGBTs, e precisam fazer isso dialogando com ONGs parceiras, com os movimentos sociais. É fundamental discutir segurança pública, debater assistência e moradia como política de governo. Pessoas LGBTs estão sendo assassinadas em Recife e Pernambuco”, dispara em seu perfil nas redes.

Números alarmantes

A morte de Roberta denuncia uma sucessão de casos registrados na capital e no interior do estado, sendo o sétimo caso em apenas um mês. Na madrugada da última quarta-feira (7), Fabiana da Silva Lucas, 30, foi assassinada a facadas no município de Santa Cruz do Capibaribe. Na madrugada da última segunda-feira (6), a travesti negra Crismilly Pérola foi assassinada com tiro à queima-roupa na Comunidade Beira Rio. No último dia 18 de junho, a transexual negra Kalyndra Selva foi encontrada morta com marcas de estrangulamento dentro de sua própria residência, no bairro do Ipsep, na Zona Sul do Recife. O ex-companheiro é o principal suspeito.

De acordo com balanço do primeiro semestre de 2021 feito pela Associação Nacional de Travestis e Transexuais (Antra e apresentado na última semana, entre janeiro e junho deste ano, foram mapeados casos de assassinatos contra 78 travestis e mulheres trans e 2 homens trans/transmasculinos, totalizando 80 assassinatos. O estudo ainda revela que cerca de 80% das vítimas eram negras.

Para a organização, os registros de transfeminicídio no país são potencializados pela falta de articulação política dos governos e prefeituras. “Continuamos vendo a ausência de ações por parte dos estados e municípios a fim de enfrentar a violência transfóbica que já vem sendo denunciada há alguns anos. Os estados continuam omissos, inclusive no levantamento de dados sobre lgbtifobia, homicídios e violações de direitos humanos das pessoas trans”, aponta.

A Antra ainda sugere unidade na condução de melhorias para a sobrevivência da comunidade. “Precisamos de uma agenda política coletiva que inclua uma narrativa unificada com ativistas e pesquisadores da Academia, movimentos partidários, coletivos e aliados que se importem efetivamente com a nossa luta”, finaliza o dossiê.

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