O Museu de Arte Moderna da Bahia (MAM), junto com o Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), fecharam um acordo para atender as demandas da comunidade do Solar do Unhão, em Salvador, que acusou a gestão do Museu de racismo em um manifesto divulgado na segunda-feira (16). De acordo com moradores da região, a diretoria do MAM tem utilizado arame farpado para impedir o acesso da comunidade ao local, além de apontar uma série de ações de higienização, como a falta da reforma da escada que permite a entrada dos moradores na praia que existe no local e a falta de investimento na construção de uma quadra esportiva para os jovens da comunidade na área próxima ao equipamento.
O acordo foi fechado após a comunidade anunciar a realização de um protesto contra a reabertura do MAM, que aconteceu na terça-feira (17). Em reunião com o MAM, IPAC e a Comunidade do Solar do Unhão, ficou definido que uma comissão com 15 líderes será recebida nesta quarta-feira (18), por um comitê de órgãos do Governo da Bahia com finalidade de atender as reivindicações da comunidade, que são: “reforma de escada de acesso à praia das pedras; liberação do acesso de ambulantes e moradores à Prainha (faixa de areia dentro do museu) por meio do Parque das Esculturas; a construção de uma quadra esportiva em área não tombada entre o museu e a comunidade; a pintura do muro de acesso ao bairro; entre outras questões do dia a dia do território, relacionadas, por exemplo, a capacitação e empregabilidade local”, cita nota divulgada pela comunidade.
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O diretor nacional do Coletivo de Entidades Negras, Marcos Rezende, apontou que a acusação se refere ao racismo ambiental, quando um grupo racial e vulnerável é submetido a condições precárias em um espaço enquanto outro grupo é beneficiado, como é o caso do MAM. Ele também ressaltou que o tombamento do MAM garante o cuidado com as regiões que ficam ao entorno do museu.
“Como o MAM consegue construir um atracadouro, um píer, um restaurante, um cinema, mas não consegue reformar uma escada para uma comunidade? E quem é que tem acesso a essas benécias que o MAM constituiu nesses últimos anos? Geralmente, quem usa um atracadouro ou um píer, são aquelas pessoas que têm lancha ou iate e aqui na Bahia ou no Brasil, qual a cor dessas pessoas? Por outro lado, quem habita uma comunidade que é fruto de uma ocupação feita ao longo das últimas décadas? Justamente uma comunidade negra. Então nós somos muito vizinhos, mas somos muito segregados”, disse Rezende em entrevista ao Jornal da Manhã.
No manifesto, intitulado “MAM racista: Para a elite, píer e casarão. Para a comunidade, arame farpado”, associações e entidades negras citam uma série de descuidos, desrespeito e falta de diálogo com a comunidade. O texto também aponta que, mesmo com o investimento de R$ 30 milhões no Museu, que é tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), a diretoria não contribuiu para a reforma na comunidade, que fica no entorno do MAM.
“O MAM acredita que é preciso píer e casarão para as elites, mas que não é necessário garantir o esporte e o lazer da comunidade do Solar do Unhão, que tenta construir uma quadra esportiva em espaço não tombado. Mesmo com as obrigações legais, estabelecidas pela UNESCO e pelas leis de patrimônio, de interação social do bem tombado com o entorno”, cita o manifesto, assinado pela Associação de Moradores do Solar do Unhão, Museu Street Art Salvador e Coletivo de Entidades Negras (CEN).
Em entrevista ao programa local “Jornal da Manhã”, o diretor do MAM, Pola Ribeiro, chegou a rebater as acusações e disse que sempre houve diálogo com a comunidade. O diretor também argumentou que o arame foi colocado para impedir as pessoas de pularem o muro sem necessidade, como vinha acontecendo durante a pandemia. Versão que a comunidade rebate e diz que, mesmo com o bloqueio aos moradores, pessoas da elite acessam a praia.
“O arame farpado tem o objetivo, segundo a direção do museu, de impedir o acesso à Prainha, bloqueado pelo MAM para moradores. No entanto, a faixa de areia segue cheia durante os finais de semana, ocupada pela elite que vai para lá com suas lanchas”, rebate os moradores. “Não topamos museu racista, não topamos uma elite que nos odeia! Somos defensores da cultura de um povo. Lina Bo Bardi está do nosso lado. Eles que estão do outro”, discorre o manifesto.
O MAM-BA foi fundado em 1959 e é o terceiro mais antigo de Arte Moderna no país. Localizado à beira da Baía de Todos-os-Santos, antes de se tornar Museu, o local sediou uma fazenda, que passou a abrigar fábricas, depósito de combustíveis e quartel para fuzileiros durante a Segunda Guerra Mundial. O Solar do Unhão é tombado pelo Iphan desde 1943 e, no início da década de 60, foi obtido e restaurado pelo Governo da Bahia. A arquitetura do MAM-BA ficou sob a guarda de Lina Bo Bardi, a ítalo-brasileira considerada como um dos principais nomes da arquitetura do país.
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