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Após morte de Beto Freitas, Carrefour ganhou prêmio por segurança do supermercado

Prêmio concedido por associação de prevenção de perdas destacou a reformulação do projeto de segurança do Carrefour; rede de supermercados acumula casos de violência contra pessoas negras
Ilustração mostra troféu em alusão à prêmio ganho pelo Carrefour.

Foto: Dora Lia Gomes

13 de setembro de 2023

O Carrefour, supermercado onde João Alberto Freitas, o Beto, foi espancado até a morte por seguranças da empresa Vector, em 2020, recebeu um prêmio de “Melhor Projeto de Segurança de 2021” pela Associação de Prevenção de Perdas (Abrappe).

O prêmio destacou o projeto da rede de supermercados de “proteger a marca e humanizar o atendimento ao cliente”, diante de um problema de “alto risco reputacional em função de incidentes que ocorriam nas unidades”. Em nenhum momento, João Alberto é mencionado pela associação.

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O novo modelo de segurança do Carrefour tem uma metodologia para casos em que há um desentendimento “racional” com um cliente, em que há a possibilidade do diálogo, e o nível “irracional”, quando a pessoa está exaltada e assim o supermercado aconselha a troca de “interlocutor”. Para a implantação da iniciativa, a rede de supermercados sinalizou que houve a construção de um treinamento, com a participação de profissionais da Índia e da Bélgica. Houve também a proposta de aperfeiçoamento dos profissionais, com treinamento para gestores e coordenadores da Escola de Gestão de Riscos e de Prevenção de Perdas em Indaiatuba e São Paulo. Apesar disso, nenhuma informação sobre essa escola foi localizada e o Carrefour também não respondeu aos questionamentos sobre a escola ou quem são os profissionais da Índia e Bélgica.

Na entrega do prêmio, foram destacados os resultados atingidos pelo Carrefour com a nova medida, com ênfase para a informação de que nenhuma crise ocorreu durante o período. “Redução de índices e nenhuma crise relevante nas unidades nos últimos 12 meses, melhor relação entre clientes e colaboradores, percepção de ganho de imagem sob a ótica do cliente da sociedade”.

O prêmio foi criado em 2018 e se tornou uma forma de “homenagear os melhores cases de prevenção de perdas do mercado do varejo”. O julgamento das escolhas foi feito pelo presidente da associação Carlos Eduardo Santos e um grupo de diretores da Abrappe.

A Abrappe é uma associação voltada ao diálogo com os setores varejistas e áreas destinadas à prevenção de perdas. O grupo funciona como uma espécie de fórum, com a oportunidade de trocas de pesquisas, experiências e conhecimento entre os profissionais do setor. O prêmio e as ações organizadas servem como estímulo para essas áreas dentro das companhias. Segundo a própria instituição, trata-se de uma iniciativa que reúne mais de 600 varejistas e 2 mil profissionais.

No site da Abrappe, há publicações de representantes do Carrefour, que hoje compõem o Comitê de Segurança da associação. Os líderes do comitê de segurança são Carlos Eduardo Santos, presidente da associação, Jerome Mairet e Elizeu Lucena, ambos integrantes do Grupo Carrefour Brasil.

Em artigo publicado sobre “Gestão de conflitos no ambiente comercial”, os autores afirmam que “momentos de crise trazem boas oportunidades para efetivar a mudança cultural pela qual a área tanto necessita passar”, com uma referência ao “episódio recente em um hipermercado de Porto Alegre (RS)”, sem citação a Beto Freitas. O texto sinaliza para a sensação de que a “democratização da informação” somada ao “aumento da consciência ambiental, a valorização das diversidades, a defesa dos direitos das pessoas minorizadas” tem tornado o desafio da segurança “ainda mais complexo”.

No texto sobre “Gestão de incidentes e relações com autoridades”, assinado pelos mesmos autores, há a afirmação de que existe “um certo consenso de que os prejuízos causados à imagem da marca em situações como essas são imensamente maiores, em todos os aspectos, do que eventuais furtos. Ou, até mesmo, mais graves do que eventuais falhas processuais, na gestão de estoques, dos inventários ou na manutenção de equipamentos”. O texto faz uma referência a “situações”, sem citar o assassinato de João Alberto Freitas.

Questionada pela reportagem, a Abrappe afirmou que o Carrefour foi um dos destaques do ano de 2021 por conta das “propostas e profundidade das ações desenvolvidas e colocadas em prática pela empresa”. O modelo de segurança da rede de supermercados implantado depois da morte de João Alberto Freitas foi o que “melhor atendeu aos critérios técnicos e objetivos do prêmio na categoria” e o projeto pode ser “replicado” em outras empresas.

A associação também afirmou que a premiação não foi “pautada a partir do caso em questão”, em referência à “lamentável morte de João Alberto Freitas”. O plano do Carrefour foi reconhecido por “mudar o modelo convencional de segurança patrimonial de todas as unidades do Grupo Carrefour Brasil, para humanizar o atendimento ao cliente”.

O Carrefour informou que toda “a equipe interna de prevenção e fiscalização foi internalizada em agosto de 2021, portanto atendendo com antecedência o prazo estabelecido e cumprindo o compromisso firmado”. A Alma Preta, contudo, produziu reportagens sobre os contratos milionários do Carrefour com empresas de segurança privada, o que configurou um descumprimento da promessa feita ao Comitê Externo Independente, grupo formado por pessoas ligadas ao debate racial no Brasil.

A companhia, inclusive, firmou novo contrato com a Cordialle, antiga Vector, empresa cujos profissionais espancaram Beto Freitas até a morte. Hoje a empresa presta serviço para unidades do Atacadão no Brasil. Logo depois dos fatos, o Carrefour anunciou o rompimento de contrato com a Vector, como forma de responder às pressões da opinião pública.

A empresa também afirmou que “a lei exige a contratação de empresas com autorização da Polícia Federal para operar. Nesses casos os terceirizados passam pelo mesmo treinamento dos times internos”. Apesar da afirmação, a legislação permite sim que empresas como o Carrefour tenha vigilantes e seguranças contratados pela própria empresa. Para isso, o Carrefour e os profissionais precisam de um cadastro na Polícia Federal.

Por fim, a rede de supermercados destacou que os contratos com as empresas foram “revisados com a inserção de cláusulas de responsabilidade social que reconhece expressamente o respeito aos direitos humanos e treinamentos anuais na área de combate à discriminação e à violência”, e sinalizou que a rede construiu a política Eu Pratico Respeito, “como forma de guiar o trabalho dos funcionários da rede, amparados em quatro pilares: rechaçar qualquer forma de violência física ou verbal; formalizar as Regras de Ouro para garantia do acolhimento; consolidar os princípios da segurança e acolhimento condizentes com o código de conduta e ética; e reforçar o compromisso do Grupo Carrefour Brasil de promover, respeitar e educar sobre direitos humanos.”

Casos de violência no Carrefour não pararam

Apesar do prêmio e de afirmar uma mudança de postura na área de segurança, o Carrefour não deixou de acumular outros casos de violência em suas unidades pelo Brasil.

A Alma Preta noticiou casos em 2021, 2022 e também este ano. A exemplo de Roberto*, homem negro de 46 anos, perseguido por seguranças do Carrefour em 28 de janeiro de 2021, na unidade da rede em São Caetano do Sul (SP). Durante todo o percurso, o homem foi seguido por seguranças do estabelecimento. O fato ocorreu pouco mais de dois meses após o assassinato de Beto Freitas por um segurança em uma unidade do Carrefour em Porto Alegre (RS).

Roberto foi seguido antes e depois do pagamento das compras no caixa. A ação do segurança e o constrangimento gerado fizeram o cliente questionar o porquê da atitude. Depois de interrogado, o funcionário do Carrefour disse que “não confiava em ninguém e que estava executando seu trabalho”.

O cliente então perguntou se o segurança faria essa ação se ele fosse um homem branco. “Eu estou fazendo isso porque você é preto, se fosse branco eu não faria”, explicou o funcionário do Carrefour. Roberto então se dirigiu ao supermercado para prestar uma queixa sobre o fato e na sequência foi ao 1° DP de São Caetano do Sul registrar o ocorrido.

Já em 2022, depois da conquista do prêmio, Carlos*, homem de 38 anos, foi seguido e agredido por um funcionário da área de prevenção de vendas do Carrefour, no dia 15 de janeiro. O crime ocorreu em uma unidade da rede de supermercados do Butantã, zona oeste de São Paulo, e foi registrado no 89º Distrito Policial do Jardim Taboão.

“Eu fiquei me sentindo discriminado, oprimido, chateado, bravo, porque eu tinha acabado de entrar no mercado, eu não estava lá passeando, fui comprar”, conta Carlos depois de toda situação. Apesar de estar com roupas sociais e “bem vestido”, como o próprio se descreveu, o rapaz acredita que o funcionário estava com “maldade”, “procurando alguma coisa”.

Depois da situação de violência, a vítima relata que não retornou mais ao supermercado, apesar de continuar morando próximo do local. “Nunca mais entrei ali, nunca mais eu pisei nesse mercado. Eu penso assim: como eu posso corrigir o que eu acho errado, eu não gasto um centavo lá”.

* Nomes fictícios utilizados para preservar a identidade das pessoas citadas.

  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

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