Em meio a crise sanitária e seus desdobramentos, como o cenário de insegurança alimentar e desemprego, a Câmara Municipal do Recife surpreendeu a população ao iniciar um processo de licitação para compra de celulares. Os 39 vereadores da casa solicitaram verba de R$ 1.926.552,00 para garantirem, em cada mandato, quatro aparelhos, totalizando 160 celulares. O Ministério Público de Contas emitiu uma recomendação que suspendeu o processo.
Ao todo, 9 páginas que compõem o processo traziam especificações sobre a compra, que vai desde a qualidade da câmera, de 12 megapixels, acesso ilimitado a internet – com a compra extra de 60 mini modens – até à proteção por IP 67, tecnologia que viabiliza que o aparelho seja usado em uma profundidade na água de até um metro e meio.
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Em resposta, o Ministério Público de Contas emitiu recomendações à casa, afirmando que, diante da pandemia e das manifestações da sociedade contra o processo, o adiamento da suspensão seria a medida mais correta a ser adotada. O envio foi realizado pelo promotor Cristiano Pimentel que estabeleceu o prazo de cinco dias para obter resposta da câmara através do presidente, o vereador Romerinho Jatobá (PSB).
Os associados do Livres – associação civil que atua como um movimento político suprapartidário em defesa do liberalismo – em Pernambuco, Karla Falcão e Professor Thiago do Uber, também ingressaram com Ação Popular pedindo a suspensão da licitação. “Estamos vivendo em meio a uma pandemia que tirou a vida de milhares de recifenses. Basta chover que a cidade fica caótica. Sofremos com o desemprego e a violência. Falta dinheiro pra tudo e mesmo assim querem gastar quase R$ 2 milhões em celulares? Essa é a prioridade dos nossos representantes?”, questionaram, via redes sociais.
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O assunto tomou proporção nacional via redes sociais e chamou a atenção dos eleitores locais de partidos de esquerda que, durante a discussão sobre o alto valor do processo, não apresentaram explicações. Encaminhada à redação da Alma Preta Jornalismo, uma nota dos representantes do legislativo do Partido dos Trabalhadores e do PSOL afirma que as bancadas dos partidos passaram a semana trabalhando internamente para que a decisão fosse revista.
“Enquanto fazíamos esse trabalho interno, não poderíamos antecipar qualquer posição para a sociedade, pois a decisão da realização da licitação não é do conjunto dos vereadores que compõem a casa, e sim da Mesa Diretora da Casa Legislativa. Parabenizamos a acertada decisão de suspensão do processo licitatório pois esta posição foi tomada em consonância com o sentimento do povo do Recife, a quem devemos sempre representar”, diz a nota.
Após a polêmica, por unanimidade, a Câmara do Recife decidiu acatar as recomendações do Ministério Público de Contas (MPCO) e emitiu nota sobre o processo. “Todos os parlamentares da Casa concordam que o certame é transparente, lícito e segue o modelo utilizado pelo parlamento municipal desde 2001. Neste período de duas décadas, vale salientar, a Câmara Municipal sempre teve suas contas aprovadas pelos mecanismos de controle público, sendo um poder reconhecido pela população por seus serviços prestados”, pontua a casa.
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Na cidade vizinha, o processo de licitação para compra de aparelhos também se tornou alvo de críticas. Ao todo, 75 aparelhos são pedidos para os 17 vereadores da casa, através de um montante de R$ 470.672,40.
No edital, aberto no início do mês de junho, as especificidades também chamaram a atenção nas redes sociais. O processo exige sistema operacional IOS 14 ou superior, presente nos aparelhos da marca Apple, ou Android através da marca Samsung. Além disso, a câmera traseira precisa ser tripla e de 13 megapixels para gravar em resolução de cinema 4K.
Articulados com o Livres, o Movimento Brasil Livre em Pernambuco (MBL-PE) afirma ter enviado denúncia ao Ministério Público de Contas e espera que medidas necessárias sejam tomadas. “Outras medidas também estão sendo articuladas e serão adotadas. Dinheiro é do povo, e deve ser usado a favor dele”, afirma o movimento.