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Artista da Cracolândia denuncia truculência de GCMs: ‘Traumatizado’

Morador da região da Cracolândia, em São Paulo, MC Cesinha foi agredido duas vezes pelos Guardas Civis Municipais e cobra justiça
MC Cesinha, artista agredido duas vezes na Cracolândia, usa uma camiseta branca, boné vermelho e segura um microfone.

Foto: Divulgação

22 de maio de 2023

“Toda vez que eu passo por uma GCM me dá um trauma dos ‘caras’ virem me abordar por nascer preto, favelado e pobre louco. Eu estou traumatizado dentro da minha própria quebrada”. O desabafo é de César Augusto, mais conhecido como Mc Cesinha.

Morador da região da Cracolândia, no centro de São Paulo, há 30 anos, o músico e poeta denuncia ter sido vítima de truculências cometidas por agentes da Guarda Civil Municipal (GCM) da cidade. Em uma das vezes que foi agredido, ele teve a cabeça atingida por um tiro de borracha durante uma operação da Inspetoria de Operações Especiais (IOPE) da GCM.

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Cesinha, que integra o projeto “Teto, Trampo e Tratamento”, conta que as agressões ocorreram em abril deste ano, quando ele passava pela Cracolândia após sair de um ensaio do projeto.

No dia 21 de abril, horas antes de uma apresentação, ele teria saído do Teatro Contêiner, na região da Luz, para almoçar quando avistou GCMs dispersaarem pessoas na “Cracolândia”. Cesinha explicou aos guardas que não era usuário nem traficante de drogas e foi agredido com socos, chutes e quase teve um dos dedos quebrados.

“A partir daquele dia eu já fiquei traumatizado. Para você ter uma ideia, o show atrasou mais ou menos umas duas horas porque eu entrei em um estado de crise, de choro, que eu não conseguia controlar”, recorda o músico.

Dois dias depois da primeira agressão, o artista, que também trabalhava como porteiro em um hotel na região, saia do trabalho quando uma equipe da IOPE realizava uma operação na área.  Ao informar a um guarda que morava em uma rua próxima e pedir para passar, Cesinha foi agredido e atingido por uma bala de borracha na cabeça.

“Na hora eu nem percebi porque estava em uma distância de 50 a 100 metros, mas quando eu cheguei em casa a minha cabeça começou a doer e quando eu passei a mão na cabeça eu senti o ferimento. Também olhei o boné e vi um furo de bala de borracha”, detalha.

tiro borracha mc cesinhaMarcas do ferimento na cabeça de MC Cesinha e do boné, que foi rasgado por um tiro de borracha | Foto: Acervo pessoal

Justiça já tentou coibir ações truculentas de GCMs

Em junho do ano passado, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) determinou que a Prefeitura de São Paulo impedisse ações “excessivas” da Guarda Civil Municipal na Cracolândia.

O objetivo da ação, proposta pelo Ministério Público e pela Defensoria Pública, era limitar a atuação de agentes da GCM que atuavam como policiais militares em ações de combate à criminalidade.

“Os organismos policiais não precisam do reforço de uma guarda municipal para enfrentar traficantes de drogas; por outro lado, os direitos de cidadania de pessoas vulneráveis, que amiúde não são assegurados pelas forças policiais, precisam da presença e atuação de uma guarda civil”, cita um trecho da liminar.

Leia mais: Jovens negros propõem políticas para reduzir letalidade policial

Após as agressões, MC Cesinha ariu um Boletim de Ocorrência (BO) na 77ª Delegacia de Polícia, no bairro de Santa Cecília, e passou por um exame de corpo de delito por lesão corporal.

O objetivo do advogado da vítima, Flavio Campos, é abrir uma representação na Corregedoria da Guarda Civil Municipal de São Paulo.

Segundo o advogado, imagens da região onde o crime ocorreu foram entregues na delegacia, mas ainda não há informações se os guardas foram identificados. “A gente entregou essas fotografias, mas são de câmeras no local dos fatos, não imagens do que aconteceu”, explica Campos.

A Alma Preta procurou a Secretaria Municipal de Segurança Urbana de São Paulo, que responde pela GCM, e questionou se foi aberta uma investigação sobre o caso.

A reportagem também perguntou quantos guardas já foram suspensos por denúncias de ações violentas e quais medidas o órgão adota em casos de denúncia.

Em nota, a GCM informou que desde 2002 possui uma Corregedoria Geral, responsável por apurar denúncias, e que o caso citado na matéria já está sob análise para identificar a agressão e possíveis autores. “Todos os agentes identificados, que de alguma forma participaram da ocorrência, serão devidamente intimados para prestarem declarações na Corregedoria”, informa um trecho da nota.

Questionada sobre quantos agentes já foram suspensos por denúncias de ações truculentas nos últimos dois anos, a GCM respondeu que três servidores “sofreram sanções em função de ações inadequadas referentes ao uso desproporcional da força”.

Em relação à liminar emitida pelo Tribunal de Justiça, a GCM disse que “adotou mudanças no modo de operação, bem como estabeleceu novos procedimentos”.

Superação através da arte

MC Cesinha era mais um jovem negro, desempregado e em situação de rua na maior cidade do Brasil. Morador da região conhecida como “Boca do Lixo”, no centro de São Paulo, e com dificuldades financeiras, a criminalidade foi uma realidade presente na vida do músico por muitos anos.

Foi através da arte e do apoio de artistas e amigos de infância como Nego Bala e os MCs Binho e Sávio, que Cesinha teve uma oportunidade  de mudar de vida a partir de atividades culturais.

Ao entrar no projeto “Teto, Trampo e Tratamento”, idealizado pelo artista e médico psiquiatra Flávio Falcone, Cesinha se tornou operador de som e pôde colocar em prática o sonho de ser cantor e compositor. Hoje, ele atua como produtor executivo em um projeto social e tem planos de lançar um álbum musical.

“A música mudou a minha vida, mudou a vida do Nego Bala, do Binho, do Sávio e isso é impactante porque as nossas vozes tem uma potência que a gente consegue visualizar. Através das nossas histórias nós podemos resgatar tanto os jovens que se encontram perdidos na Cracolândia e pelo país”, destaca.

Sobre as agressões sofridas por agentes da GCM, Cesinha aguarda por justiça. “Se eu tivesse outro perfil, isso não teria acontecido comigo. A gente não pode se calar diante da covardia. Temos que demonstrar resistência e mostrar para a população que temos orça e não estamos sozinhos”.

Leia também: Por que o Brasil demorou tanto para abolir a escravidã

  • Redação

    A Alma Preta é uma agência de notícias e comunicação especializada na temática étnico-racial no Brasil.

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