Integrantes da frente Favelas Na Luta, no Rio de Janeiro, compartilham as experiências na linha de frente contra violência de estado e efeitos da Covid-19
Texto: Edda Ribeiro | Edição: Nataly Simões | Imagem: Hector Santos
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“Estamos fazendo ações para o pessoal não morrer de fome. Não estamos só denunciando a ação policial, estamos enfrentando-a”. A fala é da ativista Buba Aguiar, uma das organizadoras da marcha “Vidas Negras Importam”, no Rio de Janeiro. Para este fim de semana, a cidade ainda não possui nenhum ato confirmado. Lideranças, no entanto, contam ao Alma Preta os desafios da organização das periferias durante a pandemia e as medidas de segurança adotadas nos atos para evitar a disseminação da Covid-19.
Em três meses, ativistas da frente Favelas na Luta arrecadaram 550 cestas básicas, 300 kits de lanches infantis, produtos de limpeza, fardos de água, brinquedos e mais de 1 mil máscaras de proteção, entregues em cinco comunidades. Diante das operações policiais, além do assassinato de jovens como João Pedro Matos, de 14 anos, no Complexo do Salgueiro, outras ações viraram prioridades.
Os ativistas listam uma série de motivos que, diante da pandemia, reforçam a necessidade de ir às ruas. Uma delas são os efeitos da Covid-19 nas favelas. “Enquanto existe uma política da morte direcionada pelo governo federal, com ausência de políticas sociais e de saúde para conter os impactos da pandemia, a cada dia vemos a curva de óbitos e contaminação aumentar. Isso se agrava porque essa curva cresce com corpos que moram em favelas, zonas afastadas dos centros”, afirma Marcelle Decothe, integrante do Fórum de Juventudes do Rio de Janeiro.
As mortes decorrentes de operações policiais sobressaem entre as razões das mobilizações. “Só em Acari já contabilizamos mais de cinco mortes, além de duas pessoas baleadas. Ainda estamos terminando de levantar dados e informações sobre nossos mortos, e como o Estado não faz isso, nós mesmos precisamos fazer. Não conseguimos ainda contabilizar a profundidade dos estragos”, salienta Buba.
Também colaboradora do Instituto Marielle Franco, Marcelle reitera que a mobilização e organização das favelas não é apenas resultado da pressão causada pela pandemia. “Nossa realidade sempre foi repleta de violências, e acreditamos que a luta coletiva sempre é a resposta para mudança e transformação. Neste momento de pandemia global, algo que nunca vivemos na vida, as desigualdades raciais e sociais foram escancaradas e amplificadas, então nossa rede de solidariedade e construção coletiva teve que se fortalecer também perante a ausência de perspectiva que nosso povo se encontra”, explica.
Abordagem policial
No domingo (7), a ativista Buba Aguiar saiu de casa com equipamentos de proteção na mochila para participar do ato antirracista, que reuniu mais de 4 mil pessoas no centro do Rio de Janeiro. “Cada organização e coletivo levou itens como máscaras, luvas e álcool gel para distribuirmos. No geral, foram muitas pessoas levando seu próprio kit. Orientamos que as pessoas não tirassem a máscara para falar, que não tocassem nas mãos umas das outras. A questão sanitária foi uma grande preocupação, não deixamos de pensar no cuidado das pessoas que optaram por estar ali junto com a gente. O que não sabíamos de antemão era das ‘regras’ de apreensão”, conta.
Manifestantes que se organizavam na concentração do ato, em frente ao monumento de Zumbi dos Palmares, relataram em redes sociais abordagens policiais. Assim como Buba, Marcelle também foi revistada no momento em que chegou ao local. “Os policiais estavam sem luva durante a abordagem. Pedi para que eles usassem álcool em gel nas mãos antes de tocarem na minha mochila e equipamentos de proteção. Todos que chegaram foram revistados e pessoas foram detidas por portar álcool em gel acima de 50ml. Fomos tratados como suspeitos desde o início”, relembra Marcelle.
Dias antes da manifestação, apoiadores preocupados com a aglomeração e pedidos de orientações sobre como organizar protestos lotaram a caixa de mensagens de Buba Aguiar. “Organizar uma manifestação não é o primeiro passo. Antes vem a estratégia de mobilização. Ir para rua é apenas um dos estágios. Principalmente pela pauta que é, tem que ter muito cuidado, considerando o momento que estamos vivendo”, esclarece.
“Somos uma rede de coletivos de favela e periferia que atua há muitos anos em nossos territórios. O que algumas pessoas não entendem é que mobilizamos atos há tempos, pois todo corpo que cai na favela, a gente se mobiliza para gritar. A diferença é que hoje temos a mídia pautando o antirracismo nos veículos hegemônicos e consequentemente tentam cooptar essa pauta”, acrescenta a ativista.
Entre mensagens e apelos para que o protesto de 7 de junho não ocorresse, uma das pressões que se destacaram foi gerada nas redes sociais após a publicação de um vídeo do rapper Emicida. Para Buba, o caminho era seguir com o diálogo e reforçar as medidas de segurança, ponto reforçado pelo artista. “Nos orientaram das melhores formas possíveis. Ponderamos, conversamos sobre a possibilidade da não participação do ato. Não dava para cancelar, ele ia acontecer independente de irmos ou não. Nós demos o start, precisávamos demarcar a nossa luta, a vida e as mortes também. Se não tivéssemos ido, o ato teria ocorrido de forma bem menos segura, na questão sanitária e pela ameaça policial no local. Diante do vídeo, chamamos [o Emicida] para um papo realmente, até porque não houve desentendimento”, explica.
Segundo Buba Aguiar, os organizadores do ato “Vidas Negras Importam” optaram por não chamar o público para protestos no domingo (14) a fim de monitorar se houve contaminação por Covid-19 nos atos anteriores. Após averiguação, os ativistas devem organizar novas manifestações antirracistas.