O babalorixá Ronaldo do Carmo ficou sem ter onde morar após a desapropriação de seu terreiro de candomblé Ilê Aché Ojú Odê, em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista.
De acordo com uma denúncia feita por movimentos sociais e apresentada à Promotoria de Justiça de São Paulo, a desapropriação do imóvel ocorreu em 2016 devido a um processo de urbanização da região de Ferrazópolis.
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Mesmo com documentação em mãos e após reuniões com a Prefeitura de São Bernardo do Campo, o babalorixá não recebeu um novo imóvel como, segundo ele, havia sido acordado. Além de templo religioso, o terreno desapropriado era herança de família e moradia de Ronaldo.
“Quando eu fui na prefeitura reabrir o processo, eles disseram que eu tinha desistido do processo”, afirmou o líder religioso.
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Igrejas católicas e evangélicas conseguiram novos imóveis
A assistente parlamentar Gabrielle Nascimento, da Bancada Feminista da Assembléia Legislativa de São Paulo (Alesp), que acompanha o caso, contou que igrejas católicas e evangélicas que também passaram pelo processo de desapropriação em São Bernardo não tiveram problemas para receber novos imóveis.
“Nas reuniões foi garantido que ele [Ronaldo] receberia a unidade religiosa, como os outros conseguiram de fato”, relatou a assistente parlamentar em entrevista à Alma Preta.
Diferente de outras instituições, de acordo com documento da prefeitura, o terreiro também funcionava como residência. Questionada pela reportagem, a atual gestão de São Bernardo do Campo afirmou que o imóvel consta apenas como de uso religioso.
“Em 2016, ainda na gestão passada, o Sr. Ronaldo do Carmo abriu processo administrativo solicitando inclusão em programa habitacional, alegando que residia [no local]. Contudo, o cadastro foi identificado apenas como de uso religioso, tendo o pedido indeferido”, diz nota enviada pela Prefeitura de São Bernardo do Campo.
Desabrigado e sem ter onde praticar o culto à religião de matriz africana, Ronaldo passou a morar de aluguel em diferentes endereços, onde relatou ter passado por várias situações de racismo religioso.
“Os vizinhos já chamaram a GCM [Guarda Civil Municipal], dizendo que fazíamos barulho, porque não queriam que eu tocasse mais lá”, recordou.
O babalorixá lembrou também que os funcionários da prefeitura foram desrespeitosos com os objetos do culto ao candomblé. “Eles pegaram os ibás, não deixou a gente preparar, e foi jogando em cima do caminhão de qualquer jeito”, disse.
A prefeitura não ofereceu um espaço para o armazenamento dos objetos e as peças foram transportadas para um local temporário cedido por uma filha de santo de Ronaldo.
Marco Cury, articulador do projeto Meninos e Meninas de Rua, presta apoio ao babalorixá no processo administrativo, ainda em andamento no Ministério Público. “Para nós é um dos mais gritantes casos de racismo”, avaliou.
O Meninos e Meninas de Rua e outras organizações da sociedade civil se reuniram com o Ministério Público e o procurador-geral de Justiça Mario Sarrubbo neste mês em busca de novidades acerca da denúncia. Ainda não há solução para o caso do babalorixá desabrigado.
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Ausência de políticas públicas em São Bernardo
A Uneafro, o instituto de Referência Negra PEREGUM e o Movimento Negro Unificado (MNU) também denunciaram a falta de dados sobre a população negra de São Bernardo do Campo, cortes de projetos socioeducacionais na cidade a ausência de políticas municipais de enfrentamento ao racismo.
Segundo os movimentos sociais, a falta de estatísticas dificulta a criação de políticas de combate ao racismo. “Sabe-se que São Bernardo do Campo é o 28º município, dentre os 50 municípios brasileiros com maiores números absolutos de mortes decorrentes de intervenção policial, e a 3ª com maior número absoluto no Estado de São Paulo, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública”, diz trecho da denúncia.
De acordo com a Lei Estadual nº16.758/2018, é obrigatório “a informação sobre cor ou identificação racial em todos os cadastros, bancos de dados e registros de informações assemelhados, públicos e privados, no Estado”.
Mesmo assim, não há categorias raciais entre as estatísticas da cidade. O Estatuto da Igualdade Racial, sancionado em 2010, também prevê a adoção de políticas e programas de ação afirmativas e “inclusão nas políticas públicas de desenvolvimento econômico e social”.
A política de cotas no Serviço Público Municipal também não foi implementada em São Bernardo.
À reportagem, a Prefeitura de São Bernardo do Campo informou somente que “aos dados sobre a população negra, a Prefeitura esclarece que os painéis estatísticos são abastecidos com dados provenientes dos últimos Censos Demográficos (2000 e 2010) divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)”.