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Babalorixá fica desabrigado após prefeitura não entregar imóvel prometido

Igrejas católicas e evangélicas não tiveram problemas para conseguir novos imóveis em São Bernardo do Campo (SP)
Imagem mostra fachada da antiga casa do babalorixá, em São Bernardo do Campo.

Imagem mostra fachada da antiga casa do babalorixá, em São Bernardo do Campo.

— Reprodução/Google Street View

30 de maio de 2023

O babalorixá Ronaldo do Carmo ficou sem ter onde morar após a desapropriação de seu terreiro de candomblé Ilê Aché Ojú Odê, em São Bernardo do Campo, no ABC Paulista.

De acordo com uma denúncia feita por movimentos sociais e apresentada à Promotoria de Justiça de São Paulo, a desapropriação do imóvel ocorreu em 2016 devido a um processo de urbanização da região de Ferrazópolis.

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Mesmo com documentação em mãos e após reuniões com a Prefeitura de São Bernardo do Campo, o babalorixá não recebeu um novo imóvel como, segundo ele, havia sido acordado. Além de templo religioso, o terreno desapropriado era herança de família e moradia de Ronaldo.

“Quando eu fui na prefeitura reabrir o processo, eles disseram que eu tinha desistido do processo”, afirmou o líder religioso.

Leia também: O que é antinegritude e como pode ser mais cruel que o racismo?

Igrejas católicas e evangélicas conseguiram novos imóveis

A assistente parlamentar Gabrielle Nascimento, da Bancada Feminista da Assembléia Legislativa de São Paulo (Alesp), que acompanha o caso, contou que igrejas católicas e evangélicas que também passaram pelo processo de desapropriação em São Bernardo não tiveram problemas para receber novos imóveis.

“Nas reuniões foi garantido que ele [Ronaldo] receberia a unidade religiosa, como os outros conseguiram de fato”, relatou a assistente parlamentar em entrevista à Alma Preta.

Diferente de outras instituições, de acordo com documento da prefeitura, o terreiro também funcionava como residência. Questionada pela reportagem, a atual gestão de São Bernardo do Campo afirmou que o imóvel consta apenas como de uso religioso.

“Em 2016, ainda na gestão passada, o Sr. Ronaldo do Carmo abriu processo administrativo solicitando inclusão em programa habitacional, alegando que residia [no local]. Contudo, o cadastro foi identificado apenas como de uso religioso, tendo o pedido indeferido”, diz nota enviada pela Prefeitura de São Bernardo do Campo.

Desabrigado e sem ter onde praticar o culto à religião de matriz africana, Ronaldo passou a morar de aluguel em diferentes endereços, onde relatou ter passado por várias situações de racismo religioso.

“Os vizinhos já chamaram a GCM [Guarda Civil Municipal], dizendo que fazíamos barulho, porque não queriam que eu tocasse mais lá”, recordou.

O babalorixá lembrou também que os funcionários da prefeitura foram desrespeitosos com os objetos do culto ao candomblé. “Eles pegaram os ibás, não deixou a gente preparar, e foi jogando em cima do caminhão de qualquer jeito”, disse.

A prefeitura não ofereceu um espaço para o armazenamento dos objetos e as peças foram transportadas para um local temporário cedido por uma filha de santo de Ronaldo.

Marco Cury, articulador do projeto Meninos e Meninas de Rua, presta apoio ao babalorixá no processo administrativo, ainda em andamento no Ministério Público. “Para nós é um dos mais gritantes casos de racismo”, avaliou.

O Meninos e Meninas de Rua e outras organizações da sociedade civil se reuniram com o Ministério Público e o procurador-geral de Justiça Mario Sarrubbo neste mês em busca de novidades acerca da denúncia. Ainda não há solução para o caso do babalorixá desabrigado.

Leia também: Babalorixá é xingado por vizinho e denuncia racismo religioso em SP

Ausência de políticas públicas em São Bernardo

A Uneafro, o instituto de Referência Negra PEREGUM e o Movimento Negro Unificado (MNU) também denunciaram a falta de dados sobre a população negra de São Bernardo do Campo, cortes de projetos socioeducacionais na cidade a ausência de políticas municipais de enfrentamento ao racismo.

Segundo os movimentos sociais, a falta de estatísticas dificulta a criação de políticas de combate ao racismo. “Sabe-se que São Bernardo do Campo é o 28º município, dentre os 50 municípios brasileiros com maiores números absolutos de mortes decorrentes de intervenção policial, e a 3ª com maior número absoluto no Estado de São Paulo, segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública”, diz trecho da denúncia.

De acordo com a Lei Estadual nº16.758/2018, é obrigatório “a informação sobre cor ou identificação racial em todos os cadastros, bancos de dados e registros de informações assemelhados, públicos e privados, no Estado”.

Mesmo assim, não há categorias raciais entre as estatísticas da cidade. O Estatuto da Igualdade Racial, sancionado em 2010, também prevê a adoção de políticas e programas de ação afirmativas e “inclusão nas políticas públicas de desenvolvimento econômico e social”.

A política de cotas no Serviço Público Municipal também não foi implementada em São Bernardo.

À reportagem, a Prefeitura de São Bernardo do Campo informou somente que “aos dados sobre a população negra, a Prefeitura esclarece que os painéis estatísticos são abastecidos com dados provenientes dos últimos Censos Demográficos (2000 e 2010) divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)”.

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  • Verônica Serpa

    Graduanda de Jornalismo pela UNESP e caiçara do litoral norte de SP. Acredito na comunicação como forma de emancipação para populações tradicionais e marginalizadas. Apaixonada por fotografia, gastronomia e hip-hop.

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