A Constituição Federal diz que o Brasil é um Estado Laico – onde todas as religiões contam com a proteção estatal e com a liberdade de suas crenças e cultos -, mas na realidade inúmeros são os casos de intolerância religiosa ocorridos pelo país, principalmente voltados às religiões provenientes do povo negro. Nesta semana, o alvo desse tipo de crime foi o babalorixá Pai Ivo da Xambá, nação presente em Pernambuco desde 1951.
Na última sexta-feira (23), o líder recebeu o título de Doutor Honoris Causa pelo reitor da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Alfredo Gomes. Para a instituição pública, a condecoração foi motivada pela contribuição do babalorixá como guardião e difusor do candomblé, das práticas, costumes, cultura e memória da matriz africana no Brasil. Pai Ivo de Xambá sucede, há 25 anos, a tradição deixada por sua mãe, a Iyalorixá Biu da Xambá.
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
A notícia, divulgada em grupos e em páginas de notícias nas redes sociais, foi motivo de alegria para ativistas, movimentos da luta antirracismo, demais líderes religiosos de crenças de matrizes africanas e praticantes dos cultos originários da população negra. O mesmo espaço foi usado para ataque de contas que não apresentavam a identidade correta dos usuários que, entre os comentários, associavam a contribuição do babalorixá a práticas espirituais maléficas.
Mesmo de conhecimento público que a nação à qual Pai Ivo pertence registra outros títulos como, em 2008, quando recebeu do Ministério da Cultura, em conjunto com a Fundação Cultural Palmares (FCP) e o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), o título de primeiro Quilombo Urbano do Brasil, os comentários negativos não pararam. “Deus odeia a feitiçaria e bruxarias são imundas aos do senhor Jesus Cristo” e “ele precisa de libertação” foram algumas das frases de discriminação proferidas nas redes.
Leia também: Do Museu Nacional da Bíblia a ‘Exu Corona’: violências simbólicas reforçam a intolerância religiosa no Brasil
“Isso nada mais é do que resultado de uma educação realizada por uma elite branca e cheia de preconceitos, não só com a religião. O que aconteceu comigo, simplesmente, é a reação daquilo que está adormecido nessas pessoas, mas não está morto. A convicção de não admitir, de forma alguma, uma pessoa negra, de liderança, receber um reconhecimento como este”, pontua o babalorixá, em entrevista à Alma Preta Jornalismo.
Como resposta aos comentários discriminatórios, uma reunião dentro da sede da Nação Xambá foi realizada na manhã desta quinta-feira (29). Ação conjunta foi realizada entre o líder religioso, membros da Xambá e os advogados Marcelo Santa Cruz e Antônio Carlos (Toinho). De acordo com informações passadas para a reportagem, uma peça judicial será preparada e, em seguida, uma representação junto ao Ministério Público de Pernambuco (MPPE) será apresentada.
“Faremos isto para que essas pessoas não ajam dessa forma e saiam impunes, causando constrangimento. Eu consigo resistir, mas e meus netos? Os mais jovens da nação que ainda não sabem se defender? Quero deixar isso de exemplo e pontuar que estes supostos praticantes não seguem o que dizem suas próprias religiões. Onde está o amor ao próximo?”, questiona e finaliza o babalorixá.
Leia também: Mulher trans denuncia ataques transfóbicos e de intolerância religiosa por parte de pastor