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Bahia: 8 em cada 10 mortos por acidente de trabalho são negros, revela estudo

A pesquisa destaca que mais de 55 mil anos de vida de trabalhadores negros foram perdidos, taxa quase três vezes maior que a dos trabalhadores brancos

Imagem mostra um trabalhador negro carregando blocos de telha sobre o ombro. Os negros são as principais vítimas de acidentes de trabalho na Bahia.

Foto: Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil

22 de julho de 2022

Um estudo elaborado por pesquisadores da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB) apontou que a soma de anos de vida que trabalhadores pretos e pardos perderam prematuramente por conta de acidentes de trabalho ultrapassa os 55 mil anos. Segundo a pesquisa, 8 entre 10 mortos por acidente de trabalho na Bahia são negros.

Na edição desta sexta-feira (22) da “Revista Brasileira de Saúde Ocupacional”, o artigo indica que foram 2.137 óbitos por acidente de trabalho no estado da Bahia no período analisado de 2000 a 2019. Correspondem a 84,9% os baianos negros que morreram por conta desses acidentes.

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Foi levantado pela pesquisa o indicador que mensura os anos potenciais de vida perdidos, que considera o tempo de vida perdido resultante do óbito e possibilita mensurar o valor social das mortes precoces para compreender o prejuízo econômico, social e intelectual das mortes prematuras.

Ao todo, as mortes por acidentes de trabalho na Bahia corresponderam a mais de 64 mil anos potenciais de vida perdidas que poderiam ter sido vividas, dos quais 85,4% (55.322,5) anos envolveram trabalhadores pardos e pretos. A taxa entre os trabalhadores negros é quase três vezes maior que a dos trabalhadores brancos, de acordo com informações também divulgadas pela Agência Bori.

O estudo destaca que os acidentes de trabalho fatais no estado da Bahia, de 2000 a 2019, ocorreram predominantemente entre os homens, adultos e jovens, de raça/cor da pele parda, decorrentes majoritariamente de acidentes de transporte, seguida de outras causas externas de traumatismo acidentais.

“A mortalidade precoce por acidentes de trabalho representa um relevante problema de saúde pública, destacando-se entre trabalhadores não-brancos”, informa o artigo. Em média, trabalhadores pretos e pardos eram mais novos quando morreram nesse contexto. Quanto mais jovem, mais anos potenciais de vida perdidos.

O estudo utiliza dados provenientes do portal do Departamento de Informática do Sistema Único de Saúde (Datasus), extraídos no período de 17 de janeiro de 2019 a 3 de dezembro de 2020 e complementados em 30 de março de 2022, com finalidade de atualização.

Acidentes de trânsito e transporte são as maiores ocorrências

Do total (2.137) de registros de óbitos por acidente de trabalho na Bahia na faixa etária de 16 a 70 anos, 56,5% (1.208) foram ocasionados por acidentes de trânsito, seja envolvendo motoristas ou de trajeto (referente ao deslocamento do trabalhador ao seu ambiente habitual de trabalho). As ocorrências envolvendo automóvel, caminhonete, ônibus ou veículo de transporte corresponderam a mais da metade (53,2%) do total de óbitos em trabalhadores por acidentes dessa categoria.

O restante dos acidentes é decorrente de outras causas externas de traumatismo acidental, como a exposição à corrente elétrica/radiação/temperaturas e pressões do ambiente (26,5%), quedas (24,4%), exposição a forças mecânicas (17,3%), afogamento (13,6%), entre outras causas.

“Além disso, houve predominância dos óbitos nas faixas etárias intermediárias em todas as categorias de raça/cor da pele. Do total dos óbitos, 27,3% ocorreram na faixa etária de 30 a 39 anos, e 23,6% na faixa etária de 40 a 49 anos”, pontua o estudo.

O que os dados revelam sobre as condições de trabalho?

O autor responsável pelo estudo, Felipe Souza Dreger Nery, doutor em Epidemiologia em Saúde Pública e pesquisador da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS), explica que, de forma indireta, os dados da pesquisa revelam disparidades importantes na vitimização por acidentes de trabalho ao evidenciar maior sobrecarga desse agravo na população de trabalhadores negros.

“Primeiramente, ao observarmos que os negros são vítimas desses acidentes em idade mais jovem, e segundo, pela taxa de anos potenciais de vida perdidos também ser maior. Esses resultados corroboram, em parte, com a inserção do negro em atividades laborais de maior risco, em locais de maior insalubridade e periculosidade, e muitas vezes sem o acesso/uso/treinamento adequado dos equipamentos de proteção individual e coletivo”, ressalta o pesquisador.

O artigo destaca também que as mortes relacionadas aos acidentes de trabalho carregam danos em níveis pessoais, familiares, sociais e econômicos. Estima-se que, anualmente, cerca de 2,3 milhões de mortes no mundo ocorram por conta do trabalho, sendo que 318 mil são de acidentes e outras 2 milhões de doenças atreladas à função.

“Importa destacar que a raça ocupa centralidade na configuração histórica do mundo do trabalho. A organização socioeconômica e política do Brasil revela diferenciais expressos na distribuição de renda e na reprodução das desigualdades, apresentando um mercado de trabalho negativamente seletivo para os negros, os quais concentram-se em ocupações informais e precárias e recebem remunerações sistematicamente inferiores”, explica o estudo.

Subnotificação e importância de políticas públicas

O pesquisador Felipe Souza Dreger Nery ressalta que é muito provável que os resultados apresentados pelo artigo estejam subestimados e a realidade seja muito mais grave do que demonstrado no estudo.

“Infelizmente a declaração de óbito não é preenchida em sua completude e compromete diversas informações, entre elas a própria classificação do acidente, se de trabalho ou não, e a Classificação Brasileira de Ocupações, que permitiria analisar as atividades laborais exercidas por essas vítimas”, explica.

Segundo Nery, felizmente, ao longo dos anos, como demonstrado em outros estudos, a classificação de raça/cor e etnia vem melhorando, em particular, no sistema de informação sobre mortalidade, base de dados que utilizam no estudo.

“Entretanto, estimativas fidedignas sobre a distribuição da população segundo raça/cor e etnia, incluindo a população trabalhadora, ainda é uma questão a ser superada”, pontua.

O artigo também aponta que é possível que um percentual maior de não notificações quanto às circunstâncias do óbito seja de trabalhadores negros, suposição reforçada pela reconhecida dificuldade de acesso de trabalhadores pretos ao mercado formal de trabalho.

São poucos os estudos que evidenciam as diferenças raciais e o impacto social das mortes precoces por conta do trabalho, o que também colabora para a falta de políticas públicas que busquem superar essas desigualdades.

“Melhorar a qualidade dos registros; instrumentalizar trabalhadores e empregadores sobre a importância da notificação do acidente de trabalho através da CAT; propiciar um ambiente de trabalho que vise a prevenção dos acidentes; qualificar o trabalhador e dispor de recursos para que esses acidentes sejam prevenidos, incluindo EPI e EPC adequados”, são alguns dos passos elencados por Felipe e que podem ser adotados a partir de estudos como o publicado hoje.

“De acordo com alguns estudiosos, as políticas públicas voltadas a essa questão poderão refletir de forma positiva na redução dos acidentes de trabalho fatais, tanto na sua prevenção quanto na melhoria das informações sobre esse agravo no Sistema Único de Saúde (SUS), visto que as notificações dos acidentes de trabalho fatais constituem fonte primária para as ações de vigilância ocupacional”, também pontua o artigo.

Leia também: Apenas 15% dos presos conseguem trabalhar no Brasil

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