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Câmeras corporais são a solução para a redução da letalidade policial no Brasil?

Especialistas avaliam que o uso dos equipamentos precisam estar acompanhados de uma série de transformações políticas, inclusive sob o ponto de vista do debate racial; levantamento da Alma Preta Jornalismo revela como está essa política em diferentes estado do país

Imagem enquadra uma câmera acoplada em uma farda

Foto: Foto: Rovena Rosa / Agência Brasil

17 de maio de 2022

Utilizada em ao menos em três estados brasileiros, as câmeras de segurança no uniforme policial se tornaram um ponto central no debate sobre a redução da letalidade policial e da proteção dos agentes de segurança pública no Brasil.

Em Santa Catarina, o projeto para o uso das câmeras começou em 2018 e atualmente a Polícia Militar do estado conta com mais de duas mil câmeras corporais acopladas em pelo menos um policial de cada guarnição. Em Rondônia, 1.250 câmeras são utilizadas pela PM do estado.

Já em São Paulo, o uso dos equipamentos resultou na redução de 87% no número de confrontos e queda de 32,7% nas ocorrências de resistência às abordagens policiais.

Apesar dos números e dos resultados decorrentes do uso das câmeras nas fardas policiais, é possível dizer que os equipamentos são suficientes para reduzir a letalidade policial no país? Para especialistas, além do uso, a adoção das câmeras precisam estar acompanhadas de uma série de transformações institucionais e políticas, inclusive sob o ponto de vista do debate racial.

camera gov de sp siteFoto: Divulgação/Governo de São Paulo

“As câmeras são um ponto dentro de uma transformação discursiva, inclusive sobre a questão da seletividade racial da atuação policial”, comenta Dennis Pacheco, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e fundador do coletivo Negro Vozes.

Segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, em 2020, 100% das pessoas mortas pela letalidade policial em Salvador foram homens negros. Cerca de 75% dessas vítimas não chegaram a ser detidas e levadas a julgamento e tinham idade entre 25 anos e 29 anos.

Na Bahia, o teste das câmeras acopladas ao uniforme policial foi anunciado em agosto do ano passado e ainda não foi implantado de forma definitiva.

O uso do equipamento tem sido cobrado por movimentos sociais e familiares de vítimas da violência policial, como da comunidde Gamboa, onde três jovens negros foram mortos após suposto confronto com policiais. De acordo com o inquérito da Polícia Militar, divulgado exclusivamente pela Alma Preta, há indícios de que ao menos um dos jovens foi executado pela polícia.

“As câmeras constituem, sim, um instrumento importante mas que, como é apontado pelos movimentos negros, o que a gente precisa é de mudanças de caráter político e administrativo. Não é preciso um salvador tecnológico para reduzir a letalidade policial e seletividade racial das polícias”, ressalta o pesquisador Dennis Pacheco.

Um estudo produzido por pesquisadores da Universidade de Stanford, na Califórnia, aponta que a utilização das câmeras por policiais no Rio de Janeiro produziu um efeito de “despoliciamento”, em que os policiais eram menos propensos a se envolver em atividades como abordagens e atendimentos de chamados. Além disso, o estudo também concluiu que apenas a tecnologia não é suficiente para reduzir a violência policial.

De acordo com Pablo Nunes, cientista social, pesquisador e coordenador da Rede de Observatórios da Segurança, os efeitos do uso dessa tecnologia no Brasil ainda são recentes e precisam ser acompanhados de forma assertiva em conjunto com outras modificações estruturais.

“A gente ainda está tentando entender quais são esses efeitos. Por mais que a gente saiba que no contexto internacional são poucos os estudos que pontuam que há, sim, uma redução importante da criminalidade e do controle do uso da força policial com o uso de ‘bodycams’, a gente vê um efeito discreto dessas câmeras, mas a gente também vê o caso de São Paulo com muito interesse e curiosidade porque parece apontar para um outro resultado diferente do que a gente vê no contexto internacional”, avalia o pesquisador.

Conforme Pablo Nunes, que também pesquisa sobre o uso de tecnologias de reconhecimento facial na segurança pública, é preciso uma estruturação no uso dessas ferramentas tendo em vista que elas também influenciam na revitimização e recriminação de determinadas parcelas da população.

“As câmeras e outras tecnologias, como a de reconhecimento facial, não podem ser compreendidas apenas como ferramentas tecnológicas. Elas têm que vir acompanhadas de uma reestruturação e estruturação de sistemas, de instâncias de controle, acompanhamento, avaliação e de reavaliação dessas câmeras, de protocolos e indicadores de eficiência”,

“Não há como a gente pensar que comprar cinco mil câmeras, instalar em policiais e pronto, a mágica está feita. A gente não pode acreditar que isso é um cenário possível. Ainda mais pelo seu caráter de experimentação aqui no Brasil, elas precisam ser acompanhadas, avaliadas para se entender qual é a efetividade, se o uso é benéfico para a segurança pública e qual é o saldo entre a produção positiva – caso haja -, o custo de aquisição, manutenção e acompanhamento dessas câmeras”, completa Pablo Nunes.

Levantamento

A Alma Preta Jornalismo produziu um levantamento sobre o uso das câmeras no uniforme policial nas 27 unidades federativas (UFs), em que questionou se as UFs usam os equipamentos; se sim, quais batalhões possuem as câmeras; qual a porcentagem de policiais que atuam com os equipamentos; se houve redução da letalidade nos batalhões que adotaram os equipamentos; se houve queda em comparação com o período em que as câmeras não eram utilizadas; e, caso o Estado não adotasse as câmeras, qual era a previsão de instalação.

Ao todo, dez UFs responderam, sendo que seis informaram que ainda não utilizam os equipamentos ou estão em fase de análise para implementação, são eles: Amapá, Ceará, Distrito Federal, Espírito Santo, Mato Grosso e Pernambuco.

No Rio Grande do Sul, as câmeras corporais estão em fase de testes desde abril do ano passado. Por meio do programa “Avançar na Segurança”, o governo do Estado pretende viabilizar o investimento de 288,4 milhões nas forças de segurança e na implantação de um projeto-piloto com uso de 300 câmeras. Já Rondônia não disponibilizou os dados referentes ao uso das câmeras corporais nas polícias do estado. Apenas São Paulo e Santa Catarina informaram que já utilizam as câmeras nos batalhões.

Não responderam: Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Pará, Paraíba, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Roraima, Sergipe e Tocantins. A reportagem não conseguiu contato com a Secretaria de Segurança Pública do Mato Grosso do Sul.

Veja o que respondeu cada uma das UFs que deram retorno:

Amapá

“O Estado do Amapá ainda não adota o uso de câmeras corporais nas suas forças policiais. Há em curso um planejamento de implantação das mesmas, no qual a empresa contratante que fornece ao Estado de São Paulo já visitou a secretaria para apresentar os seus materiais disponíveis, porém, ainda não há prazo determinado para a aquisição e implantação do sistema de monitoramento”, diz o posicionamento.

Ceará

“A Secretaria da Segurança Pública e Defesa Social do Ceará (SSPDS-CE) informa que foi criado um grupo de trabalho no Colégio Nacional dos Secretários de Segurança Pública (Consesp) para realizar um estudo sobre o uso de câmeras em uniformes e viaturas policiais. A SSPDS-CE aguarda a conclusão desse levantamento, que deve trazer informações sobre os custos de implantação e efetividade da ferramenta, entre outros dados, para deliberar sobre o assunto. A partir desse estudo, a SSPDS vai avaliar a utilização ou não das câmeras”, informa.

Distrito Federal

“A PMDF ainda não possui bodycam. Informamos que a instituição está em fase de chamamento público a fim de oportunizar ao mercado um diálogo competitivo para que possamos estudar qual a melhor tecnologia que se enquadra na necessidade da Corporação. Uma comissão já foi montada a fim de elaborar todos os estudos necessários para licitar a compra dessas câmeras”.

Espírito Santo

“A Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (Sesp) do Espírito Santo informa que uma equipe de Governo esteve em São Paulo, em 2021, realizando visita técnica à Polícia Militar, onde teve oportunidade de conhecer o modelo utilizado na instituição. Há previsão de implantação da tecnologia na polícias Militar e Civil do Espírito Santo, porém, há a necessidade de uma regulamentação desse dispositivo no País, fato que fez com que o Conselho Nacional de Secretários da Segurança Pública (Consesp) emitisse uma minuta, como proposta, ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, com objetivo de que haja uma padronização operacional e jurídica em todo o País, acerca do tema, que está em discussão e construção”.

Mato Grosso

“O Estado de Mato Grosso, e logicamente a SESP e Polícia Militar estão planejando o uso da ferramenta de Body Cam, nas ações de segurança pública dentro deste continental Estado. Para tanto, está sendo produzido um Estudo Técnico Preliminar para elencar os requisitos necessários que o equipamento deva ter, bem como os riscos e ganhos, além do formato de contratação. Ainda não se encontra nenhum equipamento em uso, onde estamos na fase de requisitos técnicos e operacionais do sistema de gerenciamento de evidências para conclusão do estudo técnico”. Sobre a previsão de instalar as câmeras, a secretaria respondeu que: “será implementado após a conclusão do Estudo Técnico do equipamento e metodologia de emprego e custódia das imagens”.

Pernambuco

“A PMPE está desenvolvendo projeto-piloto para a utilização de câmeras corporais por parte do efetivo, as chamadas bodycams. O projeto de iniciativa do Estado foi apresentado ao Ministério da Justiça e Segurança Pública, que firmou convênio com Pernambuco, e está previsto para começar ainda em 2022, em caráter experimental, no 17º Batalhão da PMPE, sediado em Paulista, Região Metropolitana do Recife.

Está em licitação, executada pela PMPE, a compra de 187 câmeras individuais, incluindo 10 estações computadorizadas e 196 baterias sobressalentes. Além disso, o Estado investirá em uma sala de bodycam no 17º Batalhão da PMPE (para guarda, carregamento dos equipamentos e armazenamento de imagens) e em treinamento do efetivo.

Assim que finalizado todo o processo licitatório, as informações serão divulgadas no Diário Oficial do Estado e no Sistema PE Integrado”

Rio Grande do Sul

“A utilização de câmeras corporais pelas polícias aqui no Rio Grande do Sul encontra-se em fase de testes para, na sequência, viabilizar a implantação de um projeto-piloto anunciado e com recursos já garantidos pelo governo do Estado, por meio do programa Avançar na Segurança. Não há, no momento, dados sobre eventual impacto na letalidade resultante de oposições à intervenção policial, uma vez que o número de equipamentos utilizados nessa etapa de testagem é pequeno”.

Rondônia

A Secretaria de Segurança Pública de Rondônia argumentou, por meio de portaria, que os dados solicitados se tratam de informação sigilosa e não disponibilizou os números dos impactos do uso das câmeras nas corporações do estado.

“Informo-vos da publicação da Portaria nº 3553 de 15 de abril de 2021, no Diário Oficial de Rondônia nº 78, disponibilizado em 15/04/2021, que dispõe sobre a tabela de classificação de sigilo dos assuntos que especifica, da Polícia Militar do estado de Rondônia, em face da Lei Federal nº 12.527, de 18 de novembro de 2011 e Decreto Estadual nº 17.145, de 1º de outubro de 2012.

Como estabelecido no artigo 1º da citada portaria, por se considerar dados, classificados como informação sigilosa, deixo de apresentar os dados solicitados”, informa um trecho da nota.

Santa Catarina

“A Polícia Militar de Santa Catarina iniciou o projeto do uso de câmeras individuais em 2018. Desta forma, o uso e a quantidades atuais das câmeras estão projetadas para que pelo menos um dos policiais de cada guarnição esteja equipado, tendo até o momento um resultado satisfatório.

Atualmente a Polícia Militar de Santa Catarina dispõe de 2245 câmeras corporais. Isso significa que, em todos os turnos operacionais, pelo menos um dos dois policiais de cada guarnição está equipado com a câmera.

Como respondido anteriormente, todos os BPMs da Polícia Militar de Santa Catarina utilizam as câmeras corporais. Atualmente, o número de câmeras e o trabalho que está sendo realizado está de acordo com as demandas da PMSC.

Não há como vincular a queda da letalidade policial ao uso das câmeras corporais. A criminalidade em Santa Catarina apresenta queda em todos os crimes nos últimos 12 meses. Assim sendo, a Polícia Militar de Santa Catarina, em conjunto com todas as demais forças de Segurança do Estado, estão diariamente interagindo com ações para que o território catarinense seja um dos mais seguros do país”.

São Paulo

“Levantamento da Polícia Militar do Estado de São Paulo revela que o uso das câmeras operacionais portáteis (COP) contribui diretamente para ampliar a segurança dos policiais em serviço. De acordo com os dados analisados, entre os meses de junho e outubro, ao longo dos últimos três anos (2019-2021), as ocorrências de resistência às abordagens policiais caíram 32,7% nos batalhões que utilizam os equipamentos. A queda é 13 pontos percentuais mais acentuada do que a observada em unidades que não contam com a tecnologia, que caiu 19,2% no mesmo período.

Outro dado que chama atenção na análise é a redução no número de confrontos, preservando diretamente a vida dos policiais. Entre os batalhões que contam com câmeras acopladas aos uniformes, a redução dessas ocorrências foi de 87% – resultado 10 vezes mais expressivo do que o apurado nas unidades que não dispõem das bodycams”.

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