No dia 14 de setembro, três mulheres negras foram impedidas de embarcar em um voo para Maputo, Moçambique, realizado pela companhia “Taag Linhas Aéreas de Angola”, mesmo em posse de todos os documentos necessários.
A viagem estava agendada para que elas, que são da zona sul de São Paulo, pudessem participar do 14º Congresso Mundos de Mulheres, evento internacional que congrega acadêmicas e ativistas, que ocorreu entre os dias 19 a 23 de setembro na capital moçambicana.
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Segundo publicação divulgada nas redes sociais da designer gráfica Silvana Martins, que foi uma das mulheres impedidas de viajar, a situação ocorreu no Aeroporto Internacional de Guarulhos. Ela e as companheiras chegaram ao local de check-in da Taag Linhas Aéreas às 14h50 para o voo que estava marcado para às 18h15.
Ao serem atendidas por um dos funcionários da empresa, todas entregaram os documentos, como passaportes e as cartas da organização do congresso e da Universidade confirmando a participação delas no evento e solicitando entrada em Moçambique.
Os documentos das três mulheres foram entregues para um encarregado da operação da companhia Taag, que prontamente exigiu que elas se retirassem da fila para eles seguirem com outros atendimentos, já que elas não poderiam fazer o check-in sem o visto. Mesmo diante de toda a insistência para tentar resolver o caso, mostrando todas as cartas e comprovações, a designer gráfica conta que três funcionários encarregados que se envolveram no ocorrido as impediram de fazer o check-in e de serem atendidas.
“Mesmo com a informação de que já havia autorização junto a Taag para embarcar, estes funcionários se recusaram a atender o nosso pedido”, ressalta Silvana Martins.
De acordo com a designer gráfica, um funcionário da companhia aérea em Maputo, que tinha a autorização intermediada por uma representante da Comissão Organizadora do Congresso, chegou a entrar em contato com a companhia em Guarulhos, mas uma das funcionárias encarregadas informou que o voo já estava completo e que os lugares já estavam ocupados com a fila de espera, não sendo possível o embarque.
“Ficamos lá até fecharem o serviço e o voo. Esperamos por duas horas na frente da loja da Taag para alguma posição até que apareceu uma atendente e nos informou que tampouco conseguiríamos pedir remarcação, pois não havia vaga para o próximo voo para Maputo nesta sexta-feira (16) e também tinha fila de espera ou overbooking (excesso de reservas)”, explica.
“E, caso conseguíssemos luga, teríamos que pagar 300 dólares para remarcação e 300 dólares de não comparecimento, cada uma. Tentamos contato pelos canais oferecidos no site porém não obtivemos resposta”, complementa Silvana Martins.
Racismo
De acordo com Silvana Martins, após muita pressão, ela e mais uma das mulheres que iriam participar do evento internacional conseguiram embarcar no dia 16 de setembro.
“Até o momento que fomos ao aeroporto não tínhamos a confirmação de que conseguiríamos o lugar no voo, nem o check in, já que não tínhamos o nosso nome na lista que a imigração de Moçambique tinha liberado inicialmente”, explica à Alma Preta Jornalismo.
Já a produtora cultural Dandara Kuntê não embarcou após a primeira tentativa. “Na sexta-feira (16), as duas conseguiram embarcar com muitos esforços e pressão de amigues, instituições e suporte jurídico. Decidi não fazer a viagem, porque, depois de tudo que aconteceu, o meu sonho de viajar para Moçambique tinha terminado na quarta-feira (14) e eu jurei que não iria cair em mais uma armadilha do racismo”, destaca Dandara.
“Isso significou uma grande perda para nós que tínhamos nos organizado para estar lá em 7 mulheres e ficamos em 6. Na segunda tentativa, não pagamos taxa nenhuma para embarcar. Somente chegamos e, com a mesma documentação da primeira tentativa, embarcamos. Na volta não tivemos nenhum problema. Tudo normal, check in, embarque e chegada”, conta Silvana Martins.
De acordo com ela e a produtora cultural Dandara Kuntê, o caso pode ser considerado racismo.
“Sem dúvida foi racismo, dos funcionários que nos atenderam e não davam margem para buscar soluções, pois outras companhias embarcaram mulheres que iam para para o congresso com a mesma documentação que tivemos”, pontua Silvana.
“O caso foi, sim, racismo, porque não tinha nada irregular ou fora dos procedimentos de uma viagem internacional. Fomos informadas que aconteceram outros casos nesse mesmo formato: racismo com mulheres negras”, também complementa a produtora cultural Dandara.
Posicionamento da companhia aérea
A Alma Preta Jornalismo enviou um pedido de posicionamento sobre o caso das mulheres impedidas de viajar pela companhia aérea e questionamentos sobre as medidas cabíveis a serem adotadas em relação aos funcionários envolvidos no ocorrido.
Em nota, a empresa informou que tomou conhecimento da situação e que houve o alinhamento entre as equipes para que as passageiras pudessem embarcar no dia 16 de setembro. “Naturalmente, a companhia vai averiguar o sucedido e, igualmente, o âmbito da melhoria de processos”, também informam.
A “Taag Linhas Aéreas de Angola” também complementou que a empresa trabalha no atendimento a passageiros com uma ferramenta de documentação obrigatória, onde estão espelhadas on-line as premissas necessárias para que um determinado passageiro possa ser atendido para um destino.
“As passageiras que não seguiram viagem não estavam em posse de toda a documentação exigida. Essa documentação só chegou ao balcão da Taag depois do Check in fechado. As áreas internas da TAAG relevantes ao processo facilitaram todavia o embarque das passageiras (sem penalização) para o serviço de sexta-feira (16 de setembro). A Taag é uma companhia com diversas escalas internacionais e que tem a sua base em Angola. Faz parte do nosso DNA o respeito pela diversidade”, informaram.
Silvana Martins ressalta que não faltou documentação, como informado pela empresa.
“Tínhamos uma carta convite assinada pelos responsáveis da organização do congresso entre outras documentações que, segundo a própria embaixada, era o suficiente para aplicarmos para o visto no aeroporto em Maputo. Como de fato aconteceu. A organização do evento já estava em contato direto com o departamento de migração em Maputo, todos já sabiam da realização do congresso e dessa documentação para pedir o visto na entrada. A Taag ignorou essas informações”, explica.
A produtora cultural Dandara Kuntê complementa que foram feitas denúncias através das redes sociais da TAAG e receberam apoios jurídicos. Também pensam em denunciar a empresa formalmente. “A viagem que seria dos sonhos se tornou pesadelo e, até hoje, lamento e sofro com tudo isso que aconteceu. Espero que a justiça seja feita”, finaliza.
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