Mesmo após declarar que “problema da escravidão aqui no Brasil foi porque o índio não gosta de trabalhar”, o procurador Ricardo Albuquerque não responderá processo administrativo
Texto: Flávia Ribeiro | Edição: Nataly Simões | Imagem: MP/PA
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Por sete votos a dois, o Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) decidiu arquivar o pedido de abertura de Processo Administrativo Disciplinar (PAD) contra o procurador Ricardo Albuquerque. O julgamento iniciado em março deste ano chegou a ser adiado oito vezes. O pedido de abertura de processo veio após o procurador fazer declarações racistas em uma atividade realizada com estudantes, no Ministério Público do Pará, em novembro de 2019.
“Nenhum de nós aqui, se você for ver sua família há 200 anos atrás [sic], tenho certeza que nenhum de nós trouxe um navio cheio de pessoas da África para ser escravizadas aqui. E não esqueçam, vocês devem ter estudado História, que esse problema da escravidão aqui no Brasil foi porque o índio não gosta de trabalhar, até hoje. O índio preferia morrer do que cavar mina, do que plantar pros (sic) portugueses. O índio preferia morrer. Foi por causa disso que eles foram buscar pessoas nas tribos na África, para vir substituir a mão de obra do índio. Isso tem que ficar claro, ora”, declarou Albuquerque, em trecho gravado e divulgado, à época.
Para sete conselheiros do CNMP, o procurador fez uso da “liberdade de cátedra” e suas falas não se enquadram no crime de racismo por terem sido proferidas em um ambiente com poucas pessoas. Em março, o relator do caso, Rinaldo Reis, votou pela instauração do processo, mas mudou o entendimento e votou com a maioria. Os votos contrários foram dos conselheiros Sebastião Vieira Caixeta e Humberto Jacques de Medeiros votaram. Em seu voto, Caixeta reforçou: “Reiteramos que a liberdade de cátedra não autoriza a manifestação preconceituosa do Ministério Público”.
Nenhum dos conselheiros do CNMP é negro. O julgamento resulta de uma reclamação disciplinar apresentada em dezembro passado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombo do Pará (Malungu), Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), Centro de Estudos e Defesa do Negro do Pará (Cedenpa), Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional do Pará, Terra de Direitos, entre outras organizações.
Em nota, as entidades responsáveis pelo pedido criticaram a decisão e exigiram a abertura do procedimento disciplinar, julgamento e responsabilização de Albuquerque por seu pronunciamento. O texto pontua que esse tipo de discurso não é isolado e reflete a própria estrutura branca, racista e patriarcal do sistema de justiça.
“Uma das principais consequências do discurso racista da autoridade pública é desonerar o Estado da obrigação de implementar direitos fundamentais da população negra, legitimando a falta de compromisso do Estado através de discursos que negam o racismo e culpabilizam a população negra pelos resultados de um sistema de desigualdade racial. O discurso racista também tem por objetivo negar a diferença de populações negras e indígenas, negando-lhes direitos através de uma defesa da sua integração à sociedade nacional”, diz o texto.
No Censo da Magistratura Brasileira de 2018, promovido pelo Conselho Nacional de Justiça, mais de 80% dos entrevistados se declararam brancos e apenas 18% negros. Isso reflete que 4/5 de juízes e procuradores são brancos, apesar de mais da metade da população brasileira ser negra. Já o CNMP, composto por 11 Conselheiros, possui duas mulheres e nenhuma pessoa negra.
O Alma Preta entrou em contato com o Ministério Público do Pará, que por meio da assessoria de comunicação disse que não irá se manifestar sobre a decisão do Conselho Nacional do Ministério Público.