Igor Barcelos, 21, foi detido em outubro de 2016 após ser fotografado por PM enquanto estava internado; horário do crime do qual é acusado, que ocorreu em Guarulhos, coincide com o mesmo instante em que ele estava no hospital, na Zona Norte de São Paulo. No dia 5 de março, movimento negro organiza ato pela liberdade de Igor
Texto / Amauri Eugênio Jr.
Foto / Arquivo pessoal
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Um garoto respeitador e responsável, que sempre pedia a bênção à mãe e ao padrasto, e trabalhava como ajudante em um supermercado para colaborar com as despesas de casa. É desse modo que Elisabeth Barcelos fala de seu filho, Igor Barcelos Ortega, 21. Essa descrição não tem relação alguma com a de um criminoso acusado de tentativa de latrocínio – roubo seguido de assassinato –, delito pelo qual está preso desde outubro de 2016 e aguarda o resultado do julgamento do recurso de apelação, marcado para 8 de março.
Elementos do processo mostram contradições que, no mínimo, fazem a versão aceita pela Justiça ser questionada.
Na madrugada de 2 de outubro de 2016, o jovem voltava de moto com alguns amigos de uma festa no Jardim Recanto Verde, na Zona Norte de São Paulo, quando uma pessoa efetuou disparos contra ele – um dos tiros acertou a sua perna esquerda. Após a queda, o irmão, que estava com um amigo em uma moto, saiu correndo em sua direção e pediu para o atirador não matar o jovem.
Imagens de câmeras de segurança que filmaram Igor quando ele foi alvejado por um tiro (Imagem: Arquivo pessoal)
“O atirador viu o amigo do meu filho indo em direção deles para pedir para ele parar, para mostrar que eles não eram ladrões, mas sim trabalhadores. Foi quando o irmão o pegou no colo e foi para a avenida pedir socorro”, relata Elisabeth sobre aquela noite.
“Um amigo passou de moto e socorreu o meu filho até o Hospital São Luiz Gonzaga [Jaçanã, Zona Norte]. Após algum tempo, amigos dele foram à minha casa para avisar que ele havia sido baleado e levado ao hospital. Fomos até lá, alguns policiais chegaram e pegaram o meu RG para fazer um Boletim de Ocorrência, pois [alegavam que] ele havia sofrido uma tentativa de latrocínio”, completa a mãe do jovem.
A reviravolta inesperada
Igor, internado como vítima de uma tentativa de latrocínio, viu sua situação mudar em questão de horas. Durante esse intervalo, um PM o havia fotografado dentro do hospital e mostrado a imagem a uma vítima de tentativa de latrocínio, cujo veículo modelo Gol havia sido roubado na mesma noite em Guarulhos, na Grande São Paulo.
A pessoa o reconheceu como um dos autores do crime, o que fez Igor sair da condição de vítima para a de acusado.
Os policiais alegavam que ele era um dos quatro integrantes de um grupo que cometeu o crime de tentativa de latrocínio em Guarulhos, e que havia disparado cinco tiros contra o carro do PM Felipe Bruno dos Santos Pires, proprietário de um Fiat Idea, também em Guarulhos.
Essa versão reforça as contradições do episódio, segundo a perícia. De acordo com o estudo feito sobre o caso, a tentativa de latrocínio aconteceu às 5h40, enquanto o jovem dava entrada às 5h44 no hospital, o que torna improvável a possibilidade de percorrer 12,2 km, a distância entre os dois locais, em quatro minutos. Além disso, enquanto o proprietário do Gol o reconheceu como sendo o assaltante, o PM dono do Idea, não o identificou como sendo o criminoso.
Documento da perícia com os horários do roubo e da internação de Igor, sendo mais elementos para contestar a versão de que ele era um dos assaltantes (Imagem: Arquivo pessoal)
Apesar das divergências entre as duas versões, o Boletim de Ocorrência registrado contra Igor levou em conta apenas o relato dos PMs que o incriminaram. Vale destacar que, na mesma noite, foi detido o jovem Rodrigo Generoso, que confessou ter cometido o crime e afirmou que não conhecia Igor.
Além disso, o resultado da perícia solicitada por Elisabeth, feita de modo independente, comprova a inocência de Igor.
Ainda assim, ele ficou internado por 15 dias no Hospital Geral Vila Penteado, e depois foi levado ao 7º Distrito Policial, em Guarulhos, onde ficou detido por um dia. Na sequência, passou mais três dias no 1º Distrito Policial até ser encaminhado ao Centro de Detenção Provisória 1, também no mesmo município, onde ficou por oito meses.
O primeiro julgamento
A primeira audiência, realizada em 3 de abril de 2017, ratificou a condenação de Igor, cuja pena estabelecida foi de 15 anos e seis meses.
Após o julgamento, Igor passou oito meses detido em Osasco, cidade da Grande São Paulo, e está há seis meses preso em uma penitenciária em Uirapuru (MT).
A esperança
Marcado para o dia 8, o julgamento do recurso de apelação terá três desembargadores que analisarão o caso de Igor. Três dias antes, na segunda-feira (5), acontecerá na Praça da Sé, às 16h, um ato para pedir a liberdade do jovem.
Perícia retrata distância de onde Igor estava para o local onde ocorreu o roubo do veículo (Imagem: Acervo pessoal)
Ela torce para o equívoco judicial ser desfeito. “A justiça errou. Eles deveriam ter colocado o meu filho em uma delegacia e tê-lo apresentado às vítimas para reconhecê-lo pessoalmente, não por fotografia. E ele está preso sendo inocente, sofrendo em uma cadeia, sem poder se defender e a Justiça continua segurando-o lá dentro”, ressalta.
O outro lado
Em 26 de fevereiro, a reportagem do Alma Preta entrou em contato com a assessoria de imprensa da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo para questionar a pasta sobre o episódio.
Até a publicação desta reportagem, em 2 de março, a pasta anunciou que a Polícia Civil de Guarulhos informa que “a ocorrência foi registrada no 7º DP de Guarulhos como roubo, lesão corporal decorrente de oposição à intervenção policial e legítima defesa”, sendo que Igor Barcelos Ortega está entre os indiciados. Ainda de acordo com a SSP-SP, “o caso foi investigado por meio de inquérito policial e encaminhado à Justiça” e que informações sobre o processo devem ser solicitadas à Vara Criminal.
Em resposta enviada à reportagem às 16h14 de 2 de março, o Ministério Público do Estado de São Paulo encaminhou documento da 1ª Vara Criminal de Guarulhos no qual consta que Rodrigo Generoso, Igor e outras duas pessoas não identificadas roubaram um Volkswagen Gol às 4h25, e tentaram roubar um Fiat Idea às 5h40, quando houve troca de tiros. Contudo, o posicionamento do MPSP apresenta pontos conflitantes em comparação com os da defesa.