A chuva e o céu cinza faziam São Paulo ter uma única nuvem. Chovia a ponto de alagar a cidade, atrasar a chegada das pessoas para a atividade e molhar as meias dos participantes. O clima contrastava com os sacos de presente, as salsichas cozinhadas, e algumas camisetas da Amparar, que davam um tom vermelho e natalino para o encontro.
A Associação de Amigos/as e familiares de presos/as (Amparar) organizou nos sábados dos dias 21 e 14 de dezembro, nos bairros de Itaquera e Sapopemba, respectivamente, uma festa de Natal para as famílias com pessoas presas. A organização, que tem 20 anos de existência, promove a festa desde o início da sua trajetória.
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A celebração, para Miriam Duarte, uma das fundadoras da Amparar, ocorre entre pessoas que formaram uma família.
“É uma família para nós. É todo esse movimento que vai estimulando mães, companheiras, junto e articulando para a criançada vir.”
Ela conta que a festa tem um papel importante para ela e os participantes.
“É preencher o meu vazio. Essas atividades me trazem esperança porque quando a gente percebe a rede de apoio que a gente tem, a gente pensa: ‘Vale a pena fazer a luta’”.
Outra fundadora, Railda Silva, acredita que a festa tem uma missão. “Essa festa para nós é para transmitir amor e esperança”, conta.
Para a festa do dia 21, em Itaquera, foram separados 226 presentes, e para o dia 14, em Sapopemba, 250 caixas, todos com demandas das famílias listadas. É nesses bairros onde a Amparar atua de maneira mais presente, inclusive com uma sede em Itaquera, para o atendimento das famílias.
Entre os presentes, estavam brinquedos, roupas, tênis, kits de higiene, tudo pedidos das famílias.
Margarete de Aquino Leão, 42 anos, ficou nove anos presa, período descrito como “sofrido” e que depois ainda teve “poucas oportunidades” e viveu um “preconceito maior ainda”. Ela participou da festa com três filhos, que estavam “bastante ansiosos”.
“Para eles [filhos], é uma coisa muito gratificante mesmo. Nós temos muito o que agradecer”, conta.
O apoio também é fundamental para Luz Neto de Jesus Santos, 45 anos, que ficou 16 anos encarcerada. Ela faz muitos elogios à Amparar e à festa.
“Ah, eu acho muito importante. O projeto é lindo com as pessoas, nem só com as crianças, e não só no Natal, mas no dia a dia com as pessoas que saem da prisão e estão procurando ajuda de alguma forma.”
A demanda tem crescido todos os anos. No ano passado, em Itaquera, foram 138 presentes, e em Sapopemba, 180.
Desde as 7 horas da manhã, as primeiras pessoas de um grupo de mais de 20, a grande maioria mulheres, preparava os ajustes finais da festa, que aconteceu em uma academia de Muay Thai. A festa começou a ser planejada em agosto, primeiro com o levantamento das crianças que seriam cadastradas. Depois, com a busca dos “padrinhos”, pessoas dispostas a doar dinheiro ou comprar presentes a partir do que foi pedido pelas famílias.
Alguns defensores públicos participam no levantamento de recursos para a festa, ajudam com dinheiro, provocam outros colegas para contribuírem. Mesmo sem uma relação oficial com a Defensoria Pública, os muitos profissionais fazem a instituição estar presente, inclusive com um dos personagens principais da festa, o Papai Noel.
Era ele quem atraía os olhares das crianças, que estavam ansiosas com a entrega dos presentes. A expectativa era tamanha que, quando uma criança recebia o presente, todos comemoravam.
“Para mim é bem gratificante, porque tem um brilho nos olhos das crianças, quando elas abraçam, o coração está sempre muito acelerado. Então você vê aquela pureza, né, de uma alegria bem genuína das crianças que, para nós, também acaba sendo tão feliz quanto para elas, né, esse momento”, afirmou o Papai Noel, que foi representado na festa por Patrick Cacicedo, defensor público e professor.
A celebração de Natal é tão antiga quanto a Amparar, segundo Maria Aparecida, fundadora do movimento. Ela se recorda que no início os filhos estavam na Fundação Casa, antiga Febem.
“Desde o início a gente fazia. E aí, a cada ano que passa, a demanda é maior. É muito trabalho, mas é muito gratificante”, conta.
Como é o Natal para as famílias neste período?
“É muito triste”, descreve Miriam Duarte, fundadora da Amparar. Para ela, esse período é duro para as famílias que recebem visitas, por meio das chamadas “saidinhas”, e para aquelas que não conseguem contato algum.
Para aquelas que veem os familiares, a chegada da pessoa é um momento de alegria, a permanência, de cuidado, e a despedida, de tristeza.
“A família que tem contato, ela tenta no máximo preencher esse final de ano, acolhendo quem está para chegar”. Todas as pessoas que falaram com a Alma Preta relataram que a despedida é difícil.
A tristeza também é presente para aquelas que não encontram as pessoas queridas nessa data, que exalta o sentimento de união familiar.
“É muito triste, porque sempre falta um. Estão todos reunidos, mas falta um. O coração sempre está vazio”, relata Isabel de Oliveira.
Na Baixada Santista, mães também se apoiam
Andrelina Ferreira, conhecida como Andreia, é cabeleireira e uma das organizadoras do movimento Mães do Cárcere, com atuação mais focada na Baixada Santista, em São Paulo.
No dia 12 de dezembro, ela atendeu 18 mães com orientações para que as pessoas consigam lidar da melhor maneira com a prisão de pessoas queridas. “A sociedade não dá oportunidade”, conta.
Roberta*, uma das pessoas atendidas por Andreia, vai passar o Natal sem o filho, que está preso. Para ela, é uma “dor péssima e uma saudade horrível, porque sempre falta um na mesa”.
A dificuldade é sentida por Carolina*, que não consegue visitar o filho, porque tem “pânico daquele lugar”.
Para ela, esse período é “triste, como qualquer dia ano”. Durante o Natal e o Ano Novo ela procura “não pensar muito sobre o assunto, pois a saudade só aumenta”. Ela acha desumano privar a família de ver as pessoas queridas.
“Mas é o sistema. Infelizmente, não há o que fazer. A cada ano piora”, afirma.