Em entrevista para o Alma Preta, a especialista em patologia humana pela UFBA/Fiocruz, Maria José Menezes, apresentou os riscos do vírus e a importância do SUS para frear qualquer epidemia no país
Texto e imagem: Pedro Borges
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
A Organização Mundial da Saúde (OMS) sinaliza como “elevado” o risco de contaminação internacional do Coronavírus. De acordo com informações da Comissão Nacional de Saúde da China, 1.114 pessoas morreram até o momento, vítimas do Covid-19, como foi nomeado o agente no meio científico.
O vírus, que se espalhou para outros países, pode chegar ao Brasil, segundo Maria José Menezes, bióloga e mestre em Patologia Humana pela Universidade Federal da Bahia (UFBA)/Fiocruz.
“Sim, existe [a possibilidade]. A circulação de pessoas é um processo dinâmico. Além disso, muitas pessoas estão infectadas, mas não apresentam sintomas. A gripe, por exemplo, é assim. Desta forma, a transmissão do vírus pode ocorrer antes que a pessoa seja diagnosticada”, explica.
Um grupo de 34 brasileiros, residentes na província de Wuhan, considerado o epicentro da contaminação, retornou para o Brasil no domingo, dia 10 de Fevereiro. Exames feitos pelo Ministério da Saúde apontam que não há infecção em nenhum deles ou mesmo nas pessoas que tiveram contato com o grupo. O país investiga 11 casos suspeitos da doença, depois de já ter descartado 33 suspeitos.
Apesar da doença ainda não ter sido detectada no Brasil, o sinal de alerta é necessário. “A OMS avalia que a epidemia não está controlada, por isso, as medidas de vigilância recomendadas pelos órgãos de vigilância em saúde”, explica Maria José Menezes.
Se chegar ao Brasil, o coronavírus será um teste para o Sistema Único de Saúde (SUS), segundo a especialista. O sistema tem o registro de cerca de 90 milhões de pacientes, de acordo com o Ministério da Saúde.
“O SUS é estratégico para o povo. A abrangência dele é muito maior do que a população imagina. É através de programas do SUS que o país conseguirá controlar a transmissão do Covid-19”, afirma.
Maria José Menezes recorda, contudo, os recentes cortes feitos na área da saúde, o que pode debilitar o sistema para enfrentar qualquer epidemia.
“O SUS é um sistema de saúde muito potente, porém, desde 2016 tem sofrido um desmonte, que piorou drasticamente com o atual governo. Esta perda de receita certamente impactará o controle desta e de outras doenças”, conta.
Segundo informações oficiais, o governo federal anunciou em setembro de 2019 redução de investimento de 1,44 bilhão de reais para os ministérios do país. Enquanto a pasta de Ciência, Tecnologia e Comunicação teve corte de R$ 59,78 milhões, a saúde teve uma redução de R$ 6,999 milhões.
“O cenário é preocupante. Muitos programas foram extintos pelo governo, o SUS perdeu parcela substancial de seu orçamento, as universidades públicas, que são espaços de pesquisa básica e aplicada, também estão sofrendo desmonte. Este quadro tem impacto direto na saúde pública de toda população, inclusive a que possui assistência médica privada”, recorda Maria José Menezes.
Não só o tratamento, mas o diagnóstico eficiente do Coronavírus também depende do sistema público. Um grupo de pesquisadores da UFBA/Fiocruz desenvolveu um exame capaz de detectar o vírus em 3h, diferente das 48h gastas em média pelo governo federal. O grupo é o mesmo responsável por descobrir ferramentas para identificar o zika vírus.
Segundo os pesquisadores, a técnica é a mesma utilizada na China, Alemanha e Estados Unidos.
“Toda essa tecnologia que a Fiocruz desenvolveu de fazer o diagnóstico com mais rapidez é biotecnologia. Isso só foi capaz de ser desenvolvido com uma pesquisa básica, com estudantes de iniciação científica, mestrandos, doutores, pós-doutores e laboratórios equipados”, afirma.
“O atual governo tem tirado muito investimento, cortou bolsas, pesquisa, tem feito um ataque muito grande nessas instituições e isso é extremamente perigoso. Certamente os cortes que tivemos no ano passado na pesquisa e nas universidades terão consequências agora e no futuro”, conclui a pesquisadora.