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Crianças negras são as maiores vítimas de estupro de vulnerável no Brasil

17 de agosto de 2020

Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), esse grupo corresponde a 50,9% das vítimas e ainda há subnotificação; caso da menina de 10 anos, que recebeu aval da Justiça para realizar um aborto após sofrer um estupro, reacendeu o debate sobre a violência sexual e o direito ao interrompimento da gravidez

Texto: Nataly Simões | Imagem: Marcello Jr/Agência Brasil

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Sob protestos de religiosos em frente a um hospital do Recife, em Pernambuco, no domingo (16), uma menina de 10 anos realizou um aborto após negativa de atendimento no município de São Mateus, no Espírito Santo, onde ela morava. A vítima recebeu aval da Justiça para a realização do procedimento depois de a criança ter engravidado em decorrência de um estupro cometido por um tio, que a violentava sexualmente desde que ela tinha seis anos.

No Brasil, o crime de estupro de vulnerável também é marcado pelo fator racial. Mais da metade das vítimas são crianças negras (50,9%), do sexo feminino (81,8%) e com até 13 anos (53,8%). Os dados foram levantados pelo 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, divulgado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) em setembro de 2019.

É considerado estupro de vulnerável o crime de violência sexual praticado contra pessoas de até 14 anos. Pessoas dessa faixa etária são descritas pela lei federal 12.015, de 2009, como incapazes de consentir relações sexuais e de se defenderem. Também é considerado estupro de vulnerável violência sexual praticada contra pessoas com deficiência ou que, independentemente da idade, estejam sob efeito de drogas ou enfermas.

Em entrevista ao Alma Preta, na época em que o anuário foi divulgado, Mafoane Odara, coordenadora do núcleo de enfrentamento às violências de gênero do Instituto Avon, atribuiu a taxa de violência sexual contra crianças à falta de políticas públicas e ao tabu para falar sobre sexualidade.

“O problema está em não falar sobre o assunto com a população dessa faixa etária. As questões sexuais fazem parte das nossas vidas desde que nascemos. Não se trata de sexualizar as crianças, mas de trazer elementos para que elas consigam identificar situações de violência”, explica.

Hipersexualização na infância

Um estudo publicado pela universidade norte-americana Georgetown Law School, em 2017, concluiu que os adultos tendem a achar meninas negras menos inocentes do que as brancas e mais entendedoras de assuntos como sexo.

Para Mafoane Odara, a conclusão do estudo explica uma das razões de as crianças negras serem as mais suscetíveis a sofrer violência sexual no Brasil. “As meninas negras são hipersexualizadas muito precocemente. Isso legitima ainda mais os casos e violência contra essa parcela da população”, pondera Mafoane Odara.

“A violência praticada contra os negros é sistematicamente diferente da contra os brancos. O dever da sociedade e do Estado é unir esforços para pensar em políticas públicas específicas para romper com a cultura de hipersexualização”, prossegue a coordenadora do núcleo de enfrentamento às violências de gênero do Instituto Avon.

Recorde de estupros

Os dados do 13º Anuário Brasileiro de Segurança Pública revelam que o número de estupros registrado no país atingiu uma marca recorde em 2018, com 66.041. É a maior taxa registrada na história ao longo das 13 edições do levantamento feito pelo FBSP.

O levantamento também indica que 75,9% das vítimas possuem algum tipo de vínculo com o agressor. O autor do crime geralmente é companheiro, ex-companheiro, parente ou amigo.

De acordo com o anuário, o fato de a maioria das vítimas de estupro no Brasil terem menos de 13 anos e dos agressores serem conhecidos indicam o enorme desafio no enfrentamento à violência sexual.

“Esse quadro se torna ainda mais grave na medida em que os depoimentos de crianças com certa frequência são questionados por falta de credibilidade, além do silêncio e por vezes cumplicidade que envolvem outros parentes próximos”, destaca trecho do relatório escrito pelas pesquisadoras Samira Bueno, Carolina Pereira e Cristina Neme.

Subnotificação

Os crimes sexuais enfrentam um problema de subnotificação. Isso significa que os números analisados pelo FBSP são a parte visível de um panorama maior de vítimas de estupro. A última pesquisa nacional de vitimização, elaborada pelo Ministério da Justiça em 2013, estima que somente 7,5% dos casos de violência sexual são denunciados.

“Os motivos para a baixa notificação são os mesmos em diferentes países: medo de retaliação por parte do agressor (geralmente conhecido), medo do julgamento a que a vítima será exposta após a denúncia, descrédito nas instituições de justiça e segurança pública, dentre outros”, conclui trecho do documento.

Dados são do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)

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