Seis pessoas vão responder em júri popular pelo assassinato de João Alberto Freitas: Magno Borges, Giovane Gaspar, Adriana Dutra, Paulo Francisco, Kleiton Santos e Rafael Rezende. Mas uma pessoa ficou de fora do radar de todos: Guilherme Adamy, gerente da unidade do Carrefour, no bairro do Passo D’areia, em Porto Alegre (RS), onde ocorreu o assassinato.
Adamy estava presente no dia 19 de novembro, era o funcionário de maior posto hierárquico na loja no dia, viu Beto ser espancado, mandou outro trabalhador que foi visualizar as agressões retornar para seu posto, e saiu da cena do crime.
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Os relatos sinalizam que o então gerente da unidade poderia ter evitado a morte de Beto. Adamy é descrito como um homem branco, com 1,86m de altura, cabelo curto e castanho claro.
Informações obtidas pela Alma Preta indicam que ele hoje tem 52 anos e é residente de Porto Alegre. Ele era gerente de operações, só estava abaixo do diretor da unidade, e estava acima na hierarquia da empresa responsável pela prevenção e segurança da loja.
Para testemunhas, Adamy tinha poder de mando sobre os profissionais da Vector, empresa de segurança privada cujos contratados espancaram Beto, e os trabalhadores do Carrefour, que fizeram um cordão de isolamento durante as agressões.
Quem diz isso são testemunhas e trabalhadores do Carrefour em relato para o Ministério Público durante as audiências. A reportagem acessou de maneira exclusiva documentos sigilosos do caso.
Uma testemunha relatou que Adamy chegou a se aproximar da cena do crime, a uma distância de dez metros, ao ponto de que a sua voz seria ouvida caso pedisse para o fim das agressões.
Da posição onde Adamy estava, era possível ouvir os gritos de socorro de João Alberto Freitas. Essa testemunha contou que tentou se aproximar do local, para ver o que acontecia, quando ouviu de Adamy para retornar ao posto de trabalho.
O advogado de defesa de Magno Borges perguntou para esse funcionário do Carrefour se Guilherme Adamy “tomou alguma atitude ou demonstrou alguma intenção de acabar com aquela situação?”. A resposta do funcionário foi: “Não, se omitiu totalmente”.
A reportagem procurou Guilherme Adamy por telefone, redes sociais e -email e não teve um retorno até a publicação deste texto. O espaço segue aberto para o ex-gerente do Carrefour.
O que Guilherme Adamy disse para a Polícia Civil
No dia 10 de agosto de 2021, Adamy foi intimada a prestar depoimento na 2ª Delegacia de Polícia de Homicídios e Proteção à Pessoa. Adamy afirmou que já não trabalhava mais no Carrefour.
No depoimento para a Polícia Civil, ele afirmou que trabalhava no pré-fechamento da loja, por volta das 21h, com o foco em ações que não são da área de segurança.
“Eu estava no mercado, sou funcionário do mercado, sou gerente de operações do mercado. E atuo no abastecimento, organização da loja. Não atuo na parte de segurança assim, não, não tenho nenhum contato com a área da segurança”.
Ele ainda afirmou que “a Adriana, que era responsável por todo o ato ali de segurança”.
Para a Polícia Civil, Adamy contou que conversou com a chefe dos fiscais, Adriana Dutra, depois de constatada a morte de Beto Freitas.
Segundo seu relato, a chefe dos fiscais de piso afirmou que tentou controlar a situação e que Beto desmaiou. Ele afirmou ter ouvido de Adriana Dutra que ela não chegou “a chamar ninguém”, uma versão diferente dos depoimentos dados pela mulher.
Adamy ainda afirmou que não conhecia os seguranças, porque havia muita troca, e que não ouviu os pedidos de ajuda no rádio interno, porque utilizava um diferente canal dos trabalhadores da segurança.
Luis Alberto Ribeiro, gerente comercial do Carrefour, afirmou ter se comunicado com Guilherme Adamy, sinalizando para o colega que havia um “caso” na loja, e que depois de conversarem, Adamy desceu para checar. Adamy confirmou ter presenciado os fatos.
“Quando eu olhei pro lado esquerdo do estacionamento, eu vi, mais pro lado de fora ali, uma movimentação de pessoas. Quando eu fui até o local, não me aproximei muito, fiquei meio longe assim, não cheguei a sair da galeria, visualizei que tinha uma pessoa sendo imobilizada por dois seguranças. E mais a Adriana, que era responsável por todo o ato ali de segurança né. Eu visualizei que tinha duas pessoas ali, imobilizadas, com a Adriana, não cheguei a ultrapassar a porta de vidro”.
Apesar disso, Guilherme Adamy nunca chegou a ser ouvido durante as audiências do caso na Justiça do Rio Grande do Sul, ou prestou depoimento ao Ministério Público.
Advogado aponta seletividade da justiça
A defesa de Kleiton Santos, fiscal de prevenção da loja e réu do caso, alega que o funcionário estava sob as ordens de Adriana Dutra e Guilherme Adamy.
Os advogados sinalizam que causou estranheza nenhuma denúncia contra Adamy e que a justiça agiu de maneira seletiva contra Kleiton Santos.
“Por óbvio é mais fácil acusar um pobre, preto e favelado, que é o caso de Kleiton, do que um diretor de uma empresa multinacional”, afirmam.
Os advogados ainda recordam que Kleiton também foi denunciado por primeiro agredir e depois se omitir diante das demais agressões a Beto, o que não recaiu sobre Adamy.
“Se não houve entendimento de participação de qualquer nível, principalmente o omissivo, do qual é acusado o recorrente, por parte do Gerente Guilherme, como pode se entender agir omissivo de um funcionário do mais raso posto do estabelecimento?”, questionam.
Defesa de Adriana Dutra pediu o depoimento de Guilherme Adamy
Durante uma audiência, a defesa de Adriana Dutra recordou que ela era acusada por ter poder hierárquico sobre os demais funcionários, denúncia que não foi feita contra Adamy.
“Se estamos discutindo ascendência hierárquica e um gerente de loja estava no local, um gerente superior a Adriana, a oitiva dessa pessoa é imprescindível”, afirmaram.
O Ministério Público, em resposta, falou que um inquérito policial minucioso foi feito sobre o caso, que Adamy foi ouvido pela Polícia Civil, sinalizou que qualquer pessoa estava disponível para ser convocada para testemunhar e que ele não foi indicado no momento oportuno.
“Então, o Ministério Público não vê como fato novo a pretensa presença de um gerente da loja, ao que opina neste tópico pelo indeferimento do requerido”, disse.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul seguiu o Ministério Público. “Não é uma pessoa que tenha surgido de forma nova, não é uma inovação que tenha surgido na coleta de prova na data de hoje. Então, por esse motivo eu vou indeferir”.
O que diz o outro lado?
O Ministério Público afirma que a Adriana Dutra tinha uma posição de substituir a gerente de “Gestão de Riscos e Perdas, que envolvia as questões de segurança e, na oportunidade, a superior hierárquica dela (Gerente de Gestão de Riscos e Perdas), que não era o Guilherme (Gerente de Operações), estava ausente. Portanto, era ela quem tinha a palavra final dentro da condução dos trabalhos quanto à segurança”.
O órgão afirma que a presença de Guilherme Adamy foi investigada pela Polícia Civil e que ele nada “teve a ver com o crime, que foi decorrente de exagero na violência empregada”. O Ministério Público ainda explica ter estudado a estrutura da loja e que, “mesmo a empresa terceirizada, agia sobre a orientação do departamento o qual ela [Adriana] representava”.
A Secretaria da Segurança Pública do Rio Grande do Sul não retornou aos questionamentos da reportagem.
Em nota, o Carrefour conta que o caso foi “objeto de apurações rigorosas e minuciosas, tanto por parte da empresa quanto pelas autoridades competentes”. O grupo afirmou que “não consta qualquer comprovação ou indício de que a pessoa referida tenha testemunhado a ocorrência”.
O Carrefour ainda recorda ter adotado “as medidas mais rigorosas em relação a todos os funcionários diretos e indiretos que comprovadamente tiveram alguma participação, por ação ou omissão, nos acontecimentos que culminaram na tragédia”.