No país, não existe regulamentação dos processo de investigação sobre essa violência que atinge majoritariamente pessoas em situação de vulnerabilidade em áreas de conflito ou dominadas pelo crime
Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Fernando Frazão/Agência Brasil
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A Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial (IDMJR), organização que denuncia a violência do Estado e debate Segurança Pública com a centralidade na questão racial, apurou que mensalmente acontecem dez casos de desaparecimentos forçados somente na Baixada Fluminense.
Pela definição da Organização das Nações Unidas (ONU), o desaparecimento forçado é a prisão, detenção ou rapto de alguém por agentes do Estado ou por pessoas ou grupos agindo com a autorização, apoio ou aquiescência do Estado. A consequência disso é a recusa do próprio goverrno em “reconhecer a privação de liberdade ou a ocultação do destino ou paradeiro da pessoa desaparecida, que colocam tal pessoa fora da proteção da lei”.
No Brasil, os corpos das vítimas de desaparecimentos forçados são descartados em lixões, rios e valas clandestinas. Segundo Fransergio Goulart, da coordenação do IDMJR, o levantamento sobre os desaparecimentos forçados é feito com base em denúncias e casos investigados pelas redes sociais e o número real de desaparecimentos forçados pode ser bem maior.
“Mais de 90% dos casos acontecem em territórios dominados pelas milícias. Geralmente, elas mutilam e esquartejam antes de desaparecer com corpos”, conta Goulart.
Ao todo, mais de 50% dos casos de pessoas desaparecidas, por diversos motivos, foram registrados na área que inclui a zona oeste da cidade do Rio de Janeiro e Baixada Fluminense. Em 2019 e 2020, foram mais de 7,4 mil registros de desaparecimentos, sendo 1,9 mil deles na Baixada Fluminense.
“Os desaparecimentos forçados fazem parte da violência do Estado e do genocídio da população negra. Em 2019, por exemplo, foram 223 execuções de pessoas por agentes do Estado. Dos cinco batalhões que mais matam no Rio, quatro deles: Belford Roxo, Duque de Caxias, Queimados e Mesquita, estão localizados na Baixada”, detalha o coordenador do IDMJR.
O caso mais recente de desaparecimento no Rio é o de três crianças negras, com idades entre 8 e 11 anos, que sumiram no dia 27 de dezembro de 2020. Entidades e movimentos populares em áreas de vulnerabilidade social ajudam nas buscas. Conforme reportagem publicada no último dia 5 de janeiro, a Polícia Civil ainda não tem pista do paradeiro das crianças.
Desaparecimento forçado é um problema histórico no país
Uma sentença do Tribunal Interamericano de Direitos Humanos, do qual o Brasil faz parte, determinou em 2010 a tipificação do crime de desaparecimento forçado. “Estamos em franco descomprimento dessa decisão e sabendo que os desaparecimentos forçados são uma realidade. Isso gera uma dificuldade para mapear, quantificar e até mesmo fazer pesquisa qualitativa sobre o tema. Tratamos todos os casos de desaparecimentos indistintamente, assim como o Conselho Nacional do Ministério Público”, explica a promotora Eliane Pereira, coordenadora do Programa de Localização e Identificação de Desaparecidos (PLID), do Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ).
De acordo com a promotora, há uma ligação histórica entre os desaparecimentos forçados e a formação do Brasil. “É um histórico muito duro de desaparecimento forçado em se tratando de um país que teve toda a sua economia do período colonial com base no sequestro forçado e exploração de pessoas. Essa perspectiva histórica é necessária para a compreensão do fenômeno”, reitera Eliane.
O escritor e doutor em sociologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Fábio Araújo, é autor do livro “Das técnicas de fazer desaparecer corpos: desaparecimentos, violência, sofrimento e política”, escrito com base em suas pesquisas acadêmicas e análises de casos reais. “A tortura, a morte e o “sumiço de pessoas não começou nem terminou com a ditadura, mas possui raízes coloniais, numa matriz escravocrata assentada no não reconhecimento da vida e de manifestações do poder através de suplícios e castigos corporais sobre os escravos. A tortura, o assassinato e o desaparecimento são atos fundadores da ideia de nação brasileira. Isso atravessou o período colonial, várias ditaduras e está encravado no coração da democracia”, enfatiza.
A Convenção Internacional para a Proteção de Todas as Pessoas contra o Desaparecimento Forçado foi aprovada pela Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) em 2006 e está aberta à ratificação pelos estados membros desde 2007, entrando em vigor em dezembro de 2010. O Brasil promulgou a Convenção por meio do decreto nº 8.767, de 2016.
Segundo a estimativa do Iniciativa Direito à Memória e Justiça Racial (IDMRJ), o desaparecimento forçado já é o terceiro motivo para os casos de desaparecimentos de pessoas no Rio de Janeiro, ficando atrás apenas de “problemas mentais” e de “conflitos familiares”.
“É urgente a tipificação e a disponibilização dos dados referentes a essa categoria de ‘desaparecimentos forçados’ nos bancos de dados e registros públicos. É o básico para um país que reconhece o crime de desaparecimento forçado como um crime contra a humanidade. Além disso, é fundamental para um diagnóstico mais próximo da realidade, que serviria como instrumento para a elaboração de políticas públicas específicas para esses casos”, avalia Goulart.
Em 2021, o IDMRJ vai lançar um documentário sobre os desaparecimentos forçados no Rio de Janeiro. A organização recebe denúncias pelo WhatsApp (21) 99998 0238.