Micael Silva, de 11 anos, foi morto enquanto brincava com uma pipa; líder de movimento social fala a respeito do racismo e da atuação de grupos de extermínio na capital mais negra do país
Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Claudio Marques
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A cidade de Salvador, na Bahia, assim como São Paulo e Brasília, registrou no domingo (21) uma manifestação antirracismo. Moradores da capital, onde mais de 80% da população é negra, se reuniram por justiça para Micael Silva, assassinado durante uma ação da Polícia Militar. A criança de 11 anos passou a compor uma estatística dramática, que indica que no estado baiano os assassinatos atingem disparadamente a população negra.
“Estamos enfrentando ódio racial, ódio contra a gente, ódio anti-negro, e o panorama é terrível. É o governo que determina a pauta do movimento negro. Não tem condições de não ir para a rua diante da morte de um menino de 11 anos e exigir que este modelo de polícia acabe”, afirma Hamilton Borges, do movimento Reaja ou Será Morto e autor do romance “O Livro Preto de Ariel”, sobre a violência policial nas periferias de Salvador.
Micael Silva foi morto por um tiro de fuzil, disparado pela polícia, no bairro de Amaralina, uma região pobre e de maioria negra, entre bairros ricos da orla da cidade. Segundo Borges, o policial responsável pelo disparo que matou a criança observou a manifestação do domingo.
“O soldado que baleou o menino estava dentro de uma viatura, com uma pistola ponto 40, acompanhando a manifestação com outros policiais que estavam fotografando as pessoas. Em São Paulo, por exemplo, a polícia afasta os agentes envolvidos nesses crimes, tem uma ouvidoria. Aqui não, eles continuam trabalhando e ameaçando”, conta.
No Complexo da Pedrinhas, em Salvador, 150 pessoas se reuniram para protestar a morte de Micael Silva, 11 anos, assassinado por policiais militares.
O grupo Reaja ou Será Morto continuará a acompanhar o caso. Os policiais acompanharam a manifestação como forma de intimidação. pic.twitter.com/tItNCo0M8q
— Alma Preta (@Alma_Preta) June 22, 2020
Os manifestantes levaram brinquedos e objetos do menino de 11 anos. No momento em que foi morto, o garoto estava brincando com uma arraia (pipa). “A gente tem que gritar diante dos fuzis que não temos medo e queremos justiça. O próximo passo é enviar duas cartas, uma do movimento ‘Reaja’ e outra da ‘Teia dos Povos’, para o comando da PM exigindo o afastamento dos policiais envolvidos e esclarecimentos sobre os flagrantes que foram implantados no local da ação”, salienta Borges.
De acordo com o escritor e ativista, a violência policial contra a população negra de Salvador aumentou durante a pandemia da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus.
“São grupos de extermínio. Os policiais entram nas comunidades e fazem a execução sumária. Na pandemia, aquela licença para matar que o governo deu se expandiu. Matam várias pessoas, pegam os corpos, levam para o Instituto Médico Legal (IML) e ninguém pode fazer nada. A família não pode ver, fecham o caixão, lacrou e enterra. Queremos criar um movimento para responsabilizar o Estado por isso”, descreve Borges.
O Alma Preta procurou a Secretaria da Segurança Pública do Estado da Bahia e questionou sobre a investigação da morte de Micael Silva e o afastamento dos policiais envolvidos. Em nota, a pasta informou que lamenta a morte da criança, acompanha o caso e que, se for constatada alguma irregularidade, os autores serão responsabilizados.
Confira a resposta na íntegra:
“A Secretaria da Segurança Pública lamenta a morte de uma criança durante confronto entre policiais e traficantes. Lembra que no Complexo do Nordeste de Amaralina existem três Bases Comunitárias de Segurança, que realizam ações sociais (aulas de reforço escolar, artes marciais, músicas, informática, entre outras), atendendo a cerca de 15 mil crianças e adolescentes anualmente. Informa ainda que, nos últimos 30 dias, 12 policiais envolvidos com homicídios, roubos e extorsões acabaram presos, durante ações da Corregedoria para combater servidores corruptos. Por fim, ressalta que acompanha o caso que ocorreu no Nordeste de Amaralina e, havendo irregularidades, os autores serão responsabilizados.”
* Texto atualizado às 15h30 de 23 de junho de 2020 para a inclusão da resposta da Secretaria de Segurança Pública do Estado da Bahia.