Os moradores da comunidade Aliança com Cristo, no bairro do Jiquiá, Zona Oeste do Recife, acordaram na manhã desta segunda-feira (26) assustados. De acordo com os integrantes da ocupação do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto de Pernambuco (MTST-PE), um suposto empresário ainda não identificado estaria ameaçando expulsar as mulheres da área onde elas cultivam uma horta comunitária e constroem um parque infantil.
Segundo uma coordenadora do MTST-PE – que pediu para não ser identificada por medo de represália -, o homem chegou no local junto com policiais militares. Ela afirma que os agentes impediram os moradores de avançarem com as obras do parquinho e com o cultivo da horta implantada por meio de ameaçadas e em tom de intimidação.
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“A prefeitura [do Recife] fez um mapeamento e nos disse que não existe dono nesta área. Mas esse homem que insiste em nos ameaçar diz que comprou esses lotes de uma empresa e que agora é dele. Inclusive, ele chegou a colocar capangas armados nesse espaço para nos intimidar e impedir que a gente termine a obra”, comenta.
Ela diz ainda que esta não é a primeira vez que as ameaças acontecem. A coordenadora do movimento relembra que um episódio parecido como este ocorreu na última quinta-feira (22). De acordo com o relato, o suposto empresário chegou no mesmo local e colocou homens armados para vigiar o terreno.
“Essa não é a primeira vez que acontece e tentam ocupar essa área que a Prefeitura já disse que não tinha dono. Esta é uma área desocupada e já temos autorização para fazermos a horta. Quando viu que o parquinho estava sendo colocado, ele chegou aqui com capangas para nos intimidar”, comenta a líder comunitária.
“Acreditamos que ele tenha algum contato com policiais da região porque quando eles chegam lá, os policiais não querem nem conversar. Chegam dizendo que os lotes são desse empresário, diz para a gente sair e não podemos fazer nada, mesmo a Prefeitura tendo autorizado nossa horta e o parque”, complementa, dizendo que o advogado da comunidade tem um documento emitido pelo município que permite o cultivo de alimentos no espaço.
A área em questão fica localizada na Rua Passo da Santa Cruz, próximo ao Mercadinho Vila Nova Economia. A Alma Preta Jornalismo entrou em contato com a Prefeitura do Recife para saber se, de fato, o terreno pertence ao suposto empresário. A secretária executiva de Controle Urbano do município, Marta Lima, explicou que vinha conversando com a comunidade e que, por isso, já tinha feito um mapeamento prévio no cartório da área, que é público e é da União.
“Nosso papel, enquanto Controle Urbano, é atuar caso tenha alguma ocupação. Ela [coordenadora do MTST-PE] chegou a comentar que algumas pessoas estão de olho no terreno, mas eu expliquei que só posso agir se eu tiver alguma construção irregular, como demarcação do terreno. Nesse caso, a secretaria vai lá e tira”, disse Marta Lima em entrevista.
Unidade de saúde
Segundo a secretária, o terreno não pode ser ocupado por ninguém: nem pelo suposto empresário, nem pelos moradores da Ocupação Aliança com Cristo. Isso porque já existe um projeto em avaliação na Prefeitura do Recife para que, no espaço, seja construída uma Unidade de Pronto Atendimento (UPA). Caso os lotes sejam ocupados, toda e qualquer obra deverá ser embargada pelo município.
“O que se tem lá é uma área que, a princípio, estaria previsto para ser uma unidade de saúde e que este terreno seria da União. No entanto, ainda não foi definido direito de quem é [o terreno]. Temos o cuidado de não deixar invadir porque área está ali para ser feito alguma coisa para a comunidade. Por isso, temos o cuidado de que, se tiver uma ocupação, a gente vai tirar”, garante Marta Lima.
Para garantir que as terras desocupadas sejam de direito da população, a coordenadora do MTST-PE sugeriu à Prefeitura do Recife a criação da horta comunitária e também a construção de um parque infantil para que o espaço fosse convertido em área de convivência comum e lazer para as famílias da comunidade até a construção, de fato, da UPA.
“Ninguém vai ocupar esse espaço para moradia. A gente já conversou com a comunidade e disse que o terreno é um espaço coletivo. A ideia da Prefeitura é construir uma UPA para atender a região aqui. Por isso, estamos construindo a horta e o parquinho justamente para colocar esse espaço em prol da comunidade. Mas, quando a gente começou a colocar as gangorras e outros brinquedos, esse empresário começou a ameaçar ainda mais para colocar medo na população que mora aqui”, salienta a liderança da comunidade.
Processo lento
Marta Lima não enxerga problema em cultivar uma horta na região. Contudo, ela pontua que o processo de oficialização ainda está na fase inicial. “A coordenadora do MTST-PE esteve aqui, demos uma pesquisa no cartório para saber de quem seria o terreno. Vimos toda a documentação e ela conversou com Otávio Calumby [secretário executivo de Operações e Gestão, órgão ao qual a secretaria de Controle Urbano está subordinado] para saber do processo dessa sessão provisória até que saia esse projeto da UPA”, conta.
“A liderança da comunidade está fazendo um processo para oficializar essa solicitação se comprometendo a não construir nada no lugar. Mas isso ainda está para ser elaborado. Depois, o projeto terá que ir para Procuradoria do Estado para autorização porque, como é uma área pública, precisamos desse aval, mas ainda estamos na fase inicial dessa conversa”, comenta a secretária de Controle Urbano.
Com relação às terras pertencerem ao suposto empresário, Marta Lima disse que não tem conhecimento sobre a compra e venda do terreno, mas assegurou que, se houver qualquer modificação do espaço, a Prefeitura irá intervir.
“Sobre o empresário, não estou sabendo. Se ele ou qualquer pessoa fazer qualquer mudança nesta área, a primeira iniciativa que vamos fazer é notificá-lo para que ele mostre o documento registrado em cartório confirmando que ele é o dono do terreno. Mas, acho muito difícil isso porque a gente já fez uma pesquisa. Mas, se ele fizer qualquer tipo de alteração no espaço, por mínima que for, já avisei a comunidade que vamos lá para embargar”.
A Alma Preta solicitou posicionamento à Polícia Militar de Pernambuco (PM-PE) para saber se o órgão recebeu alguma ocorrência para a comunidade Aliança com Cristo e se policiais foram enviados para a localidade. Em nota, a polícia informou que foi acionada na manhã desta segunda.
“A Polícia Militar informa que uma equipe do 12º BPM [Batalhão da Polícia Militar] foi acionada, na manhã desta segunda-feira (26), para uma ocorrência, no bairro de Jequiá, de desentendimento entre proprietários de um terreno e pessoas que se encontravam no local. O efetivo conduziu os envolvidos para a Central de Plantões da Capital, da Polícia Civil de Pernambuco, para serem adotadas as medidas cabíveis. A ocorrência está em andamento”.
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