Em um cenário político marcado pela crescente polarização, a conquista de votos nas periferias, entre pessoas negras e nas comunidades LGBTQIAPN+ tem se mostrado fundamental para partidos de direita e extrema-direita. A busca por atenção, com discursos e ações que, muitas vezes, beiram o constrangimento e se utilizam de táticas violentas, tem sido uma estratégia eficaz para políticos dessa ala.
Segundo dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), após as eleições municipais de 2024, projeta-se que o Centrão, incluindo siglas como PSD, MDB, PP e União Brasil, administre aproximadamente 3.500 municípios, o que representa cerca de 63% das cidades brasileiras. Já o PL, o partido que mais ganhou prefeituras em municípios com mais de 200 mil eleitores, assumiu o comando de 16 cidades importantes, incluindo capitais como Maceió e Cuiabá.
Quer receber nossa newsletter?
Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!
Mas por que essa adesão crescente a partidos da direita em segmentos historicamente vulneráveis? Para explorar o fenômeno, a Alma Preta conversou com o sociólogo e youtuber Thiago Torres, mais conhecido como “Chavoso da USP”.
Segundo ele, a adesão da população mais pobre a candidatos de direita e extrema-direita não se explica apenas pela complexidade ou dificuldade do discurso da esquerda, mas pela ausência de uma disputa ideológica efetiva e pelo crescente desmonte de setores como a educação e cultura. Na visão de Torres, esses fatores deixam espaço para que a extrema-direita use as dores e insatisfações da população, oferecendo respostas simplificadas e ilusórias.
Extrema-direita e o discurso ‘anti-sistema‘ que atrai as massas
Torres aponta que uma das razões para essa migração é o afastamento da própria esquerda das pautas que historicamente representavam a classe trabalhadora. “A esquerda foi deixando de defender pautas que englobam toda a classe trabalhadora”, observa. Em vez disso, fragmentou-se em causas específicas, dividindo os grupos em bolhas que, segundo ele, acabam excluindo segmentos importantes.
Ele explica que o homem cis, hétero e branco, sem encontrar acolhimento na esquerda, migra para a direita: “A esquerda não acolhe ele. O motorista de Uber, que é um homem, branco, cis, hétero, às vezes pobre, às vezes de classe média, sabe?”
O sociólogo também ressalta que muitos eleitores de baixa renda que apoiam a direita são expostos diariamente a um discurso único nas mídias hegemônicas, que têm um viés conservador e liberal.
“Não há emissoras dizendo que a polícia militar é racista e que deveria ser extinta, ou que o agronegócio não é tão benéfico como parece. Por outro lado, temos canais dedicados a exaltar o agronegócio e a fortalecer o cristianismo conservador”, explica.
Esse controle dos meios de comunicação contribui para que o imaginário popular seja cada vez mais moldado por valores que colocam a classe trabalhadora em uma posição de obediência e respeito às estruturas de poder.
O papel da educação e cultura e o desafio da esquerda
A ausência de uma disputa ideológica robusta por parte da esquerda é ponto crucial, na visão de Torres. Segundo ele, tanto os governos petistas anteriores quanto o atual falharam em politizar a população e disputar a narrativa. “É muito falado que o pobre comprou uma geladeira pela primeira vez na vida, comprou um carro… Isso não tem problema algum. O problema é o que vem ideologicamente junto com isso. O maior erro foi não ter politizado a população”, afirma.
A falta de políticas públicas que promovam uma compreensão mais ampla sobre direitos, racismo e inclusão social, bem como a dificuldade de acessar a universidade pública e gratuita, afastam ainda mais a população da esquerda, para o sociólogo.
Torres alerta que a direita, ao contrário, faz uso dessas carências para direcionar o discurso. Ao ver a prosperidade como um ideal possível, muitos jovens das periferias acabam sendo seduzidos pelo “sonho” da ascensão individual, que é amplamente promovido por setores de direita e extrema-direita. “A gente é ensinado que, para ter aquelas coisas ‘foda’, é preciso ser rico. É um desejo inconsciente que é cultivado”, explica.
Importância de uma comunicação simples e acessível
Embora a esquerda precise simplificar a comunicação, como reconhece Torres, ele salienta que essa questão sozinha não explica o abandono. Citando as igrejas evangélicas, ele lembra que, mesmo com discursos complexos e termos pouco compreendidos, elas conseguem manter uma base fiel entre as classes populares.
“A Bíblia está repleta de palavras difíceis e as pessoas cantam músicas com termos que nem sabem o significado, mas elas cantam”, exemplifica. Portanto, para ele, o problema não é apenas a complexidade da linguagem, mas a falta de empatia e de contato real da esquerda com os dilemas do cotidiano popular.
Em suas considerações finais, Torres destaca que o cenário atual exige da esquerda uma mudança de postura, tanto na comunicação quanto nas políticas públicas que de fato atendam aos interesses da classe trabalhadora. Ele alerta para a necessidade de uma “batalha ideológica” que possa disputar o imaginário popular e desafiar os discursos da direita, sob o risco de perder, de maneira irreversível, o espaço junto às classes mais vulneráveis.
A entrevista com o sociólogo Thiago Torres está disponível no canal do YouTube da Alma Preta. Para assistir, basta acessar este link ou conferir abaixo: