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‘Estão relativizando uma violência’: advogado denuncia negligência em caso de racismo em turma infantil do Colégio Objetivo

Criança de quatro anos vítima de racismo desenvolveu episódios de arritmia cardíaca e crises nervosas ao frequentar colégio no Guarujá (SP)
A imagem mostra letreiro do Colégio Objetivo Guarujá, na Baixada Santista.

Foto: Reprodução / Colégio Objetivo

16 de setembro de 2024

Na cidade litorânea do Guarujá (SP), um pai relata a negligência do Colégio Objetivo ao enfrentar a discriminação racial sofrida por sua filha negra de quatro anos. Michael de Jesus, procurador e advogado, buscou a imprensa após não encontrar uma resposta contundente da instituição diante dos episódios de violência vivenciados pela menina.

Em entrevista à Alma Preta, o advogado explica que a menina já havia se queixado de isolamento em outro momento, mas que, por ser a primeira vez, entendeu como um incidente esporádico devido ao período de adaptação da criança, recém-chegada na turma. 

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Dias depois, sua filha voltou para casa e contou que, durante a aula de balé, outras meninas disseram que seu cabelo era “difícil de pentear”. “Foi aí que acendeu meu primeiro alerta. Fui conversar e explicar a situação para a professora”, afirma o procurador.

O advogado, que também é professor, diz entender que o caso envolve crianças na primeira infância e que, muito provavelmente, não compreendem a dimensão dos fatos. “Mas cabe aos educadores, em apoio aos pais, verificar essas falas e trabalhar essas falas para que, no futuro, não se tornasse um problema maior”, completa.

Dias após a primeira conversa com a professora, a criança passou a não querer ir para a escola, o que chamou a atenção do pai. Além da recusa, a menina desenvolveu episódios de arritmia cardíaca, um descompasso no ritmo das batidas do coração. O estresse emocional é um dos fatores de risco que podem contribuir com o desenvolvimento da condição.

“Estou até levando ela no cardiologista. Quando vou levá-la à escola, ela fica muito nervosa, coisa que nunca aconteceu”, conta Michael. O procurador ainda informa que, entre um acontecimento e outro, sua filha relatou mais um episódio de violência após voltar da escola. Desta vez, as crianças da sala teriam dito que ela “tem cor e cheiro de cocô”. 

Pela reincidência e gravidade do acontecido, o pai decidiu entrar em contato com a coordenação do colégio, mas a reunião só teria ocorrido na semana seguinte. “A coordenadora escutou e disse que não estava sabendo do acontecido até o momento e que veria de chamar os pais se precisasse”.

De acordo com Michael, a coordenação teria sugerido trocar a turma da menina vítima das discriminações e informou ter entrado em contato com o responsável de uma das crianças da classe. Ao sair da reunião, porém, o advogado encontrou com a mãe de outra criança, colega de sua filha, que estava buscando a coordenadoria da escola pelo mesmo problema.

“Ela disse que estava ali para falar sobre nossa filha. Ela disse que estava assustada com o que estava acontecendo, porque a filha dela [colega da vítima] contou que outras crianças a proibiram de brincar com ela”, relata o advogado.

Segundo essa mãe, que também notificou a professora, as crianças teriam dito que isolariam sua filha caso ela brincasse com a menina negra, porque sua cor seria “estranha” e seu cabelo difícil de pentear.

“Além da omissão, a escola não está conseguindo enxergar o tamanho desta violência, dessa agressividade. Se minha filha cai do balanço e se machuca de maneira superficial, eles me ligam na hora. Mas quando acontece um negócio desse, ficam tentando fugir do assunto. Aconteceu e não me ligaram, permitiram que eu continuasse levando minha filha a um ambiente onde acontecia tudo isso. Agora entendo por que minha filha fica apavorada para entrar na escola com apenas quatro anos de idade”, desabafa Michael.

Devido ao fato, o advogado não se sente seguro para enviar a menina para escola, que tem faltado às aulas. Ele ainda enviou uma notificação extrajudicial à escola, pedindo esclarecimentos sobre as medidas tomadas pela instituição. Para ele, não se trata apenas de sua filha e, sim, da segurança das futuras crianças negras que se matricularem no colégio.

“Mudar minha filha de sala não vai resolver, ela não tem culpa de nada. A questão tem que ser resolvida de maneira coletiva, tem que conversar com os pais e as crianças, mas eles estão relativizando uma violência por não enxergar o tamanho dela. A escola precisa entender que ela precisa montar um protocolo para isso, não pode ser dessa maneira.”

Resposta do Colégio Objetivo

Em nota à Alma Preta, o Colégio Objetivo Guarujá informou ter sido notificado sobre uma possível ocorrência de racismo no dia 2 de setembro e que, imediatamente, iniciou uma “observação técnica aprofundada do quadro”. O colégio alega ter desenvolvido o tema de diversidade e inclusão com as crianças a partir de rodas de conversa e literaturas específicas para a faixa etária.

“A partir disso, também iniciamos o contato com famílias da turma, sem deixar de lado o principal: o total e rápido acolhimento da criança em questão. […] Entendemos ser essencial agirmos para a educação também daqueles que podem ter cometido preconceito. Inclusive, uma das professoras da sala em questão é negra e tem um olhar atento para isso”, diz trecho do comunicado.

No entanto, Michael de Jesus afirma que a resposta da escola em relação aos acontecimentos veio somente no dia 13 de setembro e que não foi oferecido diretamente nenhum tipo de suporte psicológico, mesmo com profissionais à disposição na unidade. 

“Só entraram em contato depois que notifiquei a imprensa. Só depois disso que outras mães da sala da minha filha relataram no grupo do WhatsApp que foram chamadas na escola, ainda sem saber o motivo. Em relação ao apoio psicológico, […] não me foi ofertado nada além dos serviços habituais da escola”, relata.

Veja a nota do colégio na íntegra

“O Colégio Objetivo Guarujá não compactua com nenhuma forma de preconceito. Atuamos em favor da diversidade, do antirracismo e de ambientes acolhedores e empáticos. 

Diariamente, educamos para disseminar essa cultura e, por isso, mantemos canais de escuta e acolhimento para toda a comunidade escolar manifestar denúncias. Todas elas começam imediatamente a ser investigadas de forma privada, com o zelo e a atenção exigidos quando tratamos de crianças.

Em 2 de setembro, fomos informados sobre uma possível situação de racismo em uma turma de Educação Infantil, entre crianças de 4 anos. Imediatamente iniciamos observação técnica aprofundada do quadro e passamos a atuar em prol do reforço da pauta da diversidade e do respeito às diferenças por meio de rodas de conversa e leituras com material didático pertinente como o livro “Menina bonita do Laço de Fita”, de Ana Maria Machado, que aborda  temas ligados ao respeito e à valorização da diferença, além de contribuir para o combate ao racismo na infância numa linguagem própria para a faixa etária. 

A partir disso, também iniciamos o contato com famílias da turma, sem deixar de lado o principal: o total e rápido acolhimento da criança em questão. 

Todo esse processo ocorreu sempre pautado por nosso papel pedagógico, principalmente por se tratar de crianças de 4 anos de idade, em processo inicial de formação psicossocial e de perspectiva do mundo. 

Entendemos ser essencial agirmos para a educação também daqueles que podem ter cometido preconceito. Inclusive, uma das professoras da sala em questão é negra e tem um olhar atento para isso.

Estamos comprometidos em fazer da nossa escola um lugar onde cada criança se sinta valorizada, respeitada e capaz de alcançar seu pleno potencial. Resolvemos pro-ativamente comunicar a todos os membros da comunidade escolar e agir de forma transparente. Acreditamos que, ao nutrir um ambiente de inclusão e respeito desde cedo, estamos preparando nossas crianças para serem cidadãos compassivos e conscientes em um mundo diverso. 

É triste nos depararmos com denúncias como esta. Lamentamos profundamente que essa seja, ainda em 2024, uma realidade em nossa sociedade. 

Com o compromisso de atuar para construir uma sociedade mais justa, nossos colaboradores passam semestralmente por programas de capacitação rigorosos e acompanhamento especializados neste tema. Temos confiança na qualificação técnica de nossos profissionais para lidarem com situações como a mencionada.

É nossa missão auxiliar toda a comunidade a criar um ambiente em que o racismo nunca encontre espaço. Seguiremos assim, em constante evolução e atentos, como a educação das nossas crianças pede para, juntamente com as famílias, construirmos a melhor escola para nossos alunos.”

Texto alterado após a publicação*

  • Verônica Serpa

    Graduanda de Jornalismo pela UNESP e caiçara do litoral norte de SP. Acredito na comunicação como forma de emancipação para populações tradicionais e marginalizadas. Apaixonada por fotografia, gastronomia e hip-hop.

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