Identificar e visibilizar o trabalho de pessoas dedicadas à cultura do cuidado – cuidar de quem cuida – é uma das premissas da rede Circular Cuidadores do Mundo que nasce, a partir de um levantamento inédito em comunidades do Rio de Janeiro e Grande Rio, revelando 30 projetos voltados ao combate de preconceitos em geral, à defesa dos direitos das mulheres e à preservação do meio ambiente.
O estudo considerou iniciativas que envolvam ações culturais como parte da estratégia e é liderado pela ativista cultural Marina Vieira, com a coparticipação das pesquisadoras Maria Gouvêa e Raquel Diniz.
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A rede surge em um momento em que a cultura do cuidado também ganha atenção do Governo Federal. Neste ano tramita no Senado texto substitutivo ao Projeto de Lei 5791/19, que cria a Política Nacional de Cuidados. Em janeiro de 2023, por meio do Decreto nº 11.392, foi criada a Secretaria Nacional da Política de Cuidados e Família como parte do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social, Família e Combate à Fome.
Embora recém-nascido, o projeto Circular já será ampliado com a identificação dos cuidadores e seus projetos em outras cidades do Rio, além de São Paulo e Minas Gerais.
“É preciso olhar para essas pessoas que estão na ponta da cultura dos cuidados e realizando trabalhos importantíssimos de acolhimento e incentivo, em diversas esferas e dimensões. São aqueles que realmente precisam”, afirma Marina Vieira.
“Um dos objetivos é ganhar força nacionalmente, criando uma rede colaborativa do cuidado, para angariar fundos e gerar suporte à manutenção das atividades desenvolvidas por esses indivíduos, que vivem e trabalham em prol de terceiros, com muito pouco ou nada”, completa.
Uma característica do Circular Cuidadores do Mundo é a identificação de pessoas físicas, sem qualquer vínculo com organizações, iniciativa privada ou poder público, que são dedicadas a uma atividade não remunerada e em benefício da população.
O levantamento reúne muitos exemplos, como Lucimar Ferreira, que começou oferecendo aulas de kickboxing a jovens do entorno do píer à frente da Baía de Guanabara, no contraturno escolar, e acabou se envolvendo com a pesca artesanal, chegando a fundar a Associação Pescador Desportivo Luthando pela Vida, que atualmente reúne 360 associados entre pescadores, marisqueiros e caranguejeiros.
“A Lucimar é uma das cuidadoras identificadas no levantamento, que indica pessoas que enxergam os problemas e buscam soluções para transformar vidas”, comenta Raquel.
O exemplo de Lucimar revela ainda outra descoberta do levantamento: várias causas se conectam em um mesmo projeto. “Dificilmente essas iniciativas são voltadas apenas para uma pauta. Elas são transversais”, explica Marina. “Ações culturais também passam pela saúde, pela conscientização de deveres e direitos, pela preservação da memória e valorização de quilombolas e indígenas, por exemplo”, completa.
Projetos mapeados
Dos 30 projetos identificados nesta primeira fase de construção da rede, 21 realizam ações de enfrentamento ao racismo e 18 trabalham com questões relacionadas às mulheres e promovem práticas de emancipação feminina. Em 16 casos, práticas culturais são usadas como forma de cuidado. Além disso, 13 trabalham com foco na saúde, enquanto 11 declaram cuidar do meio ambiente.
“Todos os cuidadores estão associados a conselhos populares e outros tipos de mobilização”, observa Marina.
Chama a atenção o fato de 21 dos 30 projetos utilizarem a escuta e o acolhimento como metodologia para o cuidado. O cuidar nesse contexto das organizações tem diversos significados: a prestação de um serviço, o acesso a direitos, a recuperação dos afetos e das relações, o fazer coletivo ou ainda um abraço.
Outro dado presente no estudo é a prevalência feminina à frente dos projetos. Dos 30 entrevistados, 20 são mulheres, nove são homens e um se declara não-binário.
Troca de experiências entre cuidadores
A Rede Circular Cuidadores do Mundo promove encontros para a troca de experiências e reflexões como parte de sua proposta. “No primeiro deles, o que notamos é que alguns dos cuidadores já se conhecem e compartilham informações, promovem formação. Outros estão conectados para ampliar o conhecimento”, comenta Marina.
“Essa é uma das nossas perspectivas, unir e até incentivar outras pessoas a desenvolverem projetos voltados para cultura do cuidado, de pensar na coletividade”.
A iniciativa é uma realização do Governo Federal, Ministério da Cultura, Governo do Estado do Rio de Janeiro, Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, por meio da Lei Paulo Gustavo e da Mil e Uma Imagens Comunicação.