Presidenta da ONG havia se pronunciado a favor do “Dia da Consciência Humana” e foi rebatida pelas funcionárias
Texto / Simone Freire | Imagem / Prefeitura de São Paulo | Edição / Pedro Borges
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A advogada Karina Lopes e a assistente social Fabiana Cardoso da Silva denunciam um episódio de racismo institucional no Centro de Referência e Promoção de Igualdade Racial da Zona Norte, em São Paulo (SP). O órgão público, ligado à Secretaria Municipal de Direitos Humanos da cidade, é administrado pela ONG Associação Beneficente Braços Abertos.
Segundo as ex-funcionárias da unidade, elas foram demitidas por discordarem de Rosangela Crepaldi, presidente da ONG. Durante uma roda de conversa sobre o Dia da Consciência Negra, realizada no dia 29 de novembro, Rosangela teria dito que não era a favor do Dia da Consciência Negra, mas do Dia da Consciência Humana.
A roda era coordenada pelas ex-funcionárias que se pronunciaram em seguida defendendo a importância do Dia da Consciência Negra, data que faz referência ao dia da morte de Zumbi dos Palmares, líder do Quilombo de Palmares. Na ocasião elas mostraram dados do Mapa da Violência, mostrando como um jovem negro tem três chances a mais de morrer do que um jovem branco nas mesmas situações, além de outros dados que justificam as ações afirmativas existentes hoje em prol da população negra.
“Acreditamos que as demissões só aconteceram porque discordamos da opinião da presidente da ONG Braços Fortes. Ou seja, um ato de racismo institucional. Me sinto discriminada e inconformada que uma ONG que não tem empatia com a temática racial administre um centro de referência”, diz Karina. A advogada também diz ter sido pega de surpresa com a demissão uma vez que tinha boas relações com a coordenação do Centro.
Segundo Fabiana, a justificativa dada na demissão foi que Rosangela não teria concordado com seus posicionamentos durante a roda de conversa. Enquanto ela e Karina expunham seus argumento em defesa da data, Rosangela levantou-se, dirigiu-se à área interna do Centro de Referência e pediu a demissão das funcionárias.
Em nota, a Associação Braços fortes disse que o Centro de Referência não cometeu qualquer ato ilícito e discriminatório nas demissões e que as condutas das ex-funcionárias Karina e Fabiana não estavam de acordo com as diretrizes do plano de trabalho da coordenação da entidade e que a decisão de desligá-las já tinha sido tomada anteriormente à atividade da roda de conversa. “As demissões se justificam pelo fato da constatação de reprováveis posturas e diálogos radicais afrontosos por parte das ex-funcionárias, e que poderiam, inclusive, proferir o ódio”, diz a nota.
Karina e Fabiana eram contratadas em regime CLT. Karina, por sua vez, havia sido contratada para cobrir a licença maternidade de uma outra funcionária e estava trabalhando no centro há um mês e meio. Segundo as funcionárias, a demissão por este motivo foi um espanto, uma vez que a própria coordenação do centro as incentivava a realizar eventos com a temática racial devido às suas experiências e nunca lhes foi imposta restrições nestas atividades.
Após as demissões, um processo administrativo foi aberto por elas contra o Centro de Referência no dia 17 de dezembro. “A gente fez a denúncia porque se nosso pensamento fosse igual ao dela, afirmando que os negros são racistas, sendo contra a data, desqualificando toda a luta do movimento negro, com certeza, a gente não teria sido demitida. Então, por a gente falar sobre o racismo, fala do que a gente foi contratada para fazer, eu fui falar da Consciência Negra e fui mandada embora”, conta Fabiana.
Em sua defesa no processo, o Centro de Referência alegou que as demissões efetuadas “foram motivados por aspectos intrínsecos de incompatibilidade de função com a entidade e não por divergência de pensamentos das colaboradoras. Por isso, em alguns casos pode ocorrer uma incompatibilidade entre os princípios da empresa e do funcionários, gerando uma postura capaz de contaminar negativamente toda a equipe”.
Em sua decisão sobre o processo, a Secretaria Municipal de Direitos Humanos de São Paulo concluiu que as demissões foram indevidas. “Tratando-se de uma equipe, as divergências de posicionamentos deveriam ser motivo de diálogos e não de exclusão imediata”, diz trecho do processo. Por fim, a Secretaria concluiu que a Associação Braços Fortes está proibida de usar o dinheiro público para cobrir os custos com as demissões das duas funcionárias porque os cofres públicos não devem arcar “com gastos que poderiam ter sido evitados”.
Outro processo, desta vez na esfera criminal, foi aberto por Karina no dia 3 de dezembro, um dia após sua demissão onde a advogada acusa formalmente Rosangela Crepaldi de racismo institucional. A reportagem também questionou a presidente da ONG, por meio da Associação, sobre este segundo processo. Em nota, a organização comentou que “não vai se pronunciar com relação a suposto processo na esfera cível, uma vez que não foi citado de seu conteúdo”.
Para a advogada Karina, embora passar por situações de racismo seja bem difícil, é sempre necessário procurar não se culpabilizar. “É entender que vivemos numa sociedade opressora e denunciar, por mais que não possamos evitar que essas coisas aconteçam, não podemos observar apáticos. É denunciar e torcer para que a justiça seja feita”, diz.