Um estudo realizado pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made), sediado na Universidade de São Paulo (FEA/USP), revelou que as despesas públicas com saúde e educação são relativamente maiores nas famílias chefiadas por mulheres negras e, em seguida, por homens negros.
Intitulada “Desigualdade de raça e gênero e impactos distributivos dos gastos públicos com saúde e educação no Brasil”, a pesquisa de autoria de João Pedro de Freitas Gomes, Pedro Romero Marques e Fernando Gaiger Silveira visa contribuir para o debate sobre o papel redistributivo da política fiscal no país.
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Os resultados mostram, em primeiro lugar, que gastos públicos com saúde e educação têm impacto progressivo sobre a distribuição de renda, ou seja, diminuem sua relevância à medida que se chega no topo da pirâmide.
Para os 10% mais pobres do Brasil, esses gastos correspondem à metade da renda das famílias, sendo a renda entendida como a soma dos benefícios públicos e a renda monetária das famílias. Para os 50% mais pobres, tais gastos somam pelo menos um quarto da renda.
Os dados expõem que, no Brasil, “a distribuição de renda por raça e gênero é fortemente influenciada pela concentração da população negra nos extratos de renda mais baixos, uma característica peculiar do país”.
Pedro Romero Marques, coordenador de pesquisas do Made e doutor em Economia pela FEA/USP, afirma em entrevista à Alma Preta Jornalismo que o resultado não indica um benefício deliberadamente voltado para as pessoas negras ou pobres, mas o quadro se dá devido à desigualdade na distribuição de renda.
“O que esse resultado indica é que o serviço publico brasileiro, no que se diz respeito ao gasto público com saúde e educação, cumpre um papel fundamental no sentido de reduzir o impacto que, a possibilidade de consumir esse serviço de forma privada, por parte das pessoas mais ricas poderia gerar em termos de desigualdade de acesso a esses serviços essenciais”, explica.
O pesquisador pontua que no formato em que o Estado brasileiro se apresenta, ele possui uma importância significativa para garantir “uma melhor distribuição do acesso à saúde e educação no Brasil” e, caso o cenário fosse o oposto disso, o resultado produzido pelo mercado privado também seria diferente.
“No limite em que se pode consumir saúde e educação, e que se opta por este modelo, e que se troca, por exemplo, um modelo público universal por um modelo privado, o que tende a acontecer é um aumento significativo da desigualdade. Porque esses gastos deixam de ser públicos e acabam incidindo sobre a renda das pessoas mais pobres”, completa.
A pesquisa conclui que, a partir do gasto privado em saúde, “a oferta pública desses serviços se torna menos relevante à medida que se avança para o topo da distribuição, indicando restrições à universalização das políticas de saúde e de educação pelo Estado brasileiro e sugerindo a dominância de um modelo privado associado ao topo”.
“O efeito que a gente observa, de que as pessoas negras são mais beneficiadas porque estão mais concentradas na base da pirâmide, é uma observação que a gente vê de forma geral na forma como a política social brasileira está estruturada, porque há uma concentração excessiva de pessoas negras nas camadas mais pobres. Isso também ocorre quando existe um certo tipo de política que os penaliza, por exemplo, a tributação indireta. Esse efeito é sentido mais pela população negra por causa dessa convergência”, afirma Pedro.
O pesquisador também reitera que, no caso da saúde e educação, é crucial lembrar que elas são políticas universais, então não possuem o intuito específico de servir apenas aos mais pobres ou apenas às pessoas negras. “O ponto é que, como a estrutura está montada, esse sistema dual de saúde, em que o acesso à saúde privada é do topo e o topo é associado às pessoas brancas”, conclui.