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‘Há uma ligação direta entre insegurança alimentar e racismo no Brasil’, diz nutricionista

Segundo o Ministério da Saúde, negros consomem menos frutas e verduras que os brancos;fome atinge 67,5% das famílias negras no país, em uma realidade em que o auxílio emergencial não cobre o custo da alimentação

Texto: Roberta Camargo | Edição: Nataly Simões | Imagem: Reprodução/Unicef

Retratando a insegurança alimentar, um prato branco vazio em cima de uma mesa de madeira e um garfo

17 de maio de 2021

As pessoas negras consomem frutas e legumes 33% menos do que as pessoas brancas, de acordo com daddos da pesquisa de Vigilância de Fatores de Risco para doenças crônicas, do Ministério da Saúde. A nutricionista Áurea Santa Izabel aponta o racismo como o principal agente na manutenção da insegurança alimentar no Brasil. “O racismo alimentar está ligado diretamente aos desdobramentos sociais definidos pela história de mais de 300 anos de escravidão”, afirma a profissional.

A recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) é de que cada indivíduo consuma cerca de 400 gramas de frutas ou hortaliças diariamente. A realidade do Brasil caminha no sentido oposto. Com 125 milhões de pessoas em situação de insegurança alimentar, somente 29% da população consome a quantidade ideal de alimentos. Os números alarmantes se estabelecem em meio à crise provocada pela pandemia da Covid-19.

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Dados do estudo ‘Efeitos da pandemia na alimentação e na situação da segurança alimentar no Brasil’, realizado pela Universidade Livre de Berlim, mostram que, no segundo semestre de 2020, mais da metade da população teve que conviver com a insegurança alimentar. Neste mesmo contexto, 44% dos brasileiros deixaram de comer carne por não ter meios de custear o alimento.

A nutricionista lembra que o acesso da população negra a alimentos in natura é mais difícil e isso faz parte da estratégia estabelecida pela indústria alimentícia. “A indústria aproveita justamente a população que está fora dessas discussões e que sobrevive a partir daquilo que é oferecido a ela e vem com esses produtos em grande escala,  que ficam mais baratos. A população negra que, na maioria dos casos, não tem condições financeiras e acaba consumindo. Isso faz com que esses alimentos ultraprocessados sejam mais próximos dessa população”, exemplifica Áurea. 

Leia também: Nutricídio, mas também pode chamar de fome

Autonomia alimentar através do diálogo

“É uma espécie de doutrinação por osmose que interfere na autonomia alimentar daquela população que faz uma escolha inconsciente daquele alimento e cria um hábito”, explica a pesquisadora na área de Segurança Alimentar e Nutricional, sobre a lógica mercadológica da indústria de alimentos. Para Áurea, o apoio aos pequenos produtores e à agricultura familiar, assim como o diálogo, são meios de combater o racismo alimentar e estimular a autonomia da população negra.

Nas regiões periféricas, os alimentos frescos raramente são a primeira opção da população. “É muito mais fácil você encontrar um miojo ou um saco de biscoito na vendinha da esquina, custando pouco mais de R$ 1. Os grandes mercados não estão nesses lugares para oferecer alimentos mais saudáveis e nem o dono da vendinha tem acesso a fornecedores que estimulem compra e venda de alimentos in natura, por exemplo”, salienta a nutricionista. Neste cenário, destacam-se iniciativas de promoção à alimentação equilibrada e com baixo custo para os moradores das periferias.

Leia também: Projeto de cultivo de verduras e legumes ajuda a matar a fome nas periferias

Atualmente, a fome atinge 67,5% das famílias negras no país, em uma realidade em que o auxílio emergencial, no valor de R$ 250, não cobre o custo da alimentação. “É muito difícil falar sobre os meios que a população tem para romper com a lógica que sustenta o racismo alimentar, sem apoio do Estado e com o crescimento da indústria de alimentos e da indústria farmacêutica”, reforça Áurea.

“Se eu tenho uma população que se alimenta mal e tem sua saúde prejudicada por isso, eu tenho uma população mais vulnerável e vou vender mais remédio”, pondera a nutricionista, que considera uma evolução nas discussões sobre o tema. “Em 2021, essas discussões estão muito mais amplas. Ainda falta muito para a gente chegar onde quer, mas são ações fundamentais para que a população caminhe na contramão dessa lógica da indústria alimentícia”, finaliza.

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