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Irmã de criança assassinada em conflito por terras presta depoimento

A adolescente, de 15 anos, estava com a criança e os pais quando a residência foi invadida por homens encapuzados, no município de Barreiros, na Zona da Mata Sul de Pernambuco; a jovem compareceu à delegacia local acompanhada de duas advogadas

 

Imagem mostra a fachada de casa de taipa e chão batido, típica de Zona Rural

Foto: Imagem: CENDHEC

3 de março de 2022

A irmã de uma criança morta a tiros por conflito de terras em Pernambuco prestou depoimento à polícia nesta quinta-feira (3). A jovem de 15 anos estava presente no momento em que o irmão, de 9 anos, foi vítima dos disparadas feitos por homens encapuzados que invadiram sua propriedade da família no município de Barreiros, na Zona da Mata Sul, a 107km da capital. O crime aconteceu no último dia 10 de fevereiro. 

Segundo relatos apurados, a criança, identificada como Jonathas Oliveira, estava escondida debaixo da cama junto à sua mãe quando os atiradores entraram na casa disparando. Até então, o principal alvo seria o pai da família, Geovane Oliveira, uma das lideranças políticas da região e integrante da Associação dos Agricultores Familiares de Barreiros, que também foi atingido no ombro, mas seguiu com vida. 

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Apesar de a polícia, em coletiva de imprensa, ter apresentado como motivo da invasão um suposto atrito do tráfico de drogas no local, organizações sociais e a comunidade do Engenho Roncadorzinho, localidade exata da de onde fica a propriedade da família, não descartam que o conflito agrário pode ter sido a causa.

A adolescente da família compareceu à Delegacia de Polícia Civil do município, às 11h, para dar a sua versão e detalhar a cronologia dos fatos. A prima de Jonathas, de 14 anos, também foi ouvida. Cada depoimento durou cerca de 30 minutos. As duas pareciam tranquilas, mesmo diante do contexto. Na ocasião, estavam presentes uma psicóloga e profissional psicossocial dando suporte. 

Também para garantir que o depoimento prosseguisse da forma mais acolhedora possível, a jovem foi acompanhada de duas advogadas do Centro Dom Helder Camara de Estudos e Ação Social – organização não governamental sem fins lucrativos, que defende e promove direitos às crianças, adolescentes, moradoras e moradores de assentamentos populares e grupos socialmente excluídos -, Juliana Accioly e Manuela Soler.

“Fizemos um trabalho anterior, principalmente com a irmã de Jonathas, de acolhimento psicológico. Uma psicóloga do Cendhec acompanhou a adolescente, de 15 anos, durante um período, para tirar dúvidas sobre o procedimento e as perguntas que seriam feitas. Reforçamos na Delegacia, com a Secretaria de Assistência e com o próprio promotor a necessidade do acolhimento no ambiente do depoimento”, conta Juliana.

Após o assassinato de Jonathas, profissionais do CENDHEC também estiveram presentes e seguem acompanhando o caso junto à Comissão Pastoral da Terra (CPT) e a Federação dos Trabalhadores Rurais Agricultores e Agricultoras Familiares do Estado de Pernambuco (FETAPE), que cobram celeridade nas investigações ressaltando que, independente da motivação, é “inadmissível e repugnante a invasão da casa de uma família e o execução cruel de uma criança”, como afirmam em nota conjunta encaminhada à imprensa. 

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Durante a invasão dos sete suspeitos na casa, Jonathas Oliveira, de apenas 9 anos, estava escondido embaixo da cama junto à mãe. O garoto foi vítima de disparos e não resistiu. 

Conflito agrário

Ainda segundo as organizações, nos últimos anos, a comunidade vem sofrendo diversas ameaças e violências promovidas por empresas que exploram economicamente a área. O conflito teria sido denunciada pela FETAPE e pela CPT há vários meses, sem que medidas efetivas tivessem sido tomadas por parte do Estado para solucionar a tensão e a violência no local, que era propriedade da Usina Central Barreiros, mas atualmente está sob administração do Poder Judiciário, que arrendou.

O Engenho Roncadorzinho, onde a família sofreu o ataque, trata-se de uma ocupação de pequenos agricultores que se deu após falência das usinas onde trabalhavam ou eram credoras, mas nunca receberam as devidas indenizações. A comunidade existe há 40 anos e, hoje, abriga cerca de 400 pessoas, sendo 150 deles crianças. 

Em agosto do ano passado, a Alma Preta Jornalismo chegou a noticiar um protesto realizado pelos moradores, que denunciavam intimidações. Entre as práticas, estavam o despejo de veneno sobre as lavouras, o corte arbitrário de pés de frutas e tentativas de infertilizar o solo. 

Sobre as medidas que foram tomadas após o episódio, a advogada Juliana Accioly explica: “A Secretaria Executiva de Direitos Humanos ofereceu que as vítimas pudessem ingressar no Provita, que é o programa de proteção à testemunha, mas foi recusado porque a família teria que sair da área, e como o pai, Geovane, é uma liderança comunitária, isso não teria muito sentido. Foi feito um acordo, com o pessoal da Secretaria de Defesa Social (SDS), no sentido de trazer uma maior com rondas de viaturas da polícia. Porém, uma proteção específica e direcionada às crianças, por exemplo, isso não foi feito”, aponta Accioly.

A advogada ainda ressalta a problemática que envolve crianças do mesmo meio que o menino Jonathas. Para Juliana, as infâncias, de uma forma geral, sofrem diversas vulnerabilidades a depender do ambiente e das políticas que são destinadas a elas. Para ela, no caso específico das crianças camponesas, que estão inseridas dentro de um contexto de conflito agrário, isso se torna ainda mais vulnerável.

“Tanto para as violências, porque a gente tem no campo um conteúdo de violência muito grande, inclusive de conflito armado, e também uma ausência maior de políticas públicas destinadas para essa população. Se a gente já não tem uma política agrária que garanta sustento, moradia, dignidade para os adultos que vivem do campo, quiçá as crianças, que acabam ficando em segundo plano, em diversos outros sentidos”, aponta.

Suspeitos identificados 

Movimentos sociais e familiares presentes na localidade, além do choque com o ocorrido, seguem receosos com a possível repetição de ameaças e ataques como o que levou a vida do menino Jonathas. Até então, a polícia civil conseguiu pouco mais da metade dos suspeitos. 

No último dia 16 de fevereiro, três homens e um adolescente de 15 anos foram apreendidos e encaminhados à delegacia do município e, até o momento, estão sob o poder da justiça para fins de investigação. Caso sejam sentenciados, os culpados devem responder por tentativa de homicídio e pelo homicídio de uma criança. 

As investigações seguem e a polícia promete atualizar o caso via coletiva de imprensa junto a representantes da corporação, na capital pernambucana, com informações dadas pelo delegado titular, Bruno Queiroz. A Alma Preta Jornalismo deve acompanhar as atualizações.

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