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Jovens negras são a população com menor acesso a trabalho de carteira assinada

Indicadores do relatório “Mude Com Elas”, da ONG Ação Educativa, revelam que, apesar da melhora na última década, o mercado de trabalho para as mulheres negras ainda é desafiador
Imagem mostra o rosto de uma mulher parda de perfil.

Foto: Reprodução

8 de maio de 2024

O desemprego ainda é um dos principais desafios socioeconômicos do Brasil. Ao final de 2023, o país tinha 8,1 milhões de pessoas desocupadas, o que representava cerca de 7,4% das pessoas com idade para trabalhar, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD), divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Apesar de ser o número mais baixo desde 2014, a realidade ainda é bastante desafiadora para pessoas negras e mulheres. De acordo com o relatório “Mude com Elas” do projeto homônimo implementado pela ONG Ação Educativa, o desemprego de jovens mulheres negras – na faixa etária entre 18 e 24 – é de 18,3% ou três vezes maior que o percentual de homens brancos (5,1%) nessa condição.

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Jovens mulheres negras têm ainda menos proteções garantidas pela Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Enquanto apenas 44% delas têm carteira assinada, esse número passa de 50% no caso de homens brancos. Elas constituem o segmento que menos têm acesso ao trabalho no setor privado com carteira assinada, além da alta rotatividade com as taxas de baixa permanência no trabalho atual – 40,4% com menos de um ano no trabalho.

Jovens negras enfrentam discriminação nos processos seletivos

Nos processos seletivos, a discriminação também está presente. Em um depoimento anônimo no relatório “Situação de Jovens negras no mercado de trabalho”, uma delas relata o sofrimento de tentar uma vaga no mercado de trabalho, sendo mãe.

“Depois que descobrem que eu sou mãe, é literalmente só sobre como eu vou lidar com a gestão do meu tempo com a minha filha, o que eu vou fazer. Então é muito difícil. A última entrevista que eu fiz, online, eu me lembro, sem brincadeira, de falar pelo menos umas quatro vezes pra moça que estava fazendo a pesquisa comigo que eu ia dar conta. Eu falava assim: ‘Não, eu tenho pessoas, a minha rede de familiares e de amigos. Eu não estou sozinha nesse sentido, a minha filha não vai ficar em casa sozinha. (…) ela tem o pai dela; ela tem avós, ela tem tios, ela tem primos e ela também tem a creche se for preciso’. É uma loucura, é muito ruim. Vou te falar, é um saco. É a pior parte da entrevista.”

Informações como essas foram obtidas a partir do cruzamento de dados do Pnad, considerando o terceiro trimestre de 2023 – período em que o relatório foi elaborado. Além da Ação Educativa, participam do projeto o Instituto Terre des Hommes e o Ministério para Cooperação e Desenvolvimento Alemão, apoiador do projeto.

Apenas 44% das jovens negras trabalham com carteira assinada. (Marcelo Camargo/Agência Brasil)

O estudo mostra que, desde a pandemia, as condições de trabalho melhoraram, mas ainda assim, o Brasil não tem políticas públicas específicas para as jovens negras nem tampouco as empresas possuem um olhar direcionado a essas mulheres, que são frequentemente preteridas em processos seletivos.

Quando conseguem uma vaga, as jovens mulheres negras recebem em média 2,7 vezes menos que homens brancos. Enquanto as mulheres negras têm salário médio de R$ 1.582, os homens brancos recebem R$ 4.270. O salário das jovens negras chega a ficar abaixo até da renda média dos brasileiros, que é R$ 2.982.

Fernanda Nascimento, coordenadora do projeto Mude com Elas, explica que os recortes interseccionais ajudam a compreender melhor as mazelas advindas do racismo no país. “A desigualdade é um fenômeno que infelizmente aparece nos mais diversos aspectos da sociedade brasileira, nas questões jurídicas, econômicas e no mercado de trabalho. E partindo de todos os recortes sociais, as mulheres pretas, em especial as jovens, são as que mais sofrem com todos esses problemas”, salienta.

Para ela, quanto mais acessos e ferramentas de inclusão, mais essas jovens poderão redefinir não apenas suas próprias vidas, mas também o destino de gerações. “Empoderar essas mulheres é urgente e esse compromisso só será efetivo por meio de políticas públicas efetivas e pelo comprometimento com o real propósito da transformação”, afirma a coordenadora.

Iniciativas necessárias

Diante da urgência de desenvolver e potencializar as iniciativas para a inclusão de mais mulheres negras no mercado de trabalho, é válido destacar a importância de dar voz a este público-alvo. “O projeto Mude com Elas é uma iniciativa que visa chamar a atenção da sociedade para a pauta das jovens mulheres negras no mercado de trabalho. Inclusive, dez jovens que fazem parte do projeto foram dialogar com ministérios e contribuíram para o desenho do Programa Asas para o Futuro”, afirma Fernanda.

Asas para o Futuro é um Plano de Ação do Pacto Nacional de Prevenção aos Feminicídios, de articulação do Ministério das Mulheres. Conta com 73 medidas estruturantes e transversais, que objetificam prevenir todas as formas de discriminação, misoginia e violência de gênero contra mulheres e meninas, com estratégias desenvolvidas pelas diferentes pastas ministeriais.

Para além da inclusão no mercado de trabalho, também são importantes as condições que essas mulheres enfrentarão nesses empregos. “O Mude com Elas acredita que é preciso retomar o debate sobre qualidade dos postos de trabalho”,  reforça a coordenadora. “Retomar a Agenda de Trabalho Decente para Juventude e focar na intersecção de gênero e raça é uma chave para produzir políticas públicas.”

O relatório divulgado pela Ação Educativa também revela que o acesso ao ensino superior é menor entre as mulheres negras. Com base nos dados da PNAD, 23,4% desse perfil, com idade entre 18 e 24 anos, frequentam ou já terminaram uma graduação. Enquanto o número de mulheres brancas na mesma situação é de 39,8%.

No grupo de pessoas de 14 a 29 anos, 10,6% das mulheres negras trabalham e estudam, enquanto 23,3% estão fora da força de trabalho e também não estudam. Considerando as mulheres brancas da mesma faixa etária, 15,4% trabalham e estudam e 15,4% estão fora da força de trabalho e não estudam.

Fernanda Nascimento afirma que questões históricas ajudam a explicar o pouco acesso de pessoas pretas, principalmente mulheres, ao ensino superior, já que as graduações passaram a abrir espaço para jovens fora da elite econômica somente na segunda metade do século passado.

“E esse número ainda está bastante reduzido em algumas áreas, como a STEAM”, referindo-se à abordagem pedagógica inovadora que promove o ensino de quatro disciplinas (ciências, tecnologia, engenharia, artes e matemática) de forma integrada.

O projeto também tem pautado a qualificação da política de aprendizagem profissional, que, se garante um contrato formal no início da vida profissional de jovens, ainda têm alcance limitado e não considera as experiências de racismo e sexismo nos ambientes educativos e de trabalho.

“As universidades eram voltadas para uma elite intelectual e financeira do país e, embora projetos políticos nas últimas décadas tenham aumentado a inserção de pessoas com menos renda, ainda é preciso mais para corrigir uma distorção que durou décadas”, finaliza.

  • Redação

    A Alma Preta é uma agência de notícias e comunicação especializada na temática étnico-racial no Brasil.

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