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Justiça rejeita denúncia contra policiais civis envolvidos na Chacina do Jacarezinho

Os agentes Amaury Godoy Mafra e Alexandre Moura de Souza foram denunciados por homicídio doloso e fraude processual; a operação de maio do ano passado deixou 28 mortos

Imagem mostra dois agentes de polícia do Rio de Janeiro armados sobrepostos à uma periferia ao fundo

Imagem mostra dois policiais do Rio de Janeiro armados sobrepostos à uma periferia ao fundo

— Imagem: Tânia Rêgo / Agência Brasil

8 de junho de 2022

Após um ano e um mês da morte de 28 pessoas na chacina do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio de Janeiro, uma nova atualização foi dada. Na noite da última terça-feira (7), a justiça rejeitou a denúncia apresentada pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ) que apontava participação de dois policiais civis na morte de Richard Gabriel da Silva Ferreira e Isaac Pinheiro de Oliveira, em 6 de maio de 2021.

A denúncia do MPRJ foi feita ao 2º Tribunal do Júri da Capital e alega que os policiais entraram na residência onde Richard e Isaac se abrigaram após terem sido baleados durante a troca de tiros. Caso fosse acatada, os agentes Amaury Godoy Mafra e Alexandre Moura de Souza seriam indiciados pelos crimes de homicídio doloso, além de fraude processual. 

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Para a justiça, a decisão de não acatar ao apontamento feito pelo MP tem base em informações repassadas pela perícia, que comprovam que “os elementos informativos e probatórios produzidos são idôneos para formar a justa causa necessária ao recebimento da ação”. Em outras palavras, os peritos envolvidos nas investigações atestam ausência de conflito onde as duas vítimas foram encontradas mortas.

O magistrado responsável pela ação, Daniel Werneck Cotta, afirmou que os elementos apresentados à justiça apontam que não houve intenção de matar e, sim, ação de legítima defesa. O juiz destaca, ainda, que não havia sinais de execução, como tiros a curta distância, e que Isaac foi socorrido com vida. Além disso, o juiz desqualifica um áudio anexado ao processo, que teria sido gravado no momento em que as vítimas se renderiam.

Em contrapartida, o Ministério Público do Rio de Janeiro informou que espera uma intimação oficial da decisão para poder analisar os argumentos, a recusa da denúncia e, posteriormente, avaliar a possibilidade de recurso. 

Esta rejeição foi contrária à decisão tomada pela justiça em outubro do ano passado, que acatou a denúncia contra dois policiais da “Tropa de Elite” da Polícia Civil, Douglas Siqueira e Anderson Pereira, que se tornaram réus sob acusação de homicídio e fraude processual. Ambos foram acusados de envolvimento no homicídio de Omar Pereira da Silva, de 21 anos, morto na operação – considerada a mais letal da capital fluminense.

Na ocasião, a magistrada Elizabeth Louro, da 2ª Vara Criminal, determinou que a Polícia Civil do Rio de Janeiro interrompesse as investigações sobre o caso e enviasse todos os documentos para a justiça. A juíza ainda proibiu os agentes de atuarem em seus cargos, como também de terem contato com moradores da comunidade. 

A denúncia acatada relatava que Omar teria sido executado pelo agente Douglas Siqueira no interior de uma casa na Travessa São Manuel, no Jacarezinho. De acordo com os promotores que acompanham o caso, quando foi morta, a vítima estava encurralada em um dormitório infantil, desarmada e já baleada no pé. 

Segundo testemunhas locais ouvidas pela justiça, o jovem teria invadido o local para se esconder quando os agentes foram atrás dele. Em março de 2019, Omar havia sido indiciado por roubo e estava em liberdade provisória. E, como a maioria das vítimas da chacina de Jacarezinho, era negro.

Derrubada de monumento dedicado às vítimas

No início do último mês de maio, a Polícia Civil derrubou um monumento que homenageava os mortos na chamada Operação Exceptis, que tinha por objetivo o combate ao tráfico de drogas. Em vídeo, que circulou nas redes sociais, cerca de dez policiais entram no Jacarezinho em carros blindados e descem dos veículos utilizando coletes à prova de balas. Utilizando pés-de-cabra, os agentes retiram as placas com os nomes dos falecidos e ainda amarram o memorial – uma estrutura de concreto – em um dos chamados “caveirões”, puxando-a até cair no chão.

Leia também: Entenda por que chacinas como a do Jacarezinho não acabam com o tráfico de drogas

A parede que continha os 28 nomes dos homenageados – incluindo o do agente André Leonardo de Mello Farias, também baleado na operação – estava localizada em uma calçada, a ponto que, segundo moradores, não atrapalhava a passagem. Ao todo, a estrutura tinha cerca de 1,7 metros de altura por 1,5 metros de largura.  

Em nota expedida pela 25ª Delegacia de Polícia do Engenho Novo, a Polícia Civil explicou que “o memorial ilegal construído em homenagem aos 27 traficantes mortos em confronto com a Polícia Civil durante operação na comunidade do Jacarezinho, ocorrida em 6 de maio de 2021”. A corporação ainda definiu que os nomes se tratavam de pessoas com envolvimento comprovado em atividades criminosas.

Histórico de violência policial por vingança

A favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio de Janeiro, pode ter o dobro ou até o triplo de moradores do que indica a estimativa de 37 mil habitantes, dos dados oficiais do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). Uma população de maioria negra que vive com a lembrança de violências do Estado.

O histórico de violência policial na região decorre, muitas vezes, de retaliações. Em 2017, após a morte de um atirador de elite do Core (Coordenadoria de Recursos Especiais) da Polícia Civil, foram realizadas operações policiais por duas semanas seguidas na localidade.

Já no início do ano seguinte, em 2018, um delegado da Polícia Civil foi encontrado morto perto do Jacarezinho e, novamente, foram quase 14 dias de operações diárias.

O policial civil morto em agosto de 2017 foi atingido por um tiro no pescoço durante uma operação no Jacarezinho. O governo do Estado chegou a oferecer uma recompensa de R$ 5 mil por informações sobre o crime. O corpo do delegado morto, em janeiro de 2018, foi encontrado dentro do porta-malas de um carro.

De acordo com moradores, ambos os casos foram motivos de “vingança” dos agentes, que agiram com truculência em ações na localidade.

Leia também: Caso Genivaldo: “A polícia não está preparada para lidar com neurodivergentes”

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