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Lei federal altera Código Florestal e potencializa risco de enchentes e deslizamento de terra

Projeto de Lei sancionado por Bolsonaro (PL) no final do ano passado autoriza os municípios a definirem o tamanho da área a ser protegida ao redor dos rios; ambientalistas temem aumento do desmatamento

Imagem apresenta uma cidade alagada. Pessoas andam sobre a água.

Foto: Imagem: Misbahul Aulia on Unsplash

13 de janeiro de 2022

No final do ano passado, já próximo das festas de virada do ano, um projeto de lei que compromete o meio ambiente e coloca em risco a vida das populações de todos os municípios brasileiros foi sancionado pelo presidente Bolsonaro (PL).

A Lei 14.285/2021, publicada em 30 de dezembro, permite que as câmaras municipais dos 5.568 municípios brasileiros tenham autonomia para decidir qual a metragem será preservada das matas em margens de rios e cursos d’água em suas zonas urbanas, possibilitando o desmatamento dessas Áreas de Preservação Permanente (APPs) e a regularização de imóveis.

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O novo regulamento também altera o Código Florestal, que determinava faixas de proteção entre 30 e 500 metros, dependendo da largura do curso d’água, em todo o território nacional. Segundo Kenzo Jucá, assessor do Instituto Socioambiental (ISA), o regulamento coloca sob risco de vida a população de todos os municípios, porque dá a prerrogativa para os legislativos municipais para que todas as APPs urbanas possam ser eliminadas. Isso potencializa riscos como de enchentes, de deslizamentos de terra e de queda de qualidade da água.

“Abre uma possibilidade de especulação imobiliária desenfreada, onde uma faixa populacional vai estar diretamente sendo colocada em risco e, muitas vezes, sem ter a noção exatamente do risco que está correndo. Essas áreas de preservação que foram eliminadas por essa lei existem em decorrência de um critério técnico muito objetivo. Elas têm funções ambientais muito bem definidas”, explica Kenzo Jucá.

As restrições impostas na lei impõe que os legislativos municipais devem criar regras que estabeleçam a não ocupação de áreas de risco de desastre e a observância das diretrizes dos planos de recursos hídricos, de bacia, de drenagem ou de saneamento básico, se houver. Além disso, os empreendimentos a serem construídos nessas áreas também devem observar casos de utilidade pública, interesse social e baixo impacto ambiental.

De acordo com Kenzo, a forma como a lei está escrita hoje impossibilita uma compensação ambiental possível, pois cada município pode fazer uma definição própria ao assunto, desconsiderando os impactos em escala que podem ser causados.

Sem Áreas de Preservação Permanente não existe água

De acordo com Lucas Rosário, estudante de geografia e influenciador na página Geografia Online, matas ciliares são Áreas de Preservação Permanente existentes nas margens de rios, córregos, lagos, represas e nascentes. Essas APPs tem a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a biodiversidade e proteger o solo.

“A lei significa um retrocesso na política de meio ambiente e uma tragédia anunciada. Em períodos de enchentes, casas e edifícios às margens de curso d’ água podem ficar alagadas, podendo ocorrer perdas de vidas, danos materiais e risco sanitário à saúde pública”, destaca.

Bruno Araujo, geógrafo, ambientalista e estudante de mudanças climáticas, destaca que o conjunto de leis existentes, inclusive o Código Florestal, dão orientações que consideram essa não estabilidade natural da vazão dos rios, provocados, por exemplo, pelo acúmulo de água de chuvas intensas.

“A ausência de vegetação marginal potencializa a erosão das margens do rio e consequentemente seu assoreamento. O assoreamento é o acúmulo constante de material no fundo do leito, diminuindo sua profundidade que significa menos espaço para peixes e outros animais. Quando em uma chuva intensa, toda água que cabia naquele corpo já não caberá mais e pode causar enchentes e alagamentos mais destrutivos”, ressalta Araujo.

O assessor do ISA, Kenzo Jucá, também explica que, mesmo em um município que não seja margeado por rios e cursos d´água, existem consequências óbvias no abastecimento d’água que podem acontecer devido ao novo regulamento.

“A maioria dos rios brasileiros são estaduais e federais e cruzam vários municípios. O impacto da medida não vai estar circunscrita a um município. É um absurdo do ponto de vista jurídico e do ponto de vista ambiental. A faixa é fundamental para conservação de recursos hídricos, para a qualidade da água e para a quantidade da água. Sem APP urbana não existe água”, destaca.

Fortalecimento do racismo ambiental e estrutural

O geógrafo Bruno Araujo destaca que as consequências como enchentes e alagamentos podem levar mais pessoas em situação de desabrigo ou em situação de rua, além de aproximar a população de vetores e de doenças transmissíveis pela água como cólera, leptospirose e disenteria bacteriana.

“As pessoas que perdem suas casas e móveis e que são obrigadas a andar em áreas alagadas em sua maioria são pretas, pobres e moradoras de favela e da periferia urbana. Fica explícito aqui o racismo ambiental, que agora ganha mais uma permissão legal e fortalece o racismo estrutural. Sem falar nas mudanças climáticas, que potencializarão eventos extremos com mais frequência e, o que veremos no futuro, é uma intensificação de catástrofes como essas”, relata Araujo.

Kenzo Jucá destaca que além de todas as consequências ambientais e humanas, a lei também afronta dois entendimentos que tinham sido consolidados do ponto de vista da conservação, o que caracteriza uma inconstitucionalidade.

“O primeiro foi o entendimento do STJ, que é o chamado Tema 1010 e que definiu a prevalência das leis federais sobre as leis municipais em relação a áreas de preservação permanente. E o segundo é que a Câmara derrubou um acordo de consenso do Senado”, explica.

Antes da lei ser sancionada pelo presidente, o Senado havia aprovado emenda no projeto de lei que regularizava o que já está ocupado hoje, porém estabelecia critérios para áreas a serem ocupadas no futuro, assegurando uma faixa de preservação mínima de 15 metros para as APPs. Ao voltar para a Câmara, o trecho foi derrubado.

“É por isso que nós estamos entrando no STF com esse questionamento de inconstitucionalidade. Existe um grupo, articulado pelo ISA, formado por diversas organizações ambientalistas e da sociedade em torno do Observatório do Clima, partidos políticos, juristas e especialistas, que estão estudando o caso e formulando a propositura da ação no STF, que deverá ser feita em breve”, finaliza Jucá.

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