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Novo livro de Carla Akotirene critica perseguição punitivista a negros em audiências de custódia

“É fragrante fojado dôtor vossa excelência” faz uma crítica feminista e decolonial dos procedimentos jurídicos, expondo a institucionalização do racismo e a perseguição punitivista da população negra
Imagem mostra a militante, pesquisadora e escritora Carla Akotirene. Ela é uma mulher negra retinta, com cabelo trançado.

Foto: José Cruz/Agência Brasil

28 de dezembro de 2023

O novo livro da pesquisadora, militante e escritora Carla Akotirene, intitulado “É fragrante fojado dôtor vossa excelência” (Ed. Civilização Brasileira), concentra as principais críticas da autora aos aparelhos jurídicos brasileiros, representados na obra pela Vara de Audiência de Custódia do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia.

A audiência de custódia é uma oportunidade de as pessoas presas em flagrante delito manifestarem os motivos da detenção e as condições de tratamento a que são submetidas pela forças policiais e judiciais. Esse tipo de audiência é um direito assegurado por lei ao flagranteado e, em tese, deveria resguardar a oportunidade de autodefesa da pessoa acusada de crime.

Em sua abordagem original, Carla Akotirene apresenta essas audiências em “cenas colonais”, nas quais atores e atrizes jurídicos – juízes, defensores públicos, procuradores e policiais – performam nas audiências de custódia como se seguissem um ritual preestabelecido.

Nessas “cenas coloniais”, a antiga ordem escravocrata, em que senhorios brancos arbitram sobre vidas negras, continua sendo a regra da nova “democracia”. Esses atores e atrizes sofrem a pressão vertical da opinião pública sobre a legalidade das prisões, conferindo fé pública aos policiais executores da prisão em flagrante e impondo aos acusados suas diligências.

Segundo a autora, a audiência de custódia é definidora dos números extravagantes de encarceramento da população negra no Brasil. Com pouca margem para exercerem a autodefesa e muitas vezes mal instruídos sobre seus direitos, muitas dessas pessoas são fichadas e marcadas pelo sistema prisional por meio de provas plantadas, ou seja, flagrantes forjados.

Esse tipo de indução de crime por parte das polícias não é incomum, como as entrevistas que Akotirene fez com os flagranteados indicam. Sua atuação junto aos aprisionados transforma a pesquisa de campo – fruto de anos de lida com o sistema penitenciário na Bahia – em sabedoria.

Audiência de custódia e encarceramento em massa

Ao invocar a epistemologia de Xangô, a escritora apresenta uma profunda revisão crítica do pensamento social e do estigma punitivista que paira sobre o Judiciário. Ela se vale, por exemplo, de ferramentas negro-feministas de interseccionalidade, dos instrumentos jurídicos da cosmopercepção filosófica dos bantos e dos iorubás e das declarações de inocência do Antigo Egito através da filosofia de Maat.

Com esses exemplos africanos de justiça, a obra lança um olhar sobre o Judiciário brasileiro a distância e observa que a atuação nas audiências de custódia são o caminho para o desencarceramento da população negra que deve, enfim, encontrar o seu destino de liberdade.

Carla Akotirene mostra em “É fragrante fojado dôtor vossa excelência” que a prisão é o próprio racismo, e o racismo é colonial. Libertar a população negra do encarceramento em massa deve ser encarado como um dos maiores desafios do aboliconismo contemporâneo, uma vitória a ser conquistada pelo movimento negro e que representará, em um futuro breve, o fim das “cenas coloniais” e a superação da ordem segregadora na sociedade brasileira.

A autora

Carla Akotirene nasceu em Salvador (BA), é militante feminista negra, pesquisadora e pensadora. Formada em serviço social, é mestre e doutora em estudos sobre mulheres, gênero e feminismo pela Universidade Federal da Bahia. É autora de “Interseccionalidade”, título publicado na coleção Feminismos Plurais, organizada por Djamila Ribeiro e “Ó paí, prezada!”. Idealizou o Opará Saberes, iniciativa voltada à capacitação de candidaturas negras na pós-graduação em universidades públicas. É colunista da revista Vogue Brasil e é seguida por mais de 250 mil pessoas nas redes sociais.

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