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Lucro do Carrefour é 3 mil vezes maior do que valor pago à família de Beto

Números globais da empresa apontam para lucro líquido bilionário; família de João Alberto Freitas fez um acordo extrajudicial com o Carrefour Brasil

Imagem mostra imensa pilha de notas de 100 reais ao lado de pequeno montante de dinheiro, representando a discrepância nos valores referentes ao lucro anual do Carrefour e o valor pago à família de Beto Freitas.

Foto: Dora Lia Gomes/Alma Preta Jornalismo

14 de abril de 2023

O Carrefour, empresa multinacional com sede na França, registrou um lucro líquido em 2022 de R$ 7,15 bilhões. Com o segundo maior mercado da companhia no Brasil, a multinacional tem apresentado crescimento no país, com o aumento do número de lojas e o acúmulo de um lucro líquido de R$ 1,8 bilhão no ano passado.

Os altos valores da multinacional, a maior do ramo de supermercados no Brasil, estão distantes das quantias pagas pela empresa para os familiares de João Alberto Freitas, espancado por vigilantes da Vector, empresa de segurança privada contratada pelo Carrefour. O caso aconteceu em 19 de novembro de 2020, um dia antes da data em que se comemora a consciência negra no Brasil.

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Milena Borges Alves e Stephanye Alves, viúva e enteada de João Alberto Freitas, fizeram acordos extrajudiciais com o Carrefour para o pagamento de uma indenização, informações acessadas pela Alma Preta. Milena Alves recebeu a quantia de R$ 1,5 milhão e Stephanye Alves, R$ 459.800 mil.

O lucro líquido global da empresa no ano passado é 3.763 mil vezes maior do que as indenizações pagas para os familiares. Na comparação com Carrefour Brasil, o lucro líquido é 947 vezes maior do que receberam Milena Alves e Stephanye Alves juntas. Os lucros também são superiores aos pagamentos feitos para o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado em 11 de junho de 2021, nos valores de R$ 115 milhões.

A primeira oferta de indenização feita pelo Carrefour para Milena Alves foi de R$ 1 milhão, quantia rejeitada pela família. A proposta é igual à depositada pelo Carrefour em um fundo como resposta à morte de um cachorro, agredido por um segurança em 2019, na unidade de Osasco-SP. O recurso foi utilizado para a proteção de animais e é resultado de um acordo da empresa com o Ministério Público de São Paulo.

A família de João Alberto Freitas também tem movido ações de reparação contra a empresa de segurança Vector. A responsável pelos vigilantes que espancaram Beto Freitas até a morte dizem terem sido “banidos” do Rio Grande do Sul, por conta da ruptura dos contratos, e afirma que as indenizações pedidas pela família são elevadas. O valor requisitado por Milena Alves é de R$ 500 mil.

Em dezembro de 2021, o Grupo Carrefour somava 779 unidades em todo território nacional, quantidade que se ampliou para 1.203 em 2022, crescimento de 54% em unidades. O Grupo Carrefour considera as lojas da própria rede, das unidades do Atacadão e do Big, recém comprado pela líder do mercado. O Carrefour Brasil é a segunda maior fonte de receita da multinacional, atrás apenas da sede matriz, na própria França.

Em comunicado oficial da rede de supermercados, Stéphane Maguaire, CEO da empresa, destacou 2022 como um “ano marcante” para o Carrefour e a consolidação da empresa como líder do mercado de varejos no Brasil. “O Grupo [Carrefour Brasil] apresentou um desempenho muito forte tanto no ano como no quarto trimestre, evidenciado por fortes ganhos de market share. Atacadão e Carrefour Varejo registraram crescimento de dois dígitos em vendas comparáveis e lucratividade sólida, o Sam’s Club apresentou melhorias sólidas desde a integração e o Banco Carrefour continuou a aumentar seu faturamento, portfólio e resultados”.

A CEO da companhia não citou a morte de Beto Freitas, mas recordou avanços da companhia na contratação de pessoas negras e mulheres e na área ambiental. “Em cargos de liderança, atingimos 41,5% de pessoas negras e 39% de mulheres. Criamos o Comitê de Florestas e anunciamos investimentos de R$ 50 milhões para proteção da biodiversidade . Em um ambiente muito desafiador, o Grupo Carrefour Brasil está ao lado dos consumidores brasileiros e de todos os seus stakeholders para fornecer produtos e serviços de qualidade a preços competitivos em uma ampla gama de formatos e canais”.

Os acionistas esqueceram

Depois da morte de João Alberto Freitas, a rede de supermercados lançou a campanha “Não Esqueceremos”, como forma de apresentar políticas internas para enfrentar o racismo. Os acionistas da companhia, contudo, esqueceram.

Passados dois anos da morte de Beto Freitas, as reuniões de acionistas do Carrefour não tocam no assunto ou abordam qualquer tema ligado ao racismo ou ao Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) assinado pela empresa.

Em reunião feita no dia 1 de dezembro de 2022, dias depois da data em que se recordam 2 anos da morte de Beto Freitas, os acionistas majoritários da empresa decidiram pela retirada de R$ 153 mil cada em forma de dividendos. O acordo firmado foi o de distribuir 45% do lucro líquido da empresa, decisão aprovada em novo encontro, em 13 de fevereiro de 2023.

Participaram da reunião Alexandre Bompard, presidente do grupo de acionistas, Ana Luísa Hieaux, secretária do grupo, e os membros do conselho de administração, entre eles nomes como Abílio dos Santos Diniz, vice-presidente do órgão.

A sociedade do Carrefour Brasil é dividida em 74,8% para os chamados acionistas controladores, ou majoritários, e 25,2% para ações em circulação. O valor total da sociedade está estimado em R$ 2,1 bilhões.

A equipe da Alma Preta questionou o Carrefour sobre o esquecimento dos acionistas acerca de João Alberto Freitas e dos lucros da empresa. A rede de supermercados não se posicionou sobre o silêncio dos acionistas e em nota afirmou que “O Grupo Carrefour Brasil é uma empresa de capital aberto e listada na bolsa. Sendo assim, o Grupo ressalta que todas as informações e esclarecimentos sobre os resultados podem ser acompanhados pelo site. Com relação às obrigações e acordos assumidos no TAC, o Grupo informa que estão sendo cumpridos e acompanhados continuamente pelo Ministério Público Federal, e auditadas por terceiros”.

Leia mais: Carrefour descumpre promessa e segue com contratos milionários com empresas de segurança privada

  • Pedro Borges

    Pedro Borges é cofundador, editor-chefe da Alma Preta. Formado pela UNESP, Pedro Borges compôs a equipe do Profissão Repórter e é co-autor do livro "AI-5 50 ANOS - Ainda não terminou de acabar", vencedor do Prêmio Jabuti em 2020 na categoria Artes.

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