PUBLICIDADE
PUBLICIDADE

Como lidar com o luto dos amigos e familiares durante a pandemia?

O direito ao luto da população negra é como uma página arrancada da história e remete às relações etnico-raciais do colonialismo; saiba como ajudar amigos e familiares que perderam uma pessoa especial para a Covid-19

Texto: Juca Guimarães I Edição: Nataly Simões I Imagem: Paulo Desana/Amazônia Real

luto

luto

— Manaus 09 05 2020-Quatro pessoas morreram de Covid-19 na cidade. enterros no cemitério Parque da Saudade - “Estou mais ou menos sem oxigênio”. A frase é do indígena Denivaldo Souza Cruz, do povo Desana, funcionário da Fundação Nacional do Índio (Funai), relatando a falta oxigênio desde ontem (8 de abril) nos respiradores do Hospital de Guarnição do Exército, em São Gabriel da Cachoeira, no norte do Amazonas. Ele é uma das sete pessoas que estão internadas no hospital em tratamento de Covid-19.Sem saber, Denivaldo Cruz conseguiu mobilizar o Comitê da Prefeitura de São Gabriel, o Ministério Público do Amazonas e o Governo do Amazonas para solucionar a crise no hospital ainda neste sábado (9).Denivaldo mandou seu relato pelo aplicativo de mensagens Whatsapp e rapidamente a notícia se espalhou pelo município, que tem 45 mil habitantes, sendo a maioria indígenas pertencentes a 23 etnias. Antes, ele escreveu em seu perfil no Facebook a situação de sua própria saúde: “Parentes amigos ontem (7) e hoje (8) as coisas pioraram um pouco. O médico tá preocupado porque eu não consigo estabilizar minha respiração. Estou desde ontem no oxigênio e o cançasso [sic] é muito grande. Por enquanto é isso agora nos testa oração [sic]”, disse.(Fonte Amazonia Real )(Foto: Paulo Desana/Dabakuri/Amazônia Rea

11 de março de 2021

O Brasil chegou a mais um triste recorde da pandemia, com 2. 349 mortes registradas em 24h no dia 10 de março, somando mais de 270 mil vidas perdidas em pouco mais de um ano. A crise de saúde tem gerado uma quantidade inimaginável de tensões que afetam o psicológico e dificultam o luto de quem perdeu um ente querido para a  Covid-19.

A dor e o sofrimento de amigos e parentes, que não se pode acolher fisicamente por conta do isolamento social, são motivos de preocupação. “É difícil, pois o nosso luto é só mais um luto em meio a tantos lutos. Uma das formas de acolhimento é se fazer presente na vida de quem perdeu e criar redes como sempre fazemos nessas situações”, explica o psicólogo Everton Mendes, idealizador do Pluriversais, grupo reflexivo para homens negros.

Quer receber nossa newsletter?

Você encontrá as notícias mais relevantes sobre e para população negra. Fique por dentro do que está acontecendo!

Segundo o profissional de saúde, uma das maneiras mais saudáveis para lidar com o luto, o próprio e o dos amigos, é sentir a dor e evitar a “sublimação do real sentimento”. O luto pode ser dividido em cinco estágios: negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação.

“Esses são os estágios básicos do luto. Se a pessoa entende isso e se permite viver cada fase, ela tem um luto digamos que mais saudável. Os amigos podem ajudar identificando em que estágio a pessoa está e demonstrando interesse e preocupação. Por exemplo, mandando uma refeição especial, telefonando, fazendo vídeo-chamadas”, recomenda Everton.

A formação social do Brasil e a tentativa de anulação da identidade negra dificultaram a construção de histórico e de experiências saudáveis de convivência com o luto. “Construiu-se um imaginário nacional em que as mazelas e as desigualdades sociais são lidas como decorrências naturais do atraso civilizatório dos povos racializados, sendo esses considerados inadaptados às sociedades modernas capitalistas”, diz um trecho do artigo “Uma Pandemia Viral em Contexto de Racismo Estrutural: Desvelando a Generificação do Genocídio Negro”, das psicólogas Paula Rita Bacellar Gonzaga e Vivane Martins Cunha.

O texto mostra como a desumanização das perdas com a Covid-19 afetam, sobretudo, a população negra no Brasil, historicamente alvo da violência. “Desse modo, as expropriações e as violências raciais-coloniais e pós-coloniais, que tornam as vidas indígenas e negras precárias, abjetas e desumanas, são páginas arrancadas da história”, destacam as acadêmicas do Núcleo de Pesquisa Conexões de Saberes, das universidades federais da Bahia e de Minas Gerais.

A empatia com amigos que perderam pessoas próximas com a Covid-19 é fundamental para que não sejam banalizadas essas mortes como já aconteceu em outras épocas, segundo a demógrafa Jackeline Romio, pós-doutoranda em Psicologia Social pela USP (Universidade de São Paulo).

“No Brasil já teve várias ondas de mortalidade que foram naturalizadas, tanto pelo discurso midiático como pelo governo, que colocam essas mortes como cotidianas e banais, por exemplo  mortes infantis por diarréia e desnutrição nos anos 80. Esse discurso desmobilizou a sociedade no debate sobre mortalidade materna e infantil”, diz Jackeline.

Ainda segundo a profissional de saúde, o enfrentamento da pandemia deve abarcar um período para lembrar das vítimas. “Um movimento pessoal positivo para lidar com o luto de amigos e parentes é transformar o sentimento de ausência pela atitude de preservação da memória e da história daquela vítima de Covid. Buscar perceber a presença dos nossos entes perdidos na história das nossas vidas, isso ajuda a superar o vazio da morte”, finaliza.

Apoie jornalismo preto e livre!

O funcionamento da nossa redação e a produção de conteúdos dependem do apoio de pessoas que acreditam no nosso trabalho. Boa parte da nossa renda é da arrecadação mensal de financiamento coletivo.

Todo o dinheiro que entra é importante e nos ajuda a manter o pagamento da equipe e dos colaboradores em dia, a financiar os deslocamentos para as coberturas, a adquirir novos equipamentos e a sonhar com projetos maiores para um trabalho cada vez melhor.

O resultado final é um jornalismo preto, livre e de qualidade.

Leia mais

PUBLICIDADE

Destaques

Cotidiano