O Brasil chegou a mais um triste recorde da pandemia, com 2. 349 mortes registradas em 24h no dia 10 de março, somando mais de 270 mil vidas perdidas em pouco mais de um ano. A crise de saúde tem gerado uma quantidade inimaginável de tensões que afetam o psicológico e dificultam o luto de quem perdeu um ente querido para a Covid-19.
A dor e o sofrimento de amigos e parentes, que não se pode acolher fisicamente por conta do isolamento social, são motivos de preocupação. “É difícil, pois o nosso luto é só mais um luto em meio a tantos lutos. Uma das formas de acolhimento é se fazer presente na vida de quem perdeu e criar redes como sempre fazemos nessas situações”, explica o psicólogo Everton Mendes, idealizador do Pluriversais, grupo reflexivo para homens negros.
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Segundo o profissional de saúde, uma das maneiras mais saudáveis para lidar com o luto, o próprio e o dos amigos, é sentir a dor e evitar a “sublimação do real sentimento”. O luto pode ser dividido em cinco estágios: negação e isolamento, raiva, barganha, depressão e aceitação.
“Esses são os estágios básicos do luto. Se a pessoa entende isso e se permite viver cada fase, ela tem um luto digamos que mais saudável. Os amigos podem ajudar identificando em que estágio a pessoa está e demonstrando interesse e preocupação. Por exemplo, mandando uma refeição especial, telefonando, fazendo vídeo-chamadas”, recomenda Everton.
A formação social do Brasil e a tentativa de anulação da identidade negra dificultaram a construção de histórico e de experiências saudáveis de convivência com o luto. “Construiu-se um imaginário nacional em que as mazelas e as desigualdades sociais são lidas como decorrências naturais do atraso civilizatório dos povos racializados, sendo esses considerados inadaptados às sociedades modernas capitalistas”, diz um trecho do artigo “Uma Pandemia Viral em Contexto de Racismo Estrutural: Desvelando a Generificação do Genocídio Negro”, das psicólogas Paula Rita Bacellar Gonzaga e Vivane Martins Cunha.
O texto mostra como a desumanização das perdas com a Covid-19 afetam, sobretudo, a população negra no Brasil, historicamente alvo da violência. “Desse modo, as expropriações e as violências raciais-coloniais e pós-coloniais, que tornam as vidas indígenas e negras precárias, abjetas e desumanas, são páginas arrancadas da história”, destacam as acadêmicas do Núcleo de Pesquisa Conexões de Saberes, das universidades federais da Bahia e de Minas Gerais.
A empatia com amigos que perderam pessoas próximas com a Covid-19 é fundamental para que não sejam banalizadas essas mortes como já aconteceu em outras épocas, segundo a demógrafa Jackeline Romio, pós-doutoranda em Psicologia Social pela USP (Universidade de São Paulo).
“No Brasil já teve várias ondas de mortalidade que foram naturalizadas, tanto pelo discurso midiático como pelo governo, que colocam essas mortes como cotidianas e banais, por exemplo mortes infantis por diarréia e desnutrição nos anos 80. Esse discurso desmobilizou a sociedade no debate sobre mortalidade materna e infantil”, diz Jackeline.
Ainda segundo a profissional de saúde, o enfrentamento da pandemia deve abarcar um período para lembrar das vítimas. “Um movimento pessoal positivo para lidar com o luto de amigos e parentes é transformar o sentimento de ausência pela atitude de preservação da memória e da história daquela vítima de Covid. Buscar perceber a presença dos nossos entes perdidos na história das nossas vidas, isso ajuda a superar o vazio da morte”, finaliza.