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Mãe relata agressividade e racismo em abordagem policial contra seu filho no interior de SP

5 de novembro de 2019

Para Vânia, a mãe do rapaz, a polícia é despreparada. “Eu disse isso ao capitão. E não vai dar em nada, a polícia protege a polícia. É a minha palavra contra a deles”

Texto / Semayat Oliveira | Edição / Pedro Borges | Imagem / Acervo pessoal 

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Na última quinta-feira a noite (31), por volta das 21h, Omowale Costa, 30, saiu para correr nos arredores do seu bairro, como de costume. Morador do Residencial Funada, em Presidente Prudente, interior de São Paulo, essa é uma das poucas atividades que ele faz de forma autônoma desde que foi vítima de um acidente vascular cerebral há 8 anos. Desta vez, seu exercício foi interrompido por uma abordagem policial violenta.

Uma viatura se aproximou e cerca de quatro policiais armados desceram. Após o AVC, Omowale anda e fala com dificuldade, além de ter a mobilidade em um dos braços reduzida. Como pôde, apresentou-se aos policiais e tentou explicar sua condição. Mesmo assim, um dos PMs o imobilizou com uma gravata, chutou suas pernas e o xingou.

Ao saber, Vânia de Camargo, mãe de Omowale, decidiu pegar o carro e procurar pelos agressores, mas não os encontrou. Por fim, ligou para a delegacia e pediu para falar com o responsável. Depois de contar a ocorrência, o oficial a desencorajou a denunciar. Disse que pelo fato de seu filhos não estar machucado de forma aparente, não haveria evidências para uma exame de corpo e delito.

Para Vânia, a polícia é despreparada. “Eu disse isso ao capitão. E não vai dar em nada, a polícia protege a polícia. É a minha palavra contra a deles”.

Em nota, a Polícia Militar do estado de São Paulo afirmou que a atividade operacional é pautada por procedimentos operacionais padrões que incluem protocolos para o atendimento ao público PCD (Pessoa com Deficiência)”. De acordo com o posicionamento, os policiais são treinados para realizar uma abordagem que respeite a condição da pessoa. A declaração diz ainda que “os integrantes da PM recebem vídeos treinamento e curso de Direitos Humanos, onde são aprofundados os conhecimentos sobre o tema”.

Durante a abordagem, nenhum desses conceitos foram aplicados neste caso. “Eu me sinto vulnerável, sem condições de proteger o meu filho. Queria ser a porta-voz do Omowale em uma situação como essa. Mas meu filho tem 30 anos e eu preciso dar liberdade pra ele”, desabafou a mãe.

Desde o AVC, episódio que interrompeu os planos do jovem, como a conclusão da universidade e sua carreira na publicidade, Omowale tem lutado para garantir sua autonomia. Entre os seus objetivos atuais está voltar a trabalhar. Correr e fazer caminhadas é uma das formas que encontrou para reafirmar seu direito de ir e vir. É exatamente por isso que o episódio representou, para ele, uma violência ainda maior.

De mãos atadas

Como Vânia não encontrou a viatura, não tem o número da placa, fotos ou qualquer outro tipo de prova, optou por não denunciar. Mesmo assim, diz ter plena consciência do motivo da agressão: o racismo. Todos os dias ela insiste para o filho não sair sem documentos em nenhuma hipótese e pede que ele evite usar moletom e capuz – exatamente a roupa que vestia no dia da abordagem. Para ela, essas duas características intensificam a possibilidade de Omowale ser visto como um alvo.

“O negro é sempre acusado mesmo”, afirmou. Em seguida, recordou o dia em que foi com o filho, na época com 16 anos, ao supermercado. Uma senhora disse ter sido roubada no estabelecimento e o acusou. “A sorte é que o policial chamado tinha nos visto poucos minutos antes em outro lugar”.

Vânia disse se sentir de mãos atadas, já que não há nada que possa fazer para evitar que seu filho seja vítima de violências desse tipo. “A minha voz é a voz de todas as mães do mundo. Mães do Rio de janeiro, da favela, outras mães da escola da minha filha, da sua vizinha aí”, ressaltou, por saber que este não é um caso isolado.

A forma que encontrou de lutar contra o racismo é contribuindo para a conscientização das pessoas. Agora em novembro, mês em que se comemora Zumbi dos Palmares, ela se une a diretora da escola da sua filha caçula, ainda tem 10 anos, para criar uma programação que elucide a situação da população negra no Brasil e estimule a autoestima das crianças. “É o que eu fui conscientizada desde que nasci, é o que eu posso fazer”, concluiu.

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